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O cabimento dos agravos entre a Lei n 10.352/2001 e a Lei n 11.187/2005

6 A REGULAMENTAÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973

6.3 A RECORRIBILIDADE DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS

6.3.4 O cabimento dos agravos entre a Lei n 10.352/2001 e a Lei n 11.187/2005

A Lei n. 10.352/2001 promoveu mudanças significativas no regime jurídico dos agravos, alterações que foram desde o cabimento até a tramitação recursal, além de conter disposições sobre reexame necessário, apelação, embargos infringentes, recursos especiais e extraordinário, agravo de instrumento do art. 544 e julgamento de apelação e agravo nos tribunais.

Com relação ao cabimento dos agravos, a Lei n. 10.352/2001 trouxe modificações que nortearam os rumos que o assunto tomou até o fim da vigência do CPC/1973.

Inicialmente, o art. 523, §4º, que indicava que só cabia agravo retido contra as decisões tomadas após a sentença, exceto aquela que inadmitisse a apelação (impugnável por agravo de instrumento), teve a sua redação sensivelmente alterada.

A partir da Lei n. 10.352/2001, o art. 523, §4º passou a dispor que era “retido o agravo das decisões proferidas na audiência de instrução e julgamento e das posteriores à sentença, salvo nos casos de dano de difícil e de incerta reparação, nos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida”.

364 Nesse sentido: MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, vol. V, p. 489/490; THEODORO Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 31ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, vol. I, p. 513; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 84.

Por conta deste dispositivo, Arruda Alvim reconhecia que estava instituída a regra de que, contra as decisões proferidas em audiência de instrução e julgamento e as posteriores à sentença, era cabível somente o agravo retido, salvo nos casos de urgência. Além disso, não se aplicaria o regime da retenção quando a impugnação se voltasse à inadmissão da apelação ou aos efeitos nos quais ela era recebida365.

Note-se, portanto, que foi eliminada a liberdade de escolha entre a interposição de agravo retido ou de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas em audiência de instrução e julgamento, mas foi expressamente excetuada a hipótese de a decisão gerar dano de difícil e incerta reparação, quando seria admissível o agravo de instrumento.

Também se inseriu a recorribilidade por agravo de instrumento das decisões sobre os efeitos nos quais a apelação era recebida, o que já era defendido anteriormente por José Carlos Barbosa Moreira366.

Além disso, ao dar nova redação ao art. 527, II, a Lei n. 10.352/2001 previu que, quando fosse interposto agravo de instrumento em casos em que não houvesse provimento jurisdicional de urgência ou perigo de lesão grave e de difícil ou incerta reparação, o relator

poderia converter o agravo de instrumento em retido, remetendo-o ao juízo a quo. Contra essa

decisão cabia “agravo interno”.

A partir da conjugação do art. 523, §4º, que instituía hipóteses nas quais só se admitiria ao agravo retido, e do art. 527, II, que tratava da conversão do agravo de instrumento em retido nos casos que não apresentassem urgência, Fredie Didier Jr. defendia que a Lei n. 10.352/2001 pusera fim à possibilidade de escolha, por parte do recorrente, entre o agravo retido e o de instrumento367.

Desta forma, o autor argumentava que não havia mais decisões que poderiam ser impugnáveis por agravo de instrumento ou por agravo retido, ou seja, para cada decisão interlocutória só seria aplicável um destes regimes recursais. Por consequência, haveria três critérios para se determinar se o recurso era o agravo de instrumento: a) existência de urgência; b) situações nas quais, a despeito da presença da urgência, a lei determinasse a interposição do recurso por instrumento; c) hipóteses nas quais não houvesse compatibilidade

365 ALVIM, Arruda. “Notas sobre algumas das mutações verificadas com a Lei 10.352/2001”. In: NERY Junior, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, v. 6, p. 93.

366 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, vol. V, p. 490.

367

DIDIER Jr, Fredie. “Questões controvertidas sobre o agravo (após as últimas reformas processuais)”. Revista Dialética de Direito Processual. n. 4, 2003, p. 55. Em sentido semelhante: CUNHA, Leonardo Carneiro da. “As recentes ‘modificações’ no agravo”. Revista Dialética de Direito Processual. n. 33, 2005, p. 65/66.

do agravo retido com a situação concreta368.

Apesar de não ter sido categórico em afirmar a obrigação do relator de proceder à conversão369, era possível extrair que Fredie Didier Jr. defendia que tal dever existia, pois expressamente afirmava não haver decisões que pudessem ser impugnadas por agravo retido e também por agravo de instrumento. Para ele e Leonardo Carneiro da Cunha, desde a Lei n. 10.352/2001, não se falava mais em liberdade de escolha por parte do agravante no que dizia respeito aos regimes dos agravos370.

Quanto à obrigatoriedade da conversão, Leonardo Carneiro da Cunha era mais incisivo, afirmando que, apesar de a Lei n. 10.352/2001 ter utilizado a expressão “poderá converter”, não se poderia falar em faculdade, já que o magistrado não as teria no processo, possuindo

poderes. Assim, para o autor, tratava-se de um poder-dever e, portanto, cabia ao relator

converter o agravo de instrumento em retido nos casos que não exigissem “análise breve ou imediata pelo tribunal”371

.

Contudo, a doutrina majoritária da época, seja analisando a Lei n. 10.352/2001372 ou as alterações promovidas pela Lei n. 11.187/2005373, defendia que se tratava de uma faculdade

368 DIDIER Jr, Fredie. “Questões controvertidas sobre o agravo (após as últimas reformas processuais)”. Revista Dialética de Direito Processual. n. 4, 2003, p. 55.

369 Nesse sentido: “Se se interpuser agravo de instrumento em situação que não é de urgência, poderá o relator, e certamente o fará, converter o agravo de instrumento em agravo retido, mandando que desça o instrumento do agravo ao juízo a quo, para que seja apensado aos autos principais” (DIDIER Jr, Fredie. “Questões controvertidas sobre o agravo (após as últimas reformas processuais)”. Revista Dialética de Direito Processual. n. 4, 2003, p. 55).

370 DIDIER Jr., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. 12ª ed. Salvador: JusPodivm, 2014, vol. 3, p. 142.

371 CUNHA, Leonardo Carneiro da. “As recentes ‘modificações’ no agravo”. Revista Dialética de Direito Processual. n. 33, 2005, p. 67.

372 Nesse sentido: GOMES Junior, Luiz Manoel. “A Lei 10.352 de 26.12.2001 – reforma do Código de Processo Civil – alterações na remessa obrigatória e no processamento dos recursos cíveis”. Revista de Processo. Ano 27, n. 105, 2002, p. 117. Arruda Alvim não apresentava um posicionamento contundente, pois, apesar de afirmar que o art. 527, II, permitia a conversão e que se admitia a possibilidade de conversão, mais à frente ele defendia que, não sendo caso de urgência, o relator converteria o agravo em retido. Por fim, afirmava que a expressão “poderá” indicava que se tratava de possibilidade justamente porque, nos casos duvidosos, deveria ser mantida a tramitação por instrumento (ALVIM, Arruda. “Notas sobre algumas das mutações verificadas com a Lei 10.352/2001”. In: NERY Junior, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, v. 6, p. 93/94).

373 No sentido de que a Lei n. 11.187/2005 encerrou o regime da facultatividade da conversão: ALVIM, J. E. Carreira; CABRAL, Luciana Gontijo Carreira Alvim. “Nova mexida nos agravos retido e de instrumento”. In: NERY Junior, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, v. 9, p. 284; NUNES, Dierle José Coelho. “Primeiros comentários à Lei 11.187, de 19.10.2005, que altera a sistemática do recurso de agravo, e à aplicação da cláusula geral lesão grave e de difícil reparação do novo art. 522 do CPC”. Revista de Processo. Ano 31, n. 134, 2006, p. 66; NETTO, Nelson Rodrigues. “Recurso de agravo: generalização de sua interposição sob a modalidade retida”. Revista Dialética de Direito Processual. n. 33, 2005, p. 85; NERY Junior, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 11ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 929. José Henrique Mouta Araújo, apesar de não se posicionar expressamente quanto ao tema, afirmava que a Lei n. 11.187/2005 pôs fim à controvérsia acerca da

conferida ao relator, afastando-se a obrigatoriedade da conversão nos casos que não apresentassem urgência.

Flávio Cheim Jorge apresentava uma solução intermediária, pois, apesar de afirmar que, após a Lei n. 10.352/2001, o agravo de instrumento só seria admitido nos casos de urgência e naqueles em que não houvesse interesse recursal na impugnação segundo o regime da retenção, também defendia que não havia obrigatoriedade de conversão do agravo de instrumento em agravo retido na hipótese do art. 527, II374.

Como a maior parte da doutrina defendia que a conversão não era obrigatória, percebe- se que ela continuava conferindo margem para o recorrente optar entre impugnar uma decisão interlocutória por agravo retido ou de instrumento, ressalvadas as hipóteses então previstas no art. 523, §4º. Se não houvesse decisões que comportassem a escolha entre um dos regimes, a conversão teria de ser obrigatória375.

Esse raciocínio, contudo, gerava uma situação curiosa, pois o recorrente teria liberdade de escolha entre os dois regimes de agravo na maioria dos casos, mas o relator, caso não houvesse urgência, inadmissão da apelação ou decisão sobre seus efeitos, teria a liberdade de convertê-lo em retido. O recorrente, por sua vez, estaria num estado de sujeição, uma vez que não poderia se insurgir contra a conversão para simplesmente fazer valer a sua “liberdade de escolha”, mas apenas para provar urgência, inadmissão da apelação ou haver decisão sobre os efeitos dela, hipóteses nas quais não era dada a conversão.

Parece mais coerente, entretanto, partir da premissa de que o magistrado exerce poderes, entendidos como a capacidade de produzir efeitos sobre a esfera jurídica das partes, que são acompanhados dos respectivos deveres376. Por isso, a posição defendida por Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha, segundo a qual o art. 527, II, ao consagrar um poder de conversão, também impunha ao relator o correlato dever de exercê-lo. Porém, como o visto, esse entendimento era minoritário.

A Lei n. 10.352/2001 promoveu outras alterações no regime jurídico dos agravos, ainda

facultatividade: ARAÚJO, José Henrique Mouta. “O recurso de agravo e as diretrizes estabelecidas pela Lei 11.187/2005”. Revista de Processo. Ano 30, n. 130, 2005, p. 120/121.

374 JORGE, Flávio Cheim. “Os recursos em geral – Lei n. 10.352, de 26 de dezembro de 2001”. In: JORGE, Flávio Cheim; DIDIER Jr., Fredie; RODRIGUES, Marcelo Abelha. A nova reforma processual: as mudanças introduzidas no CPC pelas Leis ns. 10.352 e 10.358, de dezembro de 2001. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 95/101. 375 Nesse sentido, José Carlos Barbosa Moreira afirmava que, antes da Lei n. 11.187/2005, cabia, em regra, ao agravante optar entre um dos regimes: MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 25ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 146. Em sentido contrário, Teresa Arruda Alvim Wambier, apesar de não falar no dever de conversão, defendia que a Lei n. 10.352/2001 já havia restringido o agravo de instrumento às situações de urgência: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. “O novo recurso de agravo, na perspectiva do amplo acesso à Justiça, garantido pela Constituição Federal”. Revista de Processo. Ano 31, n. 134, 2006, p. 103. 376 Sobre os poderes-deveres do juiz, conferir: DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, vol. II, p. 211/212.

que não relacionados ao cabimento, como: a) fim da previsão de prazo para juízo de retratação no agravo retido (art. 523, §2º); b) indicação de que, não havendo informação no juízo a quo, no prazo de três dias, acerca da interposição de agravo de instrumento, o recurso não seria admitido, desde que arguido e provado pelo agravante (art. 526, parágrafo único); c) fixação de um “roteiro” para o processamento do agravo de instrumento no art. 527, contando com a indicação expressa da possibilidade de concessão de “efeito suspensivo ativo” (art. 527, III).

Sobre a Lei n. 10.352/2001, Heitor Vitor Mendonça Sica fazia ponderações importantes, defendendo que ela teve resultados decepcionantes. Primeiramente, ao impor o agravo retido como o recurso cabível contra decisões proferidas em audiência de instrução e julgamento, o legislador não teria obtido grandes resultados em virtude da ausência do costume de se proferir decisões em audiência, exceto no que dizia respeito às perguntas feitas, o que teria importância secundária377.

Além disso, como o art. 527, II, indicava caber agravo interno contra a decisão de conversão em agravo retido, era mais prático ao relator permitir a tramitação do agravo de instrumento do que ordenar a conversão e acabar tendo que fazer novo relatório para o agravo interno e designar sessão para o seu julgamento378. Logo, a conversão não seria verdadeiramente eficaz para reduzir o número de recursos.

Diante deste cenário, foi promulgada a Lei n. 11.187/2005, que modificou sensivelmente o regime jurídico dos agravos, concretizando a delimitação de incidência de cada um deles e avançando no caminho traçado pela Lei n. 10.352/2001.