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As primeiras cooperativas no Sul do Brasil: as cooperativas mistas

3.2 O TRIGO E A SOJA: NOVAS RELAÇÕES DE PRODUÇÃO NO CAMPO

3.2.1 As primeiras cooperativas no Sul do Brasil: as cooperativas mistas

Schneider constata a existência de diversas experiências de associativismo no Sul do Brasil bem antes das atuais. Mesmo durante o período colonial os quilombos109 servem de

exemplo dessa organização. A cooperação, como uma prática associativa, era realizada informalmente pela ajuda mútua como hábito nativo, também partilhado por muitos povos.

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Ver mais em RUBERT, Rosane A. Comunidades Negras Rurais do RS: um levantamento socioantropologico preliminar. Porto Alegre: RS-Rural; Brasília: IICA, 2005. Segundo dados do INCRA, divulgados na 33ª Romaria da Terra, 2010, no jornal VOZ DA TERRA (CPT – Comissão Pastoral da Terra – RS/ cptrs@portoweb.com.br) existem 69 processos abertos de comunidades quilombolas reivindicando a legalização de seus territórios no Rio Grande do Sul, além de 184 comunidades já mapeadas. O Art. 68 da CF, das Disposições Constitucionais transitórias garante: “aos remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.

De acordo com Schneider (1999, p.289) “a experiência de cooperação econômica e social desenvolvida nas reduções jesuíticas, [...] igualmente ilustra a riqueza e a variedade de uma experiência associativa, mas que foi brutalmente eliminada...”.

Apesar da tentativa da formação de várias associações econômicas durante o Brasil Império110

, foi somente a partir de 1889 com a proclamação da República Brasileira que surgem as primeiras organizações cooperativas institucionalizadas.

O cooperativismo no Rio Grande do Sul, na sua expressão rochdaleana, se originou com a fundação em 1892 com a primeira cooperativa do setor primário a “Società Cooperativa delle Convenzione Agricoli Industriali”. Essa iniciativa de um grupo imigrante italiano não teve, todavia, continuidade conforme afirma Schneider (1999, p.290).

Antes dessa, contudo, outras haviam sido fundadas no Brasil, seguindo rigorosamente o modelo e a doutrina das cooperativas européias. Schneider (1999, p.291) destaca que essas organizações foram implantadas em ambiente cultural de imigrantes europeus e seus principais incentivadores também eram europeus. Para Andrioli (2007, p.87) “as cooperativas resultam do grande movimento associativo influenciado pelos padres em toda a região”. Eram cooperativas brasileiras, mas de origem européia sem um vínculo direto com as práticas de associação e cooperação missioneira.

A experiência cooperativa do Noroeste do Rio Grande do Sul possui, seguindo essa análise, sua origem a partir da chegada dos colonos, de modo que as manifestações anteriores das práticas de cooperação e associação não seguiam a formalidade da doutrina dos “pioneiros de Rochdale”. Isso, contudo, não quer dizer que hoje não existam práticas dessa natureza com grandes afinidades com as existentes anteriormente.

A política oficial brasileira, nos primeiros anos da década de 1930, conforme descrito por Schneider (1999, p.421), enxergava no cooperativismo uma das soluções para superar crise econômica internacional. O governo Vargas percebe o problema da monocultura dependente do café, enquanto o Brasil acelerava seus passos rumo à industrialização e o cooperativismo aparecia como uma boa opção.

A cooperativa dos “pioneiros” também nascera diante de uma necessidade apresentada pelas condições da economia industrial inglesa. Segundo Schneider (1999, p.440) os pioneiros “pretendiam que os operários se tornassem donos dos meios de produção, iniciando o controle

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Durante o Brasil Império, houve, na região de imigração européia não-lusa, várias experiências de associação econômica, algumas inspiradas no modelo de “falastérios” de Charles Fourier nos anos 40 e 80 do século XIX, outras já inspiradas em modelos cooperativos, como nas freqüentes recomendações em favor da organização cooperativa do padre José Maria Jacobs, que atuava especialmente junto à imigração alemã de Blumenau, no Estado de Santa Catarina (SCHNEIDER, 1999, p.290).

pelo lado do consumo e do comércio em geral, partindo depois para a conquista do controle de indústrias e, por fim, do controle da produção agropecuária”. Tudo isso, completa Schneider (1999, p.440), visando colônias ou comunidades cooperativas autônomas.

No sul do Brasil as condições históricas favoreceram o desenvolvimento das cooperativas, inclusive pela autonomia dos colonos diante dos pecuaristas. De acordo com Schneider (1999, p.421) “devido às circunstâncias em que se processou o assentamento de imigrantes no sul do Brasil, um dos traços culturais mais perceptíveis na nova cultura gerada na região, foi o acentuado senso de autonomia”.

As cooperativas agrícolas mistas que surgiram para atender as necessidades da pequena agricultura traduziam também esse nível de autonomia dos colonos. As cooperativas que antecederam o cooperativismo atual foram assim chamadas segundo Andrioli (2007, p.90) “por comercializarem praticamente todos os produtos excedentes dos colonos e por trazerem para a venda os gêneros de primeira necessidade, não produzidos nas colônias”. Essas organizações, com forte conotação comunitária, surgiram em seguida da instalação dos colonos. Segundo Andrioli (2007, p.91-2) a institucionalização da cooperativa criada na região pelos colonos “visava concretamente o enfrentamento ao problema de exploração dos intermediários, que começavam a lucrar com a industrialização e comércio dos produtos agrícolas”. Essas organizações preenchiam o espaço vazio deixado pelo Estado, diante da crescente necessidade que a colonização apresentava.

...à total ausência de apoio oficial e em parte também devido às dificuldades no aprendizado de uma língua tão diferente, os imigrantes, para poderem sobreviver e progredir num ambiente hostil e desconhecido, criaram desde o início uma estrutura de colonização fortemente comunitária, tendo como fator aglutinador a preservação de sua cultura de origem de sua língua mantida e cultivada através das escolas comunitárias e paroquiais, de sua religião, de seus valores, usos e costumes, de seus clubes e sociedades de canto e lazer, de suas tecnologias de produção e organização da propriedade... (SCHNEIDER, 1999, p.421).

Na época que antecede o cooperativismo atual a diversificação de culturas e atividades marcava as relações de produção na área rural. A erva-mate ainda ocupava um lugar importante na economia. Segundo Andrioli (2007, p.91) “no que se refere à industrialização da erva-mate a região ampliou o plantio e a industrialização com o processo de colonização. A indústria, em forma de cooperativa, foi constituída em Santa Rosa já em 1931”.

No cooperativismo do Rio Grande do Sul, apesar de originalmente apresentar forte conotação de auto-ajuda e cooperação, com o predomínio das práticas capitalistas, as cooperativas passaram a obedecer à lógica do mercado. De acordo com Andrioli (2007, p.38)

“com o passar do tempo, as próprias cooperativas se tornaram capitalistas, pela sua característica de empresas que funcionam dentro da lógica do mercado”.

A partir da década de 1960, com a modernização da agricultura, diversas transformações, provocadas pelo aumento da produção, da população, da comercialização, da mecanização e da industrialização, aumentavam as mudanças na economia de tal maneira que diversas cooperativas mistas não conseguiram acompanhar. Na opinião de Andrioli (2007, p.92) “as pequenas cooperativas acabaram sendo liquidadas ou incorporadas pelas grandes estruturas de industrialização, comercialização e armazenamento criadas por ocasião da modernização da agricultura”. Esse processo foi o grande responsável pela transformação de grande parte das pequenas cooperativas mistas em grandes empreendimentos cooperativos.