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1.3 OS SETE POVOS DAS MISSÕES

1.3.3 Padre Antônio Sepp

Os jesuítas não eram todos espanhóis e o padre Antônio Sepp entra na cota austríaca. Antônio Sepp von Rechegg nasceu no ano de 1655 em Kaltern, no vale do Etsch, no Tirol. Com 19 anos entrou para a Companhia de Jesus e aos 36 anos viaja à América. Em sua primeira carta Sepp (1980, p.67) relata: “depois que nos fizemos ao mar em Cádiz, no dia 17 de janeiro, dia de Santo Antonio, entramos a toda vela em Buenos Aires, no dia 6 de abril, numa sexta-feira santa”. Buenos Aires não passava de duas ruas60

.

O trabalho missionário seria realizado seguindo acima o curso do rio Paraná e Uruguai. No trajeto até Yapeju, que demorou vários dias, realizado com uma grande canoa, a alimentação vinha da pesca e da água limpa do rio. Afirma Sepp (1980, p.111) que “a água chega a formigar de tanto peixe”. Yapeju, como destino inicial de Sepp, havia sido fundada por Pe. Roque Gonzáles à margem direita do rio Uruguai. Era a mais povoada das reduções.

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Conforme Lugon (1976, p.253)

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Quando Sepp chegou em 1691 dedicou-se imediatamente a apreender o guarani, pois segundo Sepp (1980, p.124) “em todas as reduções, porém, há uma só língua, o Guarani”.

Embora a contribuição de Pe. Sepp tenha sido grande, não conseguiu livrar-se de alguns preconceitos da época. Um deles e talvez o mais grave seja sua concepção sobre as mulheres. Certa ocasião, quando encontraram um pequeno grupo à margem do rio, o jesuíta tentou comprar duas crianças em troca anzóis. Como não obteve sucesso, resignou-se.

Não deitam seus filhinhos no berço, mas o envolvem numa feroz pele de tigre. Também os desmamam bem cedo e, em vez de leite, dão-lhes longas tiras de carne crua, da qual essas criaturinhas inocentes chupam o sangue. O‟ vós, meus gentis e queridos anjinhos europeus! Quanto melhor é o leite, que sugais do seio de vossas mães! Estas mulheres aqui são antes tigres sanguinários, verdadeiras megeras e fúrias infernais, do que mães (SEPP, 1980, p.114)61.

Em relação ao trabalho alguns hábitos nativos são de difícil compreensão aos padres. Para Sepp (1980, p.147) os índios “não têm a mínima preocupação com o dia de amanhã”. Para obter melhor resultado até castigos pessoais foram usados. Segundo Sepp (1980, p.146) “nós não conseguimos fazer com que os índios, em sua pura preguiça, semeiem mais de uma ou duas rocinhas de 18 passos de grão turco62. E mesmo isto só conseguimos com tundas”.

Certa vez, afirma Sepp (1980, p.148), que depois de dar uma junta de boi e sementes aos nativos, um padre ficou surpreso, pois haviam almoçado um boi e feito fogo com o arado.

Por outro lado, diversas qualidades dos nativos são destacadas. Sepp (1980, p.117) observa a agilidade dos índios em atividades que dominam: “impossível de dizer-se com que perícia e rapidez os índios pegam uma rês, derrubam-na, tiram-lhe o couro e esquartejam-na”. Está incluído nessa ação o hábito do churrasco como o suprassumum do gostoso 63.

Havia 26 reduções em 1691 e um grande trabalho missionário. Apenas dois padres administram cada redução que possuem de três a seis mil habitantes64. As atividades, com

tanta gente, eram várias: “o padre precisa ser tudo a todos! Precisa ser: cozinheiro, dispenseiro, comprador e gastador, enfermeiro, médico, arquiteto, jardineiro, tecelão...” 65

. Nas reduções começaram a funcionar oficinas de impressão, comprovando que a educação, embora religiosa, se praticava e necessitava de materiais. Segundo Lugon (1976, p.138) “a primeira oficina de impressão instalada no Prata foi, por iniciativa dos jesuítas, a da República Guarani, a fim de imprimir os livros em guarani”.

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A afirmação de Sepp enquadra-se na visão da época sobre a mulher que despertava a libido dos padres.

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Grão turco é entendido como sendo milho americano.

63 Conforme Sepp (1980, p.132). 64 Conforme Sepp (1980, p.124). 65 Conforme Sepp (1980, p.125).

A escola para ler e escrever era direcionada aos meninos. Sepp (1980, p.152) relata que: “após a visita aos doentes visito nossas oficinas. Primeiramente vou ter com os petizes indígenas na escola, que aprendem a ler e escrever. As meninas, em vez disso, aprendem tecer, bordar e costurar”. Fora das reduções apenas um reduzido grupo tinha acesso à escola.

Entre 1682 e 1707, até a expulsão dos jesuítas, em 1767, a segunda fase das missões em solo rio-grandense, as escolas de ler, escrever e de música ocupavam um lugar de destaque no contexto cultural. Inicialmente, eram os padres os professores, até se formarem os primeiros mestres indígenas (CHRISTENSEN, 2001, p. 72).

A relação dos nativos com a morte também surpreende os missionários. Pe Sepp (1980, p.132) afirma que “não é possível descrever com quanta paz, com quanta serenidade de consciência, com quanta modéstia de corpo e alma estes indígenas se despedem da vida”. No leito de morte, continua o autor (1980, p.132), “não o incomodam dinheiro ou bens, que precisam abandonar, porque tudo quanto possue é um porongo oco”.

A música foi utilizada desde os primeiros jesuítas, mas com Sepp obteve um impulso especial. Segundo Christensen (2001, p.70) desde as primeiras reduções “foi a música um dos elementos que mais contribuíram para a sua consolidação”. Lugon (1976, p.145) destaca a qualidade da música dos índios que não era inferior à das catedrais da Espanha.

Sobre a pecuária, relata o jesuíta, como ela se adaptou muito bem na região. Para Sepp (1980, p.142) “há tantos bois, vacas, terneiros e cavalos em nossos campos, que tu em muitos lugares nada mais vês, de tanto gado gordo e bonito”. Esses animais não possuem valor alto em dinheiro, conforme destaca Sepp (1980, p.104), sendo que por um pequeno canivete podem-se obter dois lindos cavalos.

Há pouco, minha aldeia saiu campo afora para arranjar vacas para a alimentação diária deste ano. Em dois meses reuniram 50.000 vacas e as trouxeram para meu aldeamento. Tivesse eu mandado, eles também teriam trazido 70, 80, ou até 90.000. Para esses 50.000 animais não gastei um ceitil. O maior trabalho e arte consiste em que os índios reúnam tão jeitosamente os animais, que nenhum estoure ou dispare. O que conto desta minha aldeia também vale para as outras 26 reduções (SEPP, 1980, p.143).

Assim como na pecuária, todo o desenvolvimento econômico das Missões estava garantido através de algumas condições. Uma delas e talvez a mais importante se observa em relação à religiosidade, representando um profundo conflito cultural para os guaranis. O jesuíta estava determinado a ocupar o espaço e a posição religiosa do pajé. O “novo Deus” deveria ficar do lado do colonizador e aqueles que não concordavam seriam “demonizados”. Assim ocorreu no ano de 1693 com a redução de los Yaros, que foi dispersa após a morte do

Pe. Antônio Bohm. A frustração se deve em grande medida pela interferência de Moreyra, que segundo Sepp (1980, p.166) era um mestre de arte mágica, “laureado doutor na Escola de Lúcifer de infames mentiras”. Padre Sepp recebe orientação e prende Moreyra que é acusado de impedir a conversão de almas de sua gente.

Antes do padre Antonio Sepp, o jesuíta Ruiz de Montoya (1997, p.123) observava que “por aquelas serras, vales e arroios encontrava-se bela porção de feiticeiros, tomados de erros e superstições muito grandes, os quais contrariavam com pertinácia a outras doutrinas, pregando a sua própria como coisa mais que certa”. Ruiz de Montoya (1997, p.124), afirmava que a “conquista espiritual” era para o seu “bem” e que o jesuíta não queria seu ouro ou sua prata, mas suas “almas”, para obter o controle religioso.

À formação dos jesuítas foram incluídas muitas crenças da antiguidade, amplificadas pela apologia do colonizador, incorporada pela Igreja. Nessa visão, segundo Nogueira (1986, p.18) “o Universo inteiro passa a ser pintado como dividido entre dois reinos, o de Cristo e o do Diabo. Frente ao reino do cristianismo, resplandecente de claridade e luz, pois é o reino de Deus, se coloca o reino de Satã, onde predominam as forças das trevas”. A luz logicamente estava do lado dos jesuítas, enquanto as trevas do outro. Na opinião de Bosi (1992, p.60) “é notório o fato de que os primeiros jesuítas demonizaram, de plano, as práticas religiosas tupis fazendo exceção ao nome Tupã arbitrariamente assimilado ao Deus bíblico”. Trata-se de uma violência mais sofisticada e sutil.

No universo escuro de Anhangá66 perfilam-se os maus hábitos: no caso, a antropofagia, a poligamia, a embriaguez pelo cauim e a inspiração do fumo queimado nos maracás. Para falar só do primeiro: o ritual de devoração do inimigo remetia, na verdade, a um bem substancial para a vida da comunidade, sendo um ato de teor eminentemente sacral que dava a quantos o celebravam nova identidade e novo nome. Mas essa função sacramental da antropofagia era exorcizada pelo catequista que via nela uma obra de Satanás, um vício nefando a que o índio deveria absolutamente renunciar (BOSI, 1992, p.67).

Fica evidente o tom cruel da catequese jesuítica contra os ritos sagrados nativos, em que o pajé, responsável por presidir essas cerimônias, torna-se alvo principal.

O centro vivo, doador de sentido, não se encontrava nem em liturgias a divindades criadoras, nem na lembrança de mitos astrais, mas no culto dos mortos, no conjunto dos bons espíritos e no esconjuro dos maus. Eis a função das cerimônias de canto e dança, das beberagens (cauinagens), do fumo inspirado e dos transes que cabia ao pajé presidir (BOSI, 1992, p.69).

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Segundo Bosi (1992, p.65) Alma é anga, que vale tanto para toda sombra quanto para o espírito dos antepassados. Demônio é anhangá, espírito errante e perigoso.

A religiosidade nativa era rica de significado através de ritos que, segundo Bosi (1992, p.69) “atavam a mente do índio ao seu passado comunitário ao mesmo tempo em que garantiam a sua identidade no interior do grupo”. Dentro desses ritos religiosos está também a antropofagia que, segundo Bosi (1992, p.69), era baseado na “crença no aumento de forças que se receberiam pela absorção do corpo e da alma de inimigos mortos em peleja honrosa”. Essas observações são importantes para entender que as manifestações religiosas nativas são devidamente compreendidas quando analisadas em próprio contexto e não fora dele.

O jesuíta, depois de localizar o ator principal da crença nativa, “ataca” o pajé. A técnica jesuíta era, segundo Bosi (1992, p.69): “generalizar o medo, o horror, já tão vivo no índio, aos espíritos malignos, e estendê-lo a todas as entidades que se manifestassem nos transes, enfim, diabolizar toda a cerimônia que abrisse caminho para a volta dos mortos”. Na Europa a Igreja Católica também continuava perseguindo implacavelmente a magia, no tempo de caça às bruxas e feiticeiros, através da inquisição. Na América, segundo Bosi (1992, p.72), “o encontro não se travou apenas entre duas teodicéias, mas entre duas tecnologias portadoras de instrumentos tragicamente desiguais. O resultado foi o massacre puro e simples, ou a degradação com que o vencedor pode selar o culto do vencido”.

A ação dos jesuítas, reforçada pelo temor aos maus espíritos, fere o “coração” dos ritos nativos, base sólida das relações entre os membros da tribo. Segundo Bosi (1992, p.73) os jesuítas trocaram as cerimônias nativas pelas suas “além de um fervoroso devocionário de cunho popular onde legiões de anjos e almas do Paraíso podiam ser invocadas para acorrer às necessidades do fiel, mantendo-se sempre a intermediação hierarquizada da igreja”.

As danças e canções Guaranis, antes abertas em múltiplas visões, são reduzidas pela liturgia cristã, baseada, segundo Bosi (1992, p.84), “na contemplação do Deus único”. Nessa concepção religiosa, de acordo com Bosi (1992, p.73) os gestos e ritos nativos que cantam e dançam são vistos “como resultado de poderes violentos de espíritos maus que rondam e tentam os membros da tribo. A qualquer hora pode sobrevir Anhangá, a sombra errante que espreita os homens, ameaça recorrente”.

O jesuíta insiste nas vantagens dos ritos cristãos. Segundo Bosi (1992, p.84) “o Deus dos cristãos “que está nos céus” rogado em solitário oratio e em bem composta meditatio, virá à mente serena do fiel sob a forma absolutamente humana de Cristo”. Diferente dos espíritos espalhados pela selva que “baixam na tribo que os invoca, inspirando-lhe visões violentas e céleres como o clarão de um raio”, completa Bosi (1992, p.84).

De modo geral a ação do “novo médico-feiticeiro” concentrou-se em eliminar três elementos da cultura nativa: a antropofagia, a poligamia e o politeísmo. De acordo com Bosi

(1992, p.83) “a união eucarística rejeita com horror a cruenta refeição antropofágica. O laço matrimonial único renega a poligamia. O monoteísmo, duramente conquistado, olha com suspeita para o velho culto dos espíritos dispersos pelos ares, pelas águas, pelas matas”.

Em 1697 quando Pe Sepp foi designado para separar a redução de São Miguel e fundar uma nova, a luta contra a religião nativa estava avançada, tanto que foi bem recebido, pois a igreja não comportava todos os membros67 calculados em mais de 6.000 almas.

Pe. Sepp partiu para escolher um local apropriado à nova Missão, encontrado no relato do jesuíta (1980, p.202), com “abundância de águas e fontes”, aonde se decidiu fundar, não muito distante de São Miguel, a redução de São João Batista.

A tomada de posse daquela terra ocorreu na manhã seguinte, conforme Sepp (1980, p.203): “ao nascer do sol, subimos o outeiro onde erigimos o estandarte da Cruz salutar, em sinal da tomada de posse daquela terra”. Em seguida o padre, com os caciques e seus índios, bois do arado, enxadão e cunha de machado começam os trabalhos da nova redução.

Segundo Sepp (1980, p.207) “o primeiro trabalho foi distribuir, proporcionalmente aos membros e números de animais, a cada cacique e família, quintas, terras, montes e matas, para pastagem do gado, etc.”. Carbonell de Masy (1992, p.307) escreve que a distribuição das terras “para cultivo particular (Abambaé: aba: indio; mbaé: posesión) se hacia por medio de los cacicazgos: cada uno de los veinte o más caciques del pueblo disponía de una porción de tierra cultivable que distribuía entre sus súbditos para sustento propio y de su familia”.

Percebe-se que uma das primeiras atividades foi a organização equilibrada do espaço, pois as terras da nova redução, onde se nutre um grande rebanho bovino, não eram pequenas e tudo isso era dos índios, embora tivessem como obrigação seguir a religião dos jesuítas.

Eles, porém, possuíam, como cristãos, a terra de seus antepassados gentios. E onde os impostores e faunos infernais por tantos anos davam oráculos enganosos, lá de cima dos troncos das árvores, carcomidas pelo tempo, à guisa de cátedra, ergueram agora os padres da Companhia de Jesus o glorioso estandarte da Cruz (SEPP, 1980, p. 209).

A nova redução recebe também auxílio solidário das outras. Segundo Sepp (1980, p.219) “logo que se propalara pelas demais reduções a notícia de que se devia fundar novo aldeamento acudiram todas, unânimes em vontade e forças”.

Paralelo à construção de São João Batista, Pe. Sepp assume também a pastoral de São Miguel68. A função acumulada acabou sendo útil, pois como o jesuíta sabia das necessidades,

enviou mais técnicos e operários. Nessa época foi descoberto ferro em São João Batista. Os

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Conforme Sepp (1980, p.199).

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missioneiros desenvolveram a técnica de extrair o mineral de uma pedra que os nativos chamam de acordo Sepp (1980, p.227) de “itacura”. Da fundição se obtém o mineral para as ferramentas como enxadão, foice, cunha e machado, representando um salto de qualidade.

Somente depois de quase um ano preparando o local foram transmigradas as mulheres e crianças que, com roupas novas feitas de algodão da nova redução, seguiam entusiasmadas. A igreja, a casa dos padres e dos índios já estava em condições de receber toda aquela gente.

A mãe carregada de múltipla prole, uma levando-o ao colo materno, outra encarapinhando-a sobre o ombro, uma terceira conduzindo-a pela mão ou pondo-a às costas como um fardo; algumas carregadas com panelas e abóboras (ou porongos?) levavam em u‟a mão um gato, na outra galinhas atadas aos pés; em longa fila fechavam o cortejo os cães domésticos... (SEPP, 1980, p. 236).

Depois da transmigração, realizada com sucesso, Pe. Sepp ficou tomando conta apenas de São João Batista, quando tratou de finalizar as construções. Próximo da aldeia foi encontrado excelente argila para as telhas da igreja e todas as outras casas 69

.

Ao mesmo tempo as celebrações religiosas ganhavam forma e beleza com a música, o teatro e a dança, transformando-se num espetáculo espiritual. Essa motivação incentivada pelas representações de passagens bíblicas e das vidas dos santos, indicavam os comportamentos que os jesuítas consideravam mais adequados para os indígenas imitar70.

A dança e a música também faziam parte do costume nativo, envolvido em grande profundidade misteriosa e espiritual, que o jesuíta logo percebeu. Sobre a dança Sepp (1980, p.242) escreve que os “dansarinos (sic) atraem a atenção de todos, principalmente quando prendo a seus pés chocalhos e guisos. [...] Para os ouvidos dos índios, porém, são tão agradáveis, que parece não haver coisa mais gostosa”. Sobre o teatro, relata o jesuíta (1980, p.243): “procurei suscitar sentimentos de piedade em nossos índios por meio de cenas teatrais”. Em relação à música, completa Sepp (1980, p.247) que “estes índios paraguaios são, por natureza, como que talhados para a música, de maneira que aprendem a tocar com surpreendente facilidade”. A música, usada em todos os dias da semana, foi muito útil na catequese para, segundo Sepp (1980, p.248) “os amansar pouco a pouco por meio da música”.

O verbo “amansar”, usado por Sepp, é revelador da violência contra a espiritualidade nativa. De acordo com Christensen (2001, p.48) “ao contrário da maioria das cosmologias, a dos guarani não postula a preexistência de um criador. A sua gênese processa-se mediante complicadas etapas iniciadas pela autocriação de um deus supremo, Nãmandu”. O eixo dessa religião escreve Christensen (2001, p. 49-50), está na “busca obstinada da terra sem mal, que

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Conforme Sepp (1980, p.239).

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se encontra em algum lugar dessa mesma terra em que vivemos, onde é possível recuperar o atributo perdido, ou seja, a imortalidade”. É uma relação religiosa e espiritual muito profunda.

Os índios do Rio Grande do Sul ainda preferem encetar suas caminhadas, em busca de novas terras onde possam pacificamente exercer o seu modo de ser. Nessa migração, o espaço não é territorial. A terra sem males é um espaço sem lugares marcados, onde se apagam as relações sociais; um tempo sem ponto de referências, em que as gerações são abolidas (CHRISTENSEN, 2001, p.114).

Ao lado da catequese cristã, a redução oferecia elementos atraentes aos nativos. Um deles, talvez o mais importante, foi a manutenção das práticas de cooperação. O sentido de coletividade foi fundamental na produção de suas necessidades como ferramentas, tecidos, erva-mate, dentre outras, diferente do “Brasil” colônia71. Os nativos aprenderam fabricar

sinos de bronze, tachos de estanho, salitres, nitratos em pó e até relógios72

.

O desenvolvimento da nova Missão exigia organização também do exército, como visto anteriormente. Sepp afirma (1980, p.246) que “ainda é bem conhecido o que sucedeu no século passado: devido à falta de espingardas nenhuma resistência se pôde fazer aos brasileiros, quando levaram para a escravidão mais de cem mil índios das nossas reduções”.

Pe. Sepp permaneceu durante os 40 anos nas Missões. Ele morreu em 1733 com 78 anos de idade73, pouco antes da conquista portuguesa. Da redução de São João Batista resta

ainda parte do muro lateral da igreja e alguns artefatos, conforme imagem abaixo.

Figura 2 - Ruínas de São João Batista74.

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Segundo Caio Prado Junior (2004, p.224-5) “o alvará de 5 de janeiro de 1785 mandava extinguir todas as manufaturas têxteis da colônia, com exceção apenas das de pano grosso de algodão que serviam para a vestimenta dos escravos ou se empregavam em sacaria”.

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Conforme Sepp (1980, p.245).

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Pe Sepp esteve em São João Batista até 1710. Passou posteriormente às Doutrinas de São Luis, S. Xavier, La Cruz e finalmente São José, onde faleceu (KERN, 1982, p.131).

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Segundo Harnisch (1980, p.39) “os rebanhos de gado e os bosques de erva-mate, os maiores. E em parte alguma de toda a América a arte, os ofícios e a manufatura floresciam, como nas Missões, entre 1690 e 1750”. Mesmo assim as Missões não conseguiram dar seqüência ao seu desenvolvimento.

A destruição de São João Batista faz parte de um processo histórico que começou desde o momento em que aportou o primeiro barco europeu na América. Os colonizadores e, entre eles os jesuítas, possuíam muito bem o sentido dessa “conquista”.