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A guerra tornou-se inevitável diante das condições impostas às Missões pelo Tratado de Madri. De acordo com Lugon (1976, p. 289) “o Corregedor de S. Miguel, Sepé, tomou a cabeça da resistência e proclamou que todo o povo preferia a morte no solo da pátria a um exílio sem fim, „longe do túmulo dos nossos avós‟”.

Com a Guerra Guaranítica a situação das Missões ficou cada vez mais difícil. Segundo Lugon (1976, p.289) “o Provincial do Paraguai renunciou oficialmente às sete reduções do

Uruguai e anunciou que os jesuítas abandonariam também, sem hesitar, todas as outras reduções, se fosse preciso, para fazer calar as acusações de rebelião”.

A posição do Provincial do Paraguai era demonstração clara da ligação entre o “trono e do altar”. Para Back (1982, p.30) “exércitos espanhóis e portugueses – os mais modernos de então – deixaram de lado ódios seculares e, a tiros de canhão, cravaram a convicção etnocida dos brancos no território “guaranítico-castelhano” ao sacrifício de milhares de vidas”. Em pouco tempo as reduções foram dominadas e os Guaranis abandonados à própria sorte, uma vez que a evangelização não respeitou o mundo social e mítico dos Guaranis88.

A Guerra Guaranítica foi um combate desigual que massacrou os índios. Para Christensen (2001, p.75) “nesse conflito, destacou-se a figura de Sepé Tiaraju, chefe guarani, corregedor da missão de São Miguel, que juntamente com seu povo, rebelou-se contra a implantação do Tratado de Madrid”. Sepé tombou lutando em sete de fevereiro de 175689.

Os missioneiros tentaram ainda outra alternativa que não fosse a guerra, como descreve Sepé e outros chefes Guaranis, em uma carta ao governador de Buenos Aires.

Como poderá a vontade de Deus ser que vós tomeis e arruineis tudo o que nos pertence? Aquilo que possuímos é exclusivamente o fruto de nossas fadigas, e o nosso rei não nos deu coisa alguma. [...] Não somos apenas os sete povos da margem esquerda, mas doze outras reduções estão decididas a sacrificarem-se conosco desde que tenteis apoderar-vos de nossas terras. Senhor Governador, se não quereis ouvir as nossas razões, entregar-nos-emos nas mãos de Deus. [...] Devemos enviar nossas cartas a todos os países, a fim de que os infiéis fiquem ao corrente de nossa triste situação [...]. E apesar de tudo isso [...] dizem-nos que devemos abandonar as nossas terras, as nossas culturas, nossas casas e até a nossa pátria. Isso não é uma ordem de Deus, mas do Demônio... (LUGON, 1976, p.290).

Vários padres ficaram do lado Guarani. Segundo Lugon (1976, p.297) “a exemplo do Padre Lourenço Balda, cura de S. Miguel, deram todo o seu apoio aos guaranis, animaram a resistência e não recuaram ante o incêndio de suas próprias casas”.

Mesmo assim o fim dos Sete Povos foi trágico. A resistência não suportou a união dos exércitos ibéricos, mas a desocupação guarani pretendida pelos portugueses não ocorreu imediatamente conforme relata Lugon (1976, p.295): “as sete reduções passaram, assim, a estar integradas nominalmente em Portugal, sem serem evacuadas pelos guaranis”.

Segundo Golin (1999, p.559) a Guerra Guaranítica significou historicamente “a maior crise da Província do Paraguai e, em especial, dos Sete Povos localizados no atual território rio-grandense”. Aos guaranis cristianizados, contudo, restavam poucas alternativas.

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Segundo Back (1982, p.30).

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Sepé foi morto num combate [...] Nicolau Languiru, [...] sucedeu-lhe no comando e fortificou-se na colina de Caybaté, perto da redução de S. João. Um combate encarniçado e desastroso para os guaranis desenrolou-se nessa colina em 10 de fevereiro de 1756 (LUGON, 1976, p.293).

O modo de vida missioneiro foi completamente abalado, extinguindo-se, dando lugar a uma forma de relações tuteladas pelo Estado para, depois, dar lugar integralmente ao latifúndio e, no século XIX, à colonização. Aos índios restaram as alternativas da integração subalterna, da miscigenação ou da volta ao modo de vida quase neolítico, levando para as aldeias no interior das florestas apenas alguns instrumentos materiais, herança dramática do contato com os ibero-americanos... (GOLIN, 1999, p.559).

Todo o território dos Sete Povos passa a pertencer oficialmente aos portugueses, considerados “inimigos” dos Sete Povos das Missões. Segundo Carbonell de Masy (1992, p.316-7) “para los guaraníes más que la mera expulsión de los jesuitas y la designación de nuevos administradores, fue trágica la ruptura con toda una historia viva en pueblos conscientes de su identidad”. Essa foi uma das razões da forte reação dos Guaranis até a derrota na batalha de Cayboaté.

Os arranjos dinásticos das duas coroas os levaram a sepultar diferenças que por tanto tempo ensangüentaram a América Meridional. Não se tratava apenas da paz entre duas potências coloniais. O espaço missioneiro devia integrar-se ao espaço colonial português. Impunha-se eliminar o mau exemplo de uma sociedade indígena próspera e digna, numa ordem colonial feita de latifúndios, escravidão e miséria (CHRISTENSEN, 2001, p.76).

Em 1762 o Tratado de Madrid foi anulado dando continuidade na disputa jurídica pela definição dos limites. Guaranis e jesuítas voltam às reduções, mas por pouco tempo, pois em 1767 os jesuítas são expulsos, completando o quadro de destruição.

A bebida de álcool, antes praticamente substituída pelo mate, passou a ser consumida intensamente no processo de pilhagem. Segundo Lugon (1976, p.311) “o álcool serviu como principal artigo de troca e contribuiu, mais do que qualquer outra coisa, para o aviltamento do povo”. Além disso, destaca Lugon (1976, p.311) os novos dirigentes adotaram “a pena de morte e a mutilação”, desconhecidas até então90. Pouco depois a organização missioneira

havia desaparecido e os Guaranis passavam por um empobrecimento crescente. Segundo Lugon (1976, p.314) “com medo de que o povo não se esclarecesse demais, também foram desmontadas as três ou quatros tipografias instaladas pelos jesuítas”.

Segundo Harnisch (1980, p. 55) “depois de 1801, muita construção artística das reduções foi destruída. Mais tarde os colonizadores brancos levaram inúmeras partes do velho

90

Nenhuma das milhares de mãos decepadas pelos espanhóis durante a Conquista voltou a reencontrar seus membros, sagrados. A indignação de frei Bartolomé de las Casas, ex-escravocrata, tinha lá suas razões: para que mutilar o que poderia ser usado para plantar, colher, cerzir, lavar, rezar, copular, minerar ouro e prata e ao mesmo tempo enriquecer o rebanho de Deus? (BACK , 1982, p.31).

material, aproveitando-os para fazer casas e estrebarias”. O destino dos indígenas não foi muito diferente do que aconteceu com o material das reduções.

De acordo com Lugon (1976, p.319) “a ruína sobreveio em 1828, no curso de uma vasta ação de represálias empreendida contra os portugueses, agora transformado em brasileiros”. A situação aos remanescentes missioneiros, que já não estava boa, piorou com a ação de Frutuoso Rivera, um caudilho uruguaio, que “tentou mais uma vez reconquistar as Missões Orientais”, como ressalta Christensen (2001, p.99). A investida, além de levar milhares de cabeças de gado, tentou formar um novo povoado entre o Quaraim e o Arapeí. Segundo Lugon (1976, p.320) “toda a população fora levada por Rivera [...]. As famílias formaram um imenso comboio. Sobre carroças, foram transportadas as estátuas dos santos, os ornamentos, os sinos das igrejas”. O novo povoado, contudo, não deu certo e os índios quiseram voltar, mas foram violentamente massacrados.

A etnia Guarani, depois de tanta guerra, havia sido reduzida drasticamente. Lugon (1976, p.320) destaca que “em 1835, os guaranis estavam praticamente eliminados de S. Borja. Restavam apenas 130 homens da raça guarani...”. A região passava por um processo novo de ocupação, comandada pelos portugueses, em que o aspecto econômico suplantava o religioso, antes central nas Missões. Essa situação aumenta a dificuldade de encontrar relações na perspectiva de verificar continuidade das práticas de cooperação e de associação.

O destino do povo missioneiro conta agora com outros elementos étnicos, econômicos e políticos diante de um novo contexto histórico, embora construído sobre uma herança comum. Herança nem sempre possível de descrever em palavras, mas que está presente em diversas formas de expressão como na espiritualidade ainda reprimida, na dança, na poesia, na música, ou no sangue mestiço das pessoas dessa região, dentre outras formas.