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Modernização capitalista da agricultura e o cooperativismo tritícola

3.2 O TRIGO E A SOJA: NOVAS RELAÇÕES DE PRODUÇÃO NO CAMPO

3.2.2 Modernização capitalista da agricultura e o cooperativismo tritícola

A modernização capitalista da agricultura e o cooperativismo tritícola fazem parte “de toda uma complexa rede de interesses mais amplos e entrelaçados, a nível nacional e mundial”111. Brum (1998, p.31) considera também que esse processo de modernização da

agricultura que ocorreu na região Noroeste do Rio Grande do Sul está “ligado às profundas mudanças econômicas ocorridas no mundo a partir do término da Segunda Guerra Mundial”.

Afirma Benetti (1982, p.42), quando salienta a importância da formação e do desenvolvimento do cooperativismo gaúcho, que “ambos devem ser vistos como resultantes da interação entre as políticas estatais de estímulo ao setor e os anseios, esforços e capacidade de auto-organização dos produtores”. Isto é, o cooperativismo gaúcho não surge apenas pelo apoio estatal, mas responde também aos interesses locais.

No Sul do Brasil, dedicadas basicamente ao binômio trigo-soja, surgem diversas organizações cooperativas, nesse período pós-45. De acordo com Schneider (1999, p.292) “face aos estímulos governamentais de créditos fáceis e a juros abaixo do índice de inflação, face à política de preços e de exportações, tornaram-se logo o segmento mais moderno, dinâmico e pujante das cooperativas brasileiras”. Para Benetti (1982, p.51) nessa fase, o “crescimento das cooperativas esteve determinado pela evolução do negócio do trigo, combinado, ao final da década de 60, com o início da comercialização [...] da soja...”.

Trigo e soja se tornam aos poucos as culturas dominantes no processo complexo da modernização capitalista da agricultura, entendida como aquela, segundo Brum (1998, p.33)

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que “intensifica o uso de máquinas, implementos, equipamentos e insumos modernos, bem como técnicas mais sofisticadas, buscando maior racionalização do empreendimento”. Schneider (1999, p.303) destaca que a penetração capitalista das colônias agrícolas ocorre “especialmente a partir de 1950, através da concessão de crédito oficial subsidiado, da assistência técnica e de outros estímulos governamentais, destinados aos produtores dinâmicos do setor do trigo e, a partir de 1960, do setor da soja”.

A opção brasileira pela modernização capitalista da agricultura transforma as áreas ocupadas pelos colonos no sul do Brasil, espalhando-se com uma rapidez impressionante. Toda a tecnologia apresentada era entendida de modo geral, inclusive por muitos colonos, como um benefício “indiscutível”. A história, entretanto, comprovou que não era bem assim, pois ela transformou-se num fator de concentração de capital, de exclusão social, como observado no êxodo rural ou na concentração de terras efetuadas pelos granjeiros.

São estes granjeiros que poderão adquirir médias e grandes propriedades, que compram ou arrendam, tornando o cultivo de grãos mais viável e lucrativo. A terra é adquirida de pecuaristas em dificuldades econômicas, devido aos baixos rendimentos da pecuária, ou de pequenos produtores forçados a venderem suas propriedades porque frequentemente incapacitados de realizar a assimilação tecnológica e a modernização de sua propriedade (SCHNEIDER, 1999, p.307).

São os granjeiros os fundadores e primeiros dirigentes das organizações cooperativas.

Os dirigentes dessas cooperativas, seus fundadores, cedo entenderam que o único caminho para a independência do produtor, isto é, a única possibilidade que o mesmo tinha de participar como verdadeiro parceiro nesse mercado, passava pelo fortalecimento da cooperativa, pela constituição de uma unidade econômica eficiente e poderosa. Com efeito, numa luta entre gigantes, ou a cooperativa é um deles ou o produtor permanecerá, como em tantas outras atividades, subordinado ao puro interesse dos demais agentes que atuam no mercado (BENETTI, 1982, p.44).

O fortalecimento das cooperativas é acompanhado pelo estímulo dado à modernização agrícola, fazendo parte da expansão do capital internacional112. Segundo Schneider (1999,

p.311) “o estímulo à modernização da agricultura dado pelas cooperativas, resulta também em benefício dos interesses de expansão do mercado para o capital internacional”. De acordo com Benetti (1982, p.59) “as cooperativas tiveram, indiscutivelmente, um papel fundamental na

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Segundo Brum (1998, p. 44) A chamada “Revolução Verde” queria aumentar a produção e a produtividade agrícola no mundo, com aplicação de alta tecnologia através de uma imagem humanitária, mas que escondia “poderosos interesses econômicos e políticos à expansão e o fortalecimento das grandes corporações à caminho da transnacionalização. O programa foi “idealizado e patrocinado”, inicialmente, pelo poderoso grupo econômico Rockfeller, com sede em Nova Iorque, nos Estados Unidos. Em 1943 diversas empresas foram criadas no Brasil com esse objetivo, entre elas a Cargill, a Agroceres. Inclusive, por influência desse mesmo grupo, foi criado a ASCAR (Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural), que originou a EMATER (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural).

indução da modernização das áreas rurais [...], podendo-se até afirmar, sem medo de exagerar, que as mesmas se constituíram num veículo privilegiado desse processo”.

Um dos principais efeitos da modernização capitalista do campo se relaciona aos resultados obtidos pelos pequenos e grandes produtores. Segundo Schneider (1999, p.311-12) “com a entrada da modernização capitalista no campo, que veio destruir o processo de produção tradicional, não tem resultado, contudo, aparentemente, numa efetiva melhoria de vida e de renda dos pequenos agricultores”. Além disso, completa Schneider (1999, p.321) “intensificou-se o processo de concentração de renda e de diferenciação social, onde alguns pequenos produtores conseguiram apenas manter-se na produção, enquanto que um número significativo foi simplesmente eliminado do processo de produção”.

As mudanças provocadas no decorrer da modernização capitalista da agricultura excluem aqueles que não conseguem acompanhar a velocidade das mudanças.

Na década de 1970, verificaram-se grandes mudanças na situação sócio-econômica de ambos os grupos em relação ao período de 1950/60. Muitos dos primeiros, os colonos, que atuavam no setor trigo e soja realizaram intenso processo de capitalização, diferenciando-se dos demais colonos que permaneciam numa atividade predominantemente de subsistência da sua unidade familiar, ou desapareciam proletarizando-se, migrando para as cidades ou para outras regiões (SCHNEIDER, 1999, p.327).

As transformações econômicas, beneficiando diretamente o grande capital, colocaram as cooperativas numa situação mais voltada às necessidades que seguiam a orientação dos grandes grupos do capitalismo internacional, ampliando a dependência do agricultor.

Dependência é a situação de uma sociedade estruturada, não em função de suas necessidades e interesses, mas em função das necessidades, interesses e ações de outros países, que exercem sobre ela uma dominação. [...] A situação de dependência é determinada pelas forças internas que compõe a sociedade dependente, bem como pela capacidade de enfrentamento das forças externas que a condicionam. Pois dentro da sociedade dependente sempre há uma parcela minoritária que é beneficiada pela situação de dependência. Essa parcela se alia aos grupos e interesses externos e passa a defender a continuidade da situação existente, pois esta situação lhes é favorável. [...] Hoje, quem são principalmente os segmentos da sociedade brasileira beneficiada pela “moderna” situação de dependência do país? Principalmente os banqueiros, as multinacionais, as grandes empresas nacionais, os exportadores e, também, a maioria dos grandes empresários rurais (BRUM, 1998, p. 125-6).

O colono, seguindo as “orientações” técnicas, aumentava a produtividade, mas também a sua dependência. Para Brum (1998, p.47) “os países que aderiram à “Revolução Verde” eram orientados e induzidos a usar novas técnicas de correção de solo, fertilização, combate à doenças e pragas, bem como utilizar maquinaria e equipamentos modernos”.

Avançando rapidamente sobre a área rural esse conjunto de técnicas apresentadas como inovadoras recebeu o nome de “pacote tecnológico”.

Segundo Brum (1998, p.49) “a “Revolução Verde” serviu de carro-chefe para ampliar no mundo a venda de insumos agrícolas modernos: máquinas, equipamentos, implementos, fertilizantes, defensivos, pesticidas, etc”. Em outras palavras, foi uma forma dos grupos econômicos internacionais expandirem suas empresas e seus interesses pelo mundo.

Na opinião de Brum (1998, p.54) a Revolução Verde trata-se de uma modernização conservadora porque não toca na estrutura agrária e está “voltada para a viabilização e implantação da empresa rural capitalista no campo”. Essa situação aprofunda a dependência internacional e se enquadra no “modelo econômico brasileiro”, que Brum (1998, p.55) classifica como: “capitalista, associado, dependente, concentrador, exportador e excludente”.

Na modernizadora da agricultura adotada no Brasil não apenas o Rio Grande do Sul ocupa uma posição de destaque, mas também a região do Planalto Gaúcho, conforme afirma Brum (1998, p.60). O cooperativismo não só faz parte desse processo como também se tornou um de seus principais instrumentos.

As cooperativas de trigo e soja foram um dos frutos do processo de modernização conservadora da agricultura na região e se tornaram um dos principais instrumentos para o avanço e expansão do processo modernizador voltado para a agricultura empresarial com fins comerciais, dentro da estratégia global das transnacionais desencadeada a partir da “Revolução Verde”, patrocinada inicialmente pelo poderoso grupo Rockfeller e depois, também, por outros grupos econômicos, por organismos governamentais norte-americanos e por organismos internacionais, como o Banco Mundial, a FAO e a própria ONU (BRUM, 1998, p.115).

O Estado serviu de facilitador na criação das cooperativas que respondessem à estratégia conduzida pelo capitalismo internacional. Schneider (1999, p.27-8) escreve que a política estatal privilegiava a empresa cooperativa que desse prioridade “no produto e não nos produtores”. Tal situação instalava uma crise na agricultura tradicional. Segundo Brum (1998, p.118) “mergulhando inteiramente no binômio trigo-soja, o agricultor torna-se um importante comprador de praticamente tudo o que a família consome, inclusive para atender as necessidades da própria alimentação”.

O incremento da cultura do trigo e da soja, diante dos grandes volumes de produção, exigia maior armazenamento e a comercialização foi provisoriamente resolvida em 1950 com a criação da CIBRAZEM (Companhia Brasileira de Armazéns) nos principais centros produtores. Segundo Andrioli (2007, p.94) “em 1956, o governo se convenceu de que não teria condições de arcar com tamanha responsabilidade e devolveu a função de criar estrutura de armazenamento aos agricultores, em forma de cooperativas”.

Na década de 1950 surgem as primeiras cooperativas tritícolas oferecendo, segundo Andrioli (2007, p.94) “crédito fácil e juros favorecidos, praticando vultosos investimentos fixos provenientes do Banco do Brasil e BNCC (Banco Nacional de Crédito Cooperativo), para a produção de trigo que experimentava uma rápida expansão pelo estado”.

As cooperativas tritícolas contaram com incentivo do Estado, dos grupos capitalistas internacionais e com apoio dos agricultores, que aspiravam aumentar sua produção. Segundo Andrioli (2007, p.95) “as cooperativas tritícolas expandiram-se pelo Estado e, em cada região, foram estabelecendo sua área de atuação”. Assim, continua Andrioli (2007, p.95) “na região de Ijuí está a COTRIJUÍ; [...] na região de Três de Maio a COTRIMAIO; Em Santa Rosa a COTRIROSA, e assim por diante”.

Diversas cooperativas mistas ou coloniais são abandonadas ou incorporadas diante do novo modelo de cooperativa. Segundo Andrioli (2007, p.95) os agricultores, incentivados pelo discurso da “moderna agricultura”, entram como sócios desta cooperativa em prejuízo da agricultura tradicional. A implantação da monocultura e todo o pacote agrícola, por exemplo, exige a aplicação de nível tecnológico mais sofisticado diminuindo a autonomia da atividade.

Na opinião de Andrioli (2007, p.98) “para a região, o impacto do pacote agrícola foi muito grande. A aquisição de insumos externos à propriedade fez do agricultor um consumidor em potencial dos produtos das multinacionais”. Tal dependência tecnológica não ocorre apenas em âmbito do produtor, mas envolve praticamente toda a cadeia produtiva, inclusive a indústria local. Para Andrioli (2007, p.98) “com a necessidade de avançar tecnologicamente, muitas indústrias locais tiveram de submeter-se a parcerias com grupos maiores e, gradativamente, a intervenção externa foi se generalizando”.

Todo esse processo transforma, também, o objetivo da cooperação existente na região. Segundo Andrioli (2007, p.100) “a cooperativa, que antes era de origem local e caráter comunitário, começou a ser encarada como um grande negócio. O sentido da cooperação passou a ser outro”. Isto é, apesar do caráter coletivo, são os interesses individuais que prevalecem. Para Andrioli (2007, p.100) “o que passa a valer é a união com vistas à resolução de problemas individuais, ao invés do trabalho em favor da construção coletiva e a valorização do crescimento comunitário”.

As cooperativas transformadas em empresas capitalistas, respondendo aos valores da moderna agricultura, foram aos poucos, mas de modo contínuo, modificando o sentido original da cooperação que previa a ajuda mútua e o bem comum. Para Andrioli (2007, p.66) usar a “cooperação como estratégia de dominação, a serviço de poderosos grupos privados, gerando dependência e exclusão, expressa o paradoxo de uma prática que, a princípio, foi

anunciada como união de esforços para a concretização de um objetivo comum a todos”. A falta de identidade nas relações cooperativas atuais é um sintoma dessa situação que oferece dificuldades em diferenciar a cooperativa de uma empresa capitalista “normal”.

Entre os novos valores adotados está a mudança do conceito de agricultor para produtor. Segundo Andrioli (2007, p.100) “a forma como era projetado o trabalhador rural, que passa a ser integrado na lógica capitalista como mero produtor de mercadorias que seriam industrializadas e comercializadas por outros segmentos da economia”. Essa nova forma de entender o agricultor está ligada numa rede econômica em que o cooperativismo faz parte.

A diferença das cooperativas empresariais para as coloniais está relacionada à mudança no modelo de agricultura operada a partir da década de 50. A lógica do mercado capitalista vai modificando o caráter da agricultura familiar e os agricultores vão sendo classificados e selecionados, excluindo os que não conseguem se adequar (ANDRIOLI, 2007, p.101).

Andrioli acredita que esse cooperativismo “alicerçado na economia”, que se consolidou com a modernização capitalista da agricultura, passou a defender interesses contrários à maioria dos agricultores. Essa posição revela um sério problema nas relações que envolvem as práticas de associação e cooperação vivenciadas pelos colonos. Tal complexidade exige uma análise das origens do associativismo e do cooperativismo desenvolvido pelos colonos, bem como de alguns conceitos sobre esses movimentos.