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Educação e cooperação são categorias que possuem uma relação de proximidade muito grande. No entanto, nas condições atuais, diante do atrelamento da ciência com o capitalismo, essa relação está fragilizada. Segundo Schneider (2003, p.14) “educar para a cooperação é uma tarefa difícil, pois as pessoas nascem e vivem num contexto de concorrência, de individualismo, do crescimento deixando os outros para trás”.

Por outro lado, na opinião de Frantz (2003, p.60) a cooperação aponta sempre como uma nova “oportunidade para o encaminhamento de soluções para tantos problemas sociais que ainda nos acompanham ao final de tanto tempo de economia, fundada na concorrência e na individualidade, na racionalidade e nos interesses do capital”.

Os “Pioneiros de Rochdale” desde o princípio se preocuparam, além da democracia e da participação, com a educação. Schneider (2003, p.29) escreve que uma das primeiras iniciativas foi ajudar “os associados analfabetos a alfabetizar-se, criaram uma biblioteca e duas salas de leitura de revistas e jornais, para que, além de alfabetizados, estivessem bem informados sobre sua realidade”.

É possível existir uma cooperativa que não pratica cooperação e educação? Caso isso ocorra, teoricamente está em contradição, diante dos princípios dos Pioneiros de Rochdale. Segundo Frantz (2002, p.7) as cooperativas nascem no processo de trabalho como “um fenômeno social com base econômica”, mas embora o objetivo específico seja de ordem econômica, a cooperativa não pode reduzir-se a ele.

Cooperativas são, em sua origem, organizações sociais instrumentalizadas, isto é, nascem de uma relação social, com objetivos econômicos os quais se busca realizar,

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A educação é um principio fundamental dos pioneiros que se propunham atingir todos os participantes e não apenas uma pequena parte como existia nas Missões.

através de uma empresa, mas que têm dimensões sociais mais amplas que seu sentido econômico primário. Organizações cooperativas são, por isso, exatamente, campos de educação e espaços de poder (FRANTZ, 2002, p.8).

Uma organização cooperativa, conforme afirma Franz, possui uma dimensão maior do que apenas o aspecto econômico, pois elas são também campos de educação. A educação cooperativa pode ser uma forma de contra-cultura, agindo mesmo dentro da lógica capitalista. No entanto, a educação na prática do movimento cooperativo atual apresenta problemas, conforme destaca Schneider (2003, p.52): “a educação está sendo menosprezada nas cooperativas. O que se encontra são alguns casos isolados de cooperativas que se ocupam com o tema, mas que pouco ou nada se refletem no todo do movimento”.

A constatação de Schneider não nega a importância da educação para a cooperação, mas apresenta alguns problemas que as cooperativas enfrentam com a educação.

Não se nasce cooperador, num ambiente predominantemente competitivo e individualista. Não se muda o comportamento sem mudar a mentalidade das pessoas. E uma mentalidade diferente só se adquire por meio de uma educação continuada e persistente, motivando-a em prol de ideias, valores, princípios e atitudes que apelem à solidariedade, à ajuda mútua (SCHNEIDER, 2003, p.53).

Sendo assim, será que ainda é possível a proximidade entre cooperação e educação? Frantz acredita que sim. Para esse autor (2001, p.3) “a educação e a cooperação são duas práticas sociais que se processam de tal forma que, sob certos aspectos, uma contém a outra”, de modo que, dentro da cooperação se identificam práticas educativas e dentro da educação se observam práticas cooperativas.

Assim, no diálogo da cooperação, cumpre-se a educação, fundada no processo de construção e reconstrução dos diferentes saberes daqueles que participam da organização e das práticas cooperativas. Há, portanto, uma estreita relação entre esses dois fenômenos, entre essas duas práticas sociais: na prática cooperativa, para além de seus propósitos e interesses específicos, produz-se conhecimento, educação e aprendizagem; na prática educativa como processo complexo de relações humanas, encontra-se cooperação (FRANTZ, 2001, p.3).

Frantz e Schönardie apontam elementos importantes para educar dentro da lógica da cooperação. Para tanto, afirmam eles, deve ocorrer uma “desconstrução” da visão e da cultura individualista. No entanto, essa tarefa não é nada fácil, mas Frantz e Schönardie (2006, p.7) acreditam que dessa forma se recupera “o espaço das relações cooperativas na economia, no entanto, sem destruir os espaços da individualidade entendida como uma conquista de liberdade, de constituição de sujeitos”. O importante é compreender que educar para a cooperação é possível, pois se trata de um processo não acabado.

Cooperação, entretanto, não pode ser confundida com cooperativismo. Para Andrioli (2007, p.44) “o cooperativismo, enquanto estrutura, é posterior à prática da cooperação, assim como a escola é mais recente que a educação”. As práticas de cooperação e de educação são, portanto, mais antigas e ao mesmo tempo influenciam e sofrem a influência do meio.

Andrioli considera fundamental criar espaços não apenas de teorizar, mas de vivenciar a cooperação no processo educativo. Isto é, além da educação na cooperativa entre sócios, funcionários e dirigentes, a escola também aparece. Andrioli (2007, p.57) acredita que assim em vez do estímulo à competição, à concorrência e ao individualismo, o esforço dos educadores com o trabalho cooperativo nas escolas volta-se na construção de experiências de solidariedade, de socialização, de exercício da criatividade em grupo.

Uma experiência dessa natureza foi o Programa do Cooperativismo nas Escolas - PCE118 - quando um grupo de professores, lideranças cooperativas e sindicais começaram a

aplicar uma proposta de educação cooperativa, a partir de 1992, nas escolas da região de Santa Rosa. A leitura que o PCE fez da educação dá uma noção das dificuldades que a cooperação enfrenta na escola e na sociedade.

Caracterização das escolas:

a) tendência reprodutiva dos conteúdos; b) não há formação para uma participação ativa na sociedade; c) ensino longe da realidade; d) reforço ao êxodo (preparação para os centros urbanos); e) pouca participação ativa de alunos com o processo educativo; f) falta de preparação para o trabalho coletivo (existência de valores individualistas); g) cultura de competição entre os alunos e, inclusive professores [...]; h) necessidade de ruptura do atual modelo (ANDRIOLI, 2007, p.111).

O PCE, diante deste quadro, propôs a seguinte reflexão:

Em primeiro lugar, o nosso processo de educação forma a consciência das pessoas para uma participação social passiva. Não possuímos a formação de uma cultura para o exercício da cidadania, não somos formados para participar ativamente, decidir, opinar, criticar, tomar iniciativas políticas [...]. Em segundo lugar, o grande capital privado, em aliança com o Estado, tem se apropriado deste instrumento chamado associativismo, para atender a seus interesses. Não é difícil exemplificar. Basta ver as cooperativas criadas para disseminar a monocultura, para distribuir insumos modernos produzidos para repassar todo o “pacote tecnológico” (ANDRIOLI, 2007, p.115).

A atividade do PCE favoreceu o entendimento de que o cooperativismo regional constituiu-se em instrumento de dominação e que, segundo Andrioli (2007, p.154) “a escola não era uma instituição isolada da comunidade, mas que havia uma função social importante a ser cumprida que ia para além do ensino tradicional formal”. Essa constatação permitiu

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enxergar as relações da moderna agricultura com a consolidação da lógica capitalista e as cooperativas, que incluiu na educação a competição.

Esse quadro dentro da escola, que não é nada animador para quem acredita na cooperação, é possível reverter? A questão exige repensar o sentido da educação realizada nas escolas de uma região com muitas cooperativas como essa. Andrioli (2007, p.53) acredita que a “prática cooperativa se constitui num espaço de educação e o papel da escola é oportunizar este espaço, tendo por referência a construção do conhecimento, com vistas à humanização a partir do trabalho”. Para Frantz (2001, p.6) “o sentido da educação pela cooperação, nas escolas, a sua dimensão pedagógica, é a formação de atores sociais, sujeitos construtores de uma sociedade democrática, isto é, livre, participativa e justa”.

O sentido da educação pela cooperação, levantado por Frantz, leva ao questionamento da escola e suas relações com o meio. Para Andrioli (2007, p.42) “a educação está fundada no meio social onde atua e por isso não é neutra: pode atuar como reprodutora do meio ou contribuir para a sua superação”.

A educação que pretende ampliar as práticas de cooperação não pode servir de instrumento do capital. Ao contrário, essa proposta permite às classes subalternas, através da pedagogia da práxis, compreender o porquê da exclusão social. Entende-se por práxis, de acordo Andrioli (2007, p.54) “um processo dialético de relação entre teoria e prática, que, gerando novas teorias, propicia novas práticas. É um movimento de constante ação e reflexão, reflexão da ação e ação a partir da reflexão, num trabalho contínuo, dinâmico e ininterrupto”.

A educação torna-se assim um espaço para desvendar as contradições da realidade. Segundo Frantz (2001, p.9) “a educação acontece nos espaços da vida humana, em todas as suas dimensões, com todos os seus sentidos. Confunde-se, portanto, com a própria experiência humana de querer conhecer a si mesmo e ao mundo que habita”.

A educação popular apresenta-se como uma possibilidade importante para realizar o sentido proposto por Frantz para a escola, especialmente a pública, como espaço das classes populares. A educação popular carrega referências mais sintonizadas com os movimentos sociais e outras organizações populares, que emergem como alternativas de resistência, diante das necessidades sociais abafadas pelo sistema econômico dominante.

O que se entende por educação popular? Primeiro é fundamental diferenciar educação popular da educação do popular. A educação popular não é a educação das classes populares, tratado aqui por “educação do popular” como diz Paludo (2007, p.65). A educação popular é um processo dinâmico e reflete constantemente sobre a sua prática. Ela não traz uma receita pronta para ser universalizada e também não existe uma “ordem” como na educação do

popular, pois ela muda ao longo do tempo, mantendo, porém, uma sistemática, uma metodologia e “um rigor” na perspectiva de outra sociedade. A educação popular quer incluir a todos: o negro, o índio, a mulher e não apenas o homem. Os grupos historicamente excluídos, também têm sabedoria e isso provoca repensar a educação.

A educação popular possui uma profunda crença na vida de todos os seres, nas pessoas, mulheres e homens, como atores coletivos que caminham na esperança de um mundo melhor e mais justo. Paulo Freire apresentou uma forma mais adequada de entender a educação, quando critica a educação que reproduzia o sistema injusto.

Segundo Paludo (2007, p.62), foi através de Freire que as classes populares passaram a ser entendidas como capazes e formadas por pessoas com desejos e expectativas, que “têm a aprender e que também têm a ensinar”, no sentido de sua emancipação.

Mesmo que o alternativo na educação tenha sido mais vigoroso fora do espaço formal, a escola não pode desprezar esta pedagogia das classes populares. Ao contrário, ela deve assumir seu compromisso social. Paludo (2007, p. 202) acredita que “assumir tal função social significa a escola se assumir, sem medo, seu compromisso com as classes populares”.

Não mais, como diz Paulo Freire (1996, p.63), castrar “a curiosidade do educando em nome da eficácia da memorização mecânica dos conteúdos”. Em vez disso, o papel da escola é libertar e, assim, não cabe mais a centralidade na competição. Nessa virada, é possível uma articulação mais efetiva com os movimentos sociais, protagonistas destas transformações.

Os movimentos sociais nascem em geral pela resistência dos oprimidos. Para Boff (1992, p.31) “toda vez que há um poder opressor surge também resistência a ele e um antipoder. Os cinco séculos de avassalamento são marcados por rebeliões de índios, por tentativas de libertação dos negros e por mil formas de resistência dos oprimidos”.

A teologia da libertação surge nesse contexto como resposta ao grito dos oprimidos, pois na América Latina a evangelização não era libertadora. Na opinião de Boff (1992, p.34) “o evangelho chegou à América Latina distorcido pela injustiça, reduzido pelos interesses escusos da cultura européia, desnaturado porque serviu de instrumento de sujeição e de morte, e não de promoção de vida e de liberdade”. A nova teologia surge, de acordo com Boff (1992, p.106) “na militância de muitíssimos cristãos nas comunidades eclesiais de base, nos sindicatos, nos movimentos populares, na política que busca alternativas às formas vigentes de dominação”. Essa teologia quer um novo cristianismo para resgatar a sua originalidade. Tal religiosidade possui grande identidade com a educação popular.

Durante vários séculos foi afirmado que a dignidade se conquistava apenas pelo dinheiro. Segundo Fals Borba (1987, p.21), essa promessa, embasada na ciência tecnológica,

está levando à destruição mundial. Isso significa urgência em aceitar o colapso dessa base científica e tecnológica, sendo possível então reconhecer a validade da ciência popular.

Brandão (1987, p.37), conversando com camponeses do Brasil, observa que “sus enemigos son cada vez más fuertes porque se apropian cada vez más de lo mejor que hay em materia de tecnologia. [...] Esto nos conduce a la idea de que em saber „tiene clase‟”. Nesse caso, seria importante colocar o saber científico e popular a serviço das classes subalternas.

Para Gramsci, que escreve na prisão do fascismo os Cadernos do Cárcere, o capital tem seus intelectuais orgânicos, mas, por outro lado, existem os intelectuais do trabalho que formam o cimento entre o conhecimento e o movimento social e isso mexe com a hegemonia.

Cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e no político (GRAMSCI, 1982, p.3).

Nessa concepção todo conhecimento é ideológico. O intelectual orgânico do trabalho se constrói no movimento social, onde está inserido, justamente para desequilibrar a estrutura que se faz injusta. Para o intelectual orgânico popular o centro é a luta de classes e a educação popular pode juntar o conhecimento com os movimentos sociais, pois toda esfera é espaço de luta política. A escola não pode silenciar diante dos movimentos sociais, ao contrário, sua função é desvendar as contradições geradoras da luta de classes.

Comprometida com essa causa a escola pode encontrar caminhos para diferenciar o que provoca a miséria ou a violência e não pontuar, apenas as conseqüências. Segundo Paludo (2007, p.43) “para as classes populares, a princípio, três caminhos se apresentam: contentarem-se com as esmolas e, não há outro nome para as assistências permanentes; viverem à margem, virando-se como podem; ou lutarem para democratizar a sociedade”.

Na opinião de Paludo (p.36), não é a democracia burguesa “limitada aos que possuem poder econômico” que a educação popular defende. Ela quer um Estado que garanta o fim da exclusão social e da invisibilidade das mulheres, por exemplo. Onde está Juçara, companheira de Sepé Tiarajú, ou Dandara, mulher negra de Zumbi, nos livros de história?

Educar para a cooperação supõe um resgate histórico da luta de classes, de gênero, dentre outras. Segundo Paludo (2007, p.68) “Marx (no século XIX) e o movimento operário põe a nu a contradição entre a promessa ilustrada, da fraternidade, solidariedade, de todos serem cidadãos...”. No entanto, a burguesia construiu sua ideologia hegemônica liberal, que

na opinião de Paludo (2007, p.68), é “como se não houvesse a exploração do trabalhador, visto que todos os homens são naturalmente livres, iguais e proprietários”.

O discurso burguês agrega o ato de educar com a escola. Não era, todavia, um estudo com igualdade, pois às classes populares caberia apenas o ensino primário e profissional. Segundo Paludo (2007, p.70) “no campo pedagógico foram introduzidas as teorias tecnicistas e comportamentalistas, que traziam para a sala de aula práticas bastante semelhantes às do modelo fordista de produção”, reduzindo a escola como serva do mercado.

Essa educação, formulada nos países centrais, carrega uma ideologia contrária aos interesses populares. Tal concepção, conforme Paludo (2007, p.156) serve para estimular “o aumento da produtividade e da competitividade dos setores dinâmicos das economias “nacionais” na nova ordem econômica”. É uma proposta para reforçar a economia capitalista, garantir mão-de-obra, amaciar o impacto desta política e manter a ordem.

... tanto a concepção de educação quanto as políticas que lhe dão materialidade, nos países em desenvolvimento ou nos mercados emergentes, possuem sua base de formulação nos países desenvolvidos e que os organismos multilaterais têm papel fundamental na sua implementação, tanto financeiro quando de assessoria na formulação, monitoramento e avaliação (PALUDO, 2007, p.155).

Segundo Paludo (p.161) essa proposta quer “melhorar o acesso, a permanência, a qualidade e a equidade a fim de, via educação, incrementar a capacidade de trabalho dos pobres”, onde a concorrência passa a ser considerada como elemento-chave de qualidade.

Qual seria a proposta educacional mais adequada à escola, especialmente a pública: a neoliberal ou a popular? Diante o exposto, fica claro que a escola pode se abrir mais à educação popular, para responder melhor às aspirações do popular presente no público. Segundo Frantz (2008, p.12) “a influência, positiva ou negativa, na educação, [...] depende muito da atitude pedagógica, isto é, da direção e sentido que se dá à educação: um sentido de dominação ou de libertação, de emancipação humana, de competição ou de cooperação”. A educação popular aparece, portanto, como uma proposta mais adequada à escola pública.

A educação popular trabalha com categorias que se identificam com a cooperação, com a democracia e a participação. Em vez da centralidade na competição ela aponta para uma pedagogia capaz de descobrir no humano a transcendência, ou como diz o poema em Paludo (2009, p.5) “o que fica, na verdade, é o que se faz e se plantou para além do agora, sem pensar em quem vai colher, mas, que irá servir para o futuro da humanidade”119.

119Trecho do poema “Quem luta não morre jamais” escrito em outubro de 2006, pelas mulheres camponesas,

integrantes do MMC/RS (Movimento das Mulheres Camponesas), numa homenagem das mulheres camponesas a companheira Loiva e tantas outras que já foram e que aqui estão.

Como enfrentar esse desafio? Para Freire (1987, p.32) “o grande problema está em como poderão os oprimidos, que „hospedam‟ o opressor em si, participar da elaboração, como seres duplos, inautênticos, da pedagogia de sua libertação”. Paludo (2007, p.123) enxerga dentro desse problema o “ressurgimento do projeto do liberalismo econômico, ou seja, fazer do mercado capitalista a instância organizadora e reguladora exclusiva e absoluta das relações sociais”. Tal discurso esconde a ilusão que, para sair da crise, a solução é silenciar quem questiona criminalizando os movimentos sociais.

A política neoliberal exige dos países menos desenvolvidos a aplicação de um pacote de reformas que reduzem o Estado para atender os interesses do capital. Na opinião de Paludo (2007, p.131) dentro desse “pacote” está um discurso que “desqualifica as oposições, não reconhece como legítimas as organizações sociais populares e busca neutralizá-las, despolitiza a discussão, proclama o fim das ideologias, da luta de classes, da direita e da esquerda”.

A educação popular questiona o discurso neoliberal, diante do fracasso de sua receita, e entra como um movimento renovador quando propõe, em vez da redução, a ampliação dos espaços públicos. A educação popular acredita nos micro-processos onde os resultados podem ser melhores, pois, aos poucos vai minando as relações dentro de outra lógica. Pessoas livres podem reconstruir relações, inclusive contrárias às hegemônicas.

Historicamente, não podemos esquecer que as camadas pobres da população brasileira (índios, caboclos, negros escravos, e depois forros, mestiços suburbanos, subproletários, em geral) foram colonizadas pela cultura rústica ou, eventualmente, urbana dos portugueses, e pelo catolicismo ritualizado dos jesuítas; e agora, já em plena mestiçagem e em plena sociedade de classes capitalistas, estão sendo recolonizadas pelo Estado, pela Escola Primária, pelo Exército, pela indústria cultural e por todas as agências de aculturação que saem do centro e atingem a periferia (BOSI, 1992, p.336).

Bosi levanta um questionamento que a educação popular também se preocupa, pois essa situação é resultado de um processo histórico. Segundo Boff (1992, p.63) “não somos apenas subdesenvolvidos, mas também mantidos violentamente no subdesenvolvimento”.

A educação popular serve aos educadores e educadoras que se sentem desafiados pelas injustiças sociais. Esta concepção compreende o humano como um ser mais cooperativo e solidário, que enxerga o outro e respeita as diferenças de gênero, de etnia, de opção sexual, dentre outros, sem nada impor para viver e conviver melhor.

Essa transformação não ocorre naturalmente, pois a mente humana é socialmente formada, conforme afirma Vigotski (2008, p.24): “o verdadeiro curso do desenvolvimento do pensamento não vai do individual para o socializado, mas do social para o individual”, isto é,

o intelectual é constituído socialmente. Neste caso, como explicar o comportamento cooperativo ou competitivo se ele é socialmente formado?

... na escola pública, ou nas práticas formais de educação das classes subalternas, o grande desafio dos educadores comprometidos com processos transformadores parece continuar sendo o de conseguirem abrir as escolas para este movimento sociocultural, político e econômico mais amplo e, a partir dele, repensarem a escola, bem como a função social no novo contexto (PALUDO, 2007, p.201).

Abrir a escola pública à educação popular é, portanto, uma ação desafiadora para ampliar a democracia, a participação e aproximar a educação da cooperação. Assim também