• Nenhum resultado encontrado

2.1 Representações sociais e as oposições sociológicas

2.1.2 As representações e o advento da sociologia

Na filosofia, com ênfase idealista, o termo representações sociais “significa a reprodução de uma percepção retida na lembrança ou do conteúdo do pensamento”. Já no contexto das ciências sociais, as representações “são definidas como categorias de pensamento que expressam a realidade, explicam-na, justificando-a ou questionando-a” (MINAYO, 1994, p. 89-91).

No seu esforço de afastar o subjetivismo da psicologia, para definir o campo específico da sociologia, Durkheim é o primeiro autor a utilizar o termo entendendo-o no âmbito objetivo como expressão coletiva de categorias de pensamento através das quais a própria sociedade – instituição sui generes, reificada e, assim, transformada em sujeito - constrói a sua realidade e a legitima junto aos indivíduos que não são necessariamente – ou quase sempre – conscientes do significado das representações rociais, ainda que possam estar expostos à ação coercitiva dessa força que lhes é externa.

Segundo o autor de As Regras do método sociológico, o esforço de descobrir a maneira como se formam e combinam as representações sociais constitui o objeto essencial da sociologia, pois as sociedades só se diferenciam dos organismos exclusivamente físicos por serem essencialmente consciências, ou seja, não se distinguiriam destes, e assim nada seriam, se não fossem sistemas de representações. No mesmo sentido, ao distinguir a sociologia da biologia, observa que a distinção se dá à medida que a representação se diferencia do movimento mecânico.

No esforço de determinar em que se funda a coesão das sociedades industriais, caracterizadas pelo aumento da diferenciação e especialização das funções sociais, Durkheim é

conduzido à convicção de que a solidariedade dos indivíduos e dos grupos sociais (‘modelos culturais normativos’, segundo Parsons) se explica pelo acatamento generalizado a um acervo comum de regras e valores internalizado na personalidade das pessoas e institucionalizado no sistema social de maneira independente da análise individual dos cidadãos que compõem a sociedade. Quando não existe essa unidade de fidelidade, há o perigo das atitudes morais individuais e os modelos específicos dos subgrupos funcionais passarem a ser desintegradores (FILLOUX, 1975, p. 19).

A especificidade do fato social e a necessidade de o sociólogo concentrar-se fora do indivíduo para compreendê-lo também se destacam em Durkheim, pois

se os fenômenos sociais não são obra do indivíduo isolado, se resultam de combinações em que ele sem úvida participa, mas nas quais entram muito outros fatores além dele, para saber em que consistem estas sínteses e quais são os seus efeitos, é para fora do indivíduo que o sábio deve olhar, pois é fora dele que as combinações têm lugar (DURKHEIM, 1975, p. 118).

Nesse extremado afã objetivista, Durkheim pretende possível a isenção completa do pesquisador, o compreendendo – assim como a espécie/agência humana – separado do fato social19. A relativa autonomia das representações sociais, por seu turno, caracteriza a teoria da ação de Max Weber. Utilizando termos como “visões de mundo”, “concepções”, “mentalidades”, o autor da Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo desenvolve um paradigma sociológico em que o mundo das representações, mesmo sob a influência da base material da sociedade, tem uma dinâmica própria.

Portanto, Weber concebe o mundo das representações sociais com uma certa autonomia, o que gera a possibilidade efetiva de se teorizar sobre a eficácia histórica das idéias, a partir dessa

19 Este pensamento continuou angariando seguidores muito além da fase inicial de consolidação da sociologia, os

quais receberam severas críticas por conta da atribuição à estrutura social de “um excessivo poder sobre os indivíduos, deixando de explicar os conflitos sociais e a diversidade de formas de pensar e de comportamento social existentes dentro de uma mesma sociedade” (JUNQUEIRA, 1999, p. 10).

concepção de influência recíproca que exerceriam entre si os fundamentos materiais, as formas de organização político-social e o conteúdo das idéias. Nesse sentido, acredita que só se reveste de interesse e significado um único segmento da realidade individual, já que estabelece relação com as idéias de valor culturais com as quais analisamos a realidade. Portanto, para Weber, só são objeto da explicação causal os aspectos dos fenômenos particulares infinitamente diversos a que conferimos uma significação geral para a cultura (Cf. WEBER, 1984, p. 94).

Com relação aos fenômenos socioeconômicos, o seu entendimento é de que estes estão atrelados ao fato básico de que a existência física e a satisfação das necessidades mais ideais defrontam-se por todos os lados com a “limitação quantitativa e a insuficiência qualitativa dos meios externos, que demandam a previsão planejada e o trabalho, a luta com a natureza e a associação com homens” (WEBER, 1982, p. 79).

Salienta-se, na argumentação weberiana, a preocupação de refutar o determinismo marxista, que entende a superestrutura (as representações sociais) como reflexo mecânico da base material ou infra-estrutura, alertando para a necessidade de se identificar, em cada caso específico, quais os fatores que efetivamente contribuem para configurar determinado fato ou ação social (WEBER, 1982, p. 94).

Na profícua discussão estabelecida pelos clássicos da sociologia, ao evidenciar a função social das representações, enquanto ideologia, como forma de assegurar a dominação de uma classe, o autor d’O Capital empreende uma guinada materialista e desfaz o equívoco idealista dos filósofos neohegelianos de sua época de considerarem as ilusões como produzidas e reproduzidas unicamente pela própria cabeça, ou seja, a realidade social (inclusive as suas representações) como produto da consciência. Assim, descarta definitivamente a ilusão desses filósofos de que as

transformações da sociedade se dariam simplesmente pela substituição das falsas representações por idéias correspondentes à essência do homem (MINAYO, 1994, p. 97).

O materialismo dialético marxista, portanto, significa um expressivo aprofundamento da compreensão da luta que se processa no nível das representações, na qual as classes sociais procuram garantir o poder de definição do mundo social conforme seus interesses. E, conseqüentemente, da grave desigualdade existente nesse embate que se verifica no nível das representações, por conta do condicionamento exercido na consciência social pelo modo de produção da vida material, ou melhor, a forma do pensamento coletivo – e daí seu caráter ilusório - é definida através de referências das classes dominantes20 .

Na crítica ao “materialismo contemplativo e inconseqüente de Feuerbach”, Marx destaca o caráter dinâmico da realidade social, o que, de certa maneira, contrasta com o fatalismo imobilista, que se poderia inferir pela veemência com que procura evidenciar, no trecho anterior, a influência da base material sobre as representações:

Ele não vê que o mundo sensível que o rodeia não é uma coisa dada diretamente da eternidade, sempre igual a si mesma, mas antes do produto da indústria e do estado em que se encontra a sociedade, e precisamente no sentido de que ele é um produto histórico, o resultado da atividade de toda uma série de gerações, cada uma das quais aos ombros da anterior e desenvolvendo a sua indústria e o seu intercâmbio e modificando a sua ordem social de acordo com necessidades já diferentes (MARX, 1984, p. 27).

Nesses três modelos da sociologia tradicional, os conceitos fundamentais de representações sociais e identidades ensejam dois questionamentos básicos: a conexão entre o domínio material e o domínio das idéias e a oposição entre os indivíduos e a sociedade (JUNQUEIRA, 1999, p. 11).

20 Segundo a famosa afirmação de Marx (1984, p. 56), "as idéias da classe dominante são, em todas as épocas, as

idéias dominantes, ou seja, a classe que é o poder material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios para a produção material dispõe assim, ao mesmo tempo, dos meios para a produção espiritual, pelo que lhe estão assim, ao mesmo tempo, submetidas em média as idéias daqueles a quem faltam os meios para a produção material”.