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2.2 As representações sociais na sociologia contemporânea

2.2.2 Representação e fragmentação

Nesse contexto, os membros das classes dominadas tornam-se reféns do partido como organização permanente, que tem a obrigação de promover a visibilidade e presença contínua da classe através de representações, que desfaçam as ameaças constantes de desintegração das referências que mantêm a sua coesão diante da sempre presente possibilidade de sucumbir na descontinuidade da existência atomizada criada pela fragmentação.

Assim, a necessidade da organização partidária permanente é condição da representação propriamente política de classe e esse fato implica o desapossamento dos mais desfavorecidos na delegação global e total concedida ao partido como uma espécie de crédito ilimitado que lhes retira a possibilidade de qualquer controle sobre o aparelho.

A impotência de expressar-se adequadamente na política e, conseqüentemente, de exercer controle sobre o partido possibilita a autonomização dos representantes que, assim, ficam livres para monopolizar a produção e imposição dos interesses políticos instituídos, inclusive como expressão dos interesses dos representados.

A competência no desempenho dos saberes específicos exigidos pelos meios de produção da política é condição necessária àqueles que pretendem ingressar no jogo político, bem como aos profissionais para obterem sucesso no jogo político.

Além do aprendizado do acervo de saberes específicos, como teorias, problemáticas, conceitos, tradições históricas e da retórica política, é exigida uma espécie de iniciação aos novatos, que tende, com suas provas e ritos de passagem, a internalizar, no neófito, o controle efetivo da lógica dominante no campo político e a exigir uma submissão prática total aos valores, normas e às hierarquias, intimidando, com ameaças e censuras, as tendências desviantes.

Para Bourdieu, isso significa que a compreensão completa do conjunto dos discursos que são oferecidos no mercado político e, portanto, do que pode ser dito e pensado, ao contrário do que é relegado como indizível e impensável, exige a analise de todo o processo de produção ideológica dos profissionais.

Entre esses produtores profissionais das formas de pensar e exprimir o mundo social, Bourdieu cita os homens públicos, jornalistas políticos, altos funcionários, etc., que têm a incumbência de codificar as regras do funcionamento do campo de produção ideológica e o corpo de conhecimentos e habilidades, de maneira que se tornem indispensáveis à acomodação à realidade das grandes burocracias políticas.

Dessa forma, o debate político, com o público reduzido ao estatuto de espectador, é entendido como confrontação teatralizada e ritualizada entre campeões, simbolizando o “processo de autonomização do jogo propriamente político, mais do que nunca fechado nas suas técnicas, nas suas hierarquias, nas suas regras internas” (BOURDIEU, 1989, p. 171-172).

A formação dos profissionais da política, por fim, exige um tipo de solidariedade de todos os iniciados que é a adesão fundamental às regras do jogo, para garantir o seu monopólio e os lucros provenientes dele, o que implica uma forma de conluio entre os grupos de discrição e segredo.

violência e indignação, contra certas manifestações de cinismo quando se fazem notar no exterior, mas que, entre os iniciados, são perfeitamente admitidas. Mas não desconfiam menos daqueles que levem efetivamente a sério os valores exaltados e venham a se recusar a cumprir os compromissos, que realmente são a condição verdadeira de existência do grupo.

Com esses condicionamentos existentes na formação e atuação dos profissionais, a luta simbólica pela conservação ou pela transformação do mundo social, que se dá entre as visões e divisões do mundo contidas nas representações, tende prioritariamente a manter a ordem social estabelecida.

O que, para Bourdieu, não implica a subestimação da autonomia do campo político e a redução da história política a uma espécie de manifestação epifenomênica das forças econômicas e sociais, das quais os atores políticos seriam títeres, como concebia o mecanicismo marxista.

Os interesses dos representantes e representados podem coincidir em alguns momentos e em alguns aspectos, mas nunca de forma completa, pois a relação que os vendedores profissionais dos serviços políticos - homens públicos, jornalistas políticos, altos funcionários administrativos, etc. - estabelecem com os consumidores de seus produtos sofre sempre a influência, e até uma determinação completa, em alguns casos, da concorrência que os políticos profissionais mantêm entre si. Assim, “eles servem os interesses dos seus clientes na medida em que (e só nessa medida) se servem também ao servi-los” (BOURDIEU, 1989, p. 177).

A concorrência no campo político, dessa maneira, é a disputa pelo poder de falar e agir em nome de uma parte ou da totalidade dos profanos, através da força de mobilização de suas representações, o que faz do capital político uma forma de capital simbólico, crédito adquirido na crença e no reconhecimento dos clientes, com as inúmeras operações pelas quais estes conferem

a um representante a sua cidadania e os poderes dela emanados26.

Como esse capital político tem a característica de ser eminentemente simbólico e, por conseguinte, fluido, exige um trabalho constante de conservação para acumular crédito e, ao mesmo tempo, evitar demérito. Por isso, perante o tribunal da opinião, a atuação dos políticos é marcada pela prudência, os silêncios e dissimulações, com o intuito especial de produzir a representação de sua sinceridade ou do seu desinteresse.

Da mesma maneira, explica-se a relação de comprometimento, e, às vezes, até de promiscuidade, entre e político e o jornalista, possuidor de certo controle sobre os instrumentos de grande difusão que lhe confere “poder sobre toda a espécie de capital simbólico (o poder de fazer ou desfazer reputações)” (BOURDIEU, 1989, p. 189).

A despeito da profundidade da análise procedida por Bourdieu, desvendando os mecanismos profundos de poder, seu modelo não esclarece suficientemente as possibilidades da ação social direcionada para a transformação da realidade e, assim, incorre em certo pessimismo político e social característico dos autores franceses modernos (ORTIZ, 1983, p. 29).