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3.2.1 Jornalismo como espelho da realidade (a teoria do espelho)

O processo de comercialização, industrialização e profissionalização dos jornalistas, nos países desenvolvidos, foi incrementado no século XIX e consolidado no início do século XX, superando definitivamente o modelo de jornalismo político-doutrinário e assegurando a transformação dos jornais em empresas e a notícia em mercadoria.

No bojo dessas mudanças, desenvolveu-se uma teoria, que logo se converteu em ideologia profissional, atribuindo aos jornalistas não ideais políticos como bandeiras a serem empunhadas, como acontecia no modelo anterior, mas o compromisso único e exclusivo de informar desinteressadamente, com objetividade e imparcialidade, a verdade, “doa a quem doer”42.

Com esse novo jornalismo (jornalismo de informação) surge, historicamente, em meados do século XIX, a idéia da possibilidade de uma separação precisa entre a divulgação de fatos e opiniões. Essa presunção, ainda hoje prevalecente na maioria das redações, vincula-se ao positivismo, que reinou na ciência e em todo esforço técnico-científico ambicionando imitar o novo invento da máquina fotográfica, capaz de reproduzir o mundo real como um espelho.

Quando essa convicção ingênua na veracidade dos fatos divulgados pela imprensa começou a ser abalada pela denúncia da utilização da propaganda com intuito ideológico pelo fascismo, nos anos 30, surgiu o conceito de objetividade como um método capaz de minimizar a recalcitrante dúvida que passou a pairar sobre a atuação da mídia.

personalidades”.

42 Para Nelson Traquina (2001, p 66), esse “novo paradigma das notícias como informação iria substituir, com ritmo

e intensidade diversa nos diversos espaços nacionais, o velho paradigma que concebe o papel dos meios de comunicação social como arma política e os jornalistas como militantes partidários. Com o novo paradigma das notícias como informação, o papel do jornalista é definido como o observador que relata com honestidade e equilíbrio o que acontece, cauteloso em não emitir opiniões pessoais”.

Para Michel Schudson, o conceito de objetividade é, hoje, visto equivocadamente como esforço para negar a subjetividade, a fim de reforçar a fé nos fatos, pois o ideal da objetividade não foi a expressão final de uma convicção nos fatos, mas a afirmação de um método concebido com o intuito de superar a desconfiança sobre a cobertura dos fatos pela mídia, propiciando aos jornalistas, com a ideologia da objetividade, substituírem “uma fé simples nos fatos por uma fidelidade às regras e procedimentos criados para um mundo no qual até os fatos eram postos em dúvida” (SCHUDSON, 1978, p. 122).

A reflexão crítica sobre o mito da objetividade ou o modelo positivista de conceber o jornalismo como capaz de espelhar a realidade, geralmente, é recebida como uma ofensa ou ameaça ao status social do jornalista. Essa reação dos profissionais evidencia o caráter ideológico do mito da objetividade, haja vista o seu significado, como falsa consciência, no empobrecimento da visão epistemológica da relação do jornalismo com o mundo, escamoteando a sua função estratégica no processo social de construção da realidade, isto sim se constituindo em fator de aviltamento da profissão. Aos jornalistas é cobrada a humanamente impossível tarefa de espelhar (ou reapresentar perfeitamente) o mundo, o que o faria um profissional que nunca consegue atingir o desempenho que lhe é atribuído, ao mesmo tempo em que não é reconhecida a sua dimensão maior, e efetivamente real, de participar da construção do mundo, por ser a mídia o local, por excelência, onde se processa a reprodução simbólica da realidade43.

43 Nesse sentido, Nelson Traquina (2001, p. 67-68) chama atenção para o fato de que “a ideologia jornalística

defende uma relação epistemológica com a realidade que impede quaisquer transgressões de uma fronteira indubitável entre a realidade e ficção, havendo sanções graves impostas pela comunidade profissional a qualquer membro que viole essa fronteira. O ethos dominante, os valores e as normas identificadas com um papel de árbitro, os procedimentos identificados com o profissionalismo, fazem com que dificilmente os membros da tribo jornalística aceitem qualquer ataque à teoria do espelho, porque a legitimidade e a credibilidade dos jornalistas estão assentes na crença social que as notícias refletem a realidade, que os jornalistas são imparciais devido ao respeito das normas profissionais e asseguram o trabalho de recolher a informação e relatar os fatos, sendo simples mediadores que ‘reproduzem’ o acontecimento na notícia (...) Mas a teoria do espelho, intimamente ligada à própria legitimidade do campo jornalístico, é uma explicação pobre e insuficiente, que tem sido posta em causa repetidamente em inúmeros

Vale destacar que a notícia publicada conquista o estatuto de um novo real, ao reconstruir o seu significado que, assim, pode assemelhar-se ao mito como ordenador do real, porque as notícias narram o real indexando-o a uma certa representação, mapa cultural da realidade. Portanto, “na notícia, o fato significa a notícia, enquanto novo fato, constrói o seu próprio sentido, e a publicação cotidiana de notícias ajuda a construir as imagens culturais que edificam todas as sociedades” (MOTTA, 2002, p. 319).

No esclarecimento dessa questão de suma importância para a sociologia do jornalismo, é imprescindível a compreensão da guinada lingüística que, em face do reconhecimento de que a realidade só se dá a conhecer através da linguagem – e que, portanto, é inesgotável e irredutível ao saber -, descartou a presunção positivista da acessibilidade à verdade absoluta, implícita no esforço científico da explicação causal isenta de uma relativização pela reflexão, pela dúvida radicalizada – de uma pragmática universal como conjunto de condições necessárias ao entendimento -, bem como da fundamentação das ciências sociais através de uma teoria da linguagem, uma hermenêutica mediada por uma teoria transcendental.

3.2.2 Teoria da ação pessoal ou do Gatekeeper

Durante a hegemonia do funcionalismo, não foi problemático o surgimento nos Estados Unidos, em 1950, do conceito de gatekeeper, em artigo publicado por David Manning White no

Journalism Quarterly, revista acadêmica mais antiga dessa área científica, pois não contrariou, já

que até corroborava, alguns posicionamentos tradicionais da mass communication research,

estudos sobre o jornalismo, e, na maioria dos casos, sem qualquer intuito de pôr em causa a integridade dos seus profissionais”.

como o de entender a seleção das notícias como um processo puramente de escolha pessoal do jornalista, sem pressões ou coações dos proprietários dos veículos, das agências de publicidade e anunciantes ou do Estado.

O processo de produção das notícias é concebido por White, dentro da ênfase positivista reinante na época, através de investigação essencialmente quantitativa e metodologia da análise de conteúdo, como uma série de escolhas realizadas no fluxo dos acontecimentos, passíveis de se tornarem notícia em “portões (os famosos Gates), que são momentos de decisão em relação aos quais o gatekeeper (o jornalista) tem de decidir se vai escolher ou não essa notícia, deixá-la passar ou não”44.

David Manning White chegou à sua teoria a partir de uma pesquisa com um