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PARTE II ESTUDO EMPÍRICO

CAPÍTULO 4. METODOLOGIA – ESTUDO DE CASO

4.4 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

O estudo das representações sociais foi estabelecido como referência deste trabalho. O ponto de partida é a análise das representações sociais de autarcas, educadores e professores e pais/encarregados de educação, parte da comunidade educativa do concelho estudado.

A Teoria das Representações Sociais de Moscovici tem como referência o conceito de representações colectivas desenvolvido anteriormente por Durkheim. Esta teoria explica a actividade do sujeito quando este se envolve com o mundo, é por isso que o seu estudo se torna fundamental, para a compreensão das construções que fazem parte da realidade. Esta teoria oferece um instrumento teórico e metodológico de grande utilidade para o estudo sobre o pensamento de pessoas e grupos, é uma forma de conhecimento que permite a apreensão pelos sujeitos dos acontecimentos da vida, das informações veiculadas pelas pessoas do mesmo meio:

“[…] neste processo permanente de comunicação e interacção, as representações constroem- se reflectindo e agindo ao mesmo tempo sobre o mundo em que se produzem, constituindo-se simultaneamente como leituras do mundo, do real e instrumentos fundamentadores da acção” (Rodrigues, 2004: 137).

A teoria das representações sociais debruça-se sobre o entendimento dos processos de mudança, ruptura e transformação nos grupos sociais, nas organizações e nas sociedades. Entenda-se grupo social como um conjunto de pessoas que partilham uma dada representação social sobre um determinado objecto social.

A representação social modela o que é dado do exterior, a partir da relação dos indivíduos e grupos com os objectos, actos e situações estabelecidas por inúmeras interacções sociais, estas interacções modificam as estruturas, procedendo-se a uma reconstrução nos valores, regras e noções de cada indivíduo.

As representações sociais constroem-se desde que se estabelece os primeiros contactos sociais e vão ser influenciadas pelas vivências, pelas interacções que se estabelecem e pelo meio cultural onde se está inserido. Grande parte dos comportamentos correspondem às representações sociais de cada um, ou seja, são configurados pelos pensamentos e funcionam como orientadores dos comportamentos. O indivíduo pensa e exprime os seus sentimentos ao estar sujeito às representações dominantes pelo grupo social em que está inserido. Ao comunicarem entre si os indivíduos e grupos vão produzir e modificar as suas próprias representações, que orientam as relações que cada um estabelece, ou seja, para Moscovici as representações sociais são sempre o resultado da interacção e da comunicação:

“são o produto das interacções e dos fenómenos de comunicação no interior de um grupo social, reflectindo a situação desse grupo, os seus projectos, problemas e estratégias” (Vala, citado por Rodrigues, 2004: 137).

Félix Neto define representação social como:

”[...] a forma de conhecimento que permite a apreensão pelos sujeitos sociais dos acontecimentos da vida corrente [...] a representação social implica a actividade de reprodução das características de um objecto. Esta representação não é, porém, o reflexo puro e fiel do objecto, mas uma verdadeira construção mental” (Neto, 1998: 440).

A Teoria das Representações Sociais, desenvolvida no âmbito da psicologia social, tem oferecido um importante suporte teórico aos que procuram compreender os significados e processos criados pelo homem para explicar o mundo que o rodeia. Nos últimos anos, a multiplicidade de estudos que utilizam as representações sociais como objecto de estudo é grande, assim como a variedade de áreas que as utiliza passando das ciências humanas pelas ciências sociais. Deste modo, o conceito de representação social atravessa as ciências e não é característico de uma área em particular:

“On retrouve, en effet, la notion de représentation à l’œuvre en sociologie, en ethnologie, en histoire, en psychanalyse, dans les sciences de la cognition et de la communication, ainsi que chez les théoriciens du langage. Elles se situent ainsi à un carrefour de théories, […]” (Manonni, 2001: 50).

Assim, este “novo” campo de estudos é utilizado para observar como os processos cognitivos intervêm na apreensão e tratamento da realidade social. A noção de representação social faz parte das tentativas de explicação dos fenómenos sociais, crenças e mitos, com origem na sociologia (Durkheim, 1912), mas, é na psicologia social que o conceito de representação social ganha mais força:

“Durkheim s’efforce de fonder la réalité et de préciser la nature des représentations collectives avant de les légitimer comme objets d’intérêt scientifique [...] La vie mentale se présente, pour lui, comme une combinatoire de représentations qui entretiennent entre elles des rapports extrêmement dynamiques et constituent parfois, comme c’est le cas de la religion, des structures complexes supposant un grand nombre de représentations collectives: sous l’influence des facteurs sociaux [...]” (Manonni, 2001: 43).

O estudo das representações sociais deve ser feito articulando os elementos mentais e sociais tendo em atenção a importância da linguagem e da comunicação que assumem papeis principais quando falamos de representações sociais:

“Donc, lorsque l’on traite des représentations sociales, l’un des principaux problèmes qui se posent est de savoir quelles sont leurs limites, leurs contours, mais aussi l’étendue du champ social concerné, les référents culturels évoqués explicitement ou implicitement, les mécanismes

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intrapsychiques conscients et inconscients impliqués, les pratiques sociales et les processus psychologiques à l’oeuvre, les cadres institutionnels ou simplement sociaux intéressés. Bref, les représentations sociales sont présentes dans la vie mentale quotidienne des individus aussi bien que des groupes et sont constitutives de notre pensée, ce qui ne simplifie pas le problème de leurs définition, autant comme organisateurs du psychisme que comme produits élaborés par la mentalité collective culturellement déterminée” (Manonni, 2001: 6).

Desta forma, a psicologia social aborda as representações sociais no âmbito da relação do indivíduo com sociedade. Reflecte sobre como os indivíduos, os grupos, constroem o seu conhecimento a partir da sua condição social, cultural. A sociedade dá-se a conhecer e o individuo constrói esse conhecimento com os indivíduos sozinho ou com quem interage.

“Ainsi les représentations participent de deux façons à la pensée sociale: d’une part, elles sont des produits socialement constitués, d’autre part, elles réélaborent en permanence le social qui les constitue. Au bout du compte, elles fournissent une grille de décodage, d’interprétation du monde et une matrice de sens qui jouent comme processus d’arbitrage de la réalité. Les représentations sociales sont donc des régulateurs de vie sociale, et même des régulateurs de vie tout court” (Manonni, 2001: 90).

Em sociedade, os indivíduos e os grupos aos quais pertencem, observam e pensam sobre o mundo que os rodeia, produzindo representações dessa mesma realidade. Ao mesmo tempo partilham esses pensamentos com outros indivíduos do grupo ao qual pertencem (re)elaborando as suas representações e voltando depois a partilhá-las, construindo e reconstruindo significados sobre a realidade em que estão inseridos, trata- se de um tipo de conhecimento a que muitos autores como Moscovici, Jodelet, Vala, designam como representações sociais, o saber de senso comum formado pela interpretação que é feita da realidade e que varia consoante os diferentes grupos sociais. Assim, a análise das representações sociais permite compreender elementos de herança cultural e social, assim como, as posições que cada um ocupa no interior de um grupo e destes na estrutura da sociedade:

“Les représentations sociales sont à la base de notre vie psychique. [...] Situées à l´interface du psychologique et du sociologique, les représentations sociales sont enracinées au cœur du dispositif social” (Mannoni, 1998: 5).

Na revista, Cadernos de Pesquisa, a autora Ângela Arruda refere que para o surgimento da teoria das representações sociais, Moscovici, recorreu a outros teóricos para apoiar a sua perspectiva em relação à construção do saber e do valor do saber do senso comum:

“Vários autores foram consultados por Moscovici, mas reiterarei aqui resumidamente apenas os três mais pregnantes pela sua contribuição quanto aos processos de elaboração desse tipo de conhecimento: Piaget, Lévy-Bruhl e Freud. Piaget, por meio da sua contribuição a respeito do

desenvolvimento do pensamento infantil - a forma como se estrutura e se configura, mostra que ele se dá por imagens e também por corte-e-cola, juntando fragmentos do que a criança já conhece para formar uma configuração que traduza o que ela desconhece - o que muitas vezes se manifesta mais claramente para os adultos como o "falar errado" das crianças. Mas também, a partir do julgamento moral, indicando a importância do contacto com os adultos, primeiramente, e com outras crianças, mais tarde, para o desenvolvimento desse tipo de juízo e para a construção das regras pelas crianças. Lévy-Bruhl, por meio dos seus estudos sobre o pensamento místico, encontrado em povos distantes, aponta outras formas de lógica para pensar o mundo, baseadas em princípios diversos dos do pensamento ocidental, como o princípio de participação. Freud, com as teorias sexuais das crianças, mostra como elas elaboram e internalizam suas próprias teorias sobre questões fundamentais para a humanidade, teorias que carregam as marcas sociais da sua origem: a experiência vivida no seu grupo, na sociedade, e o diálogo com outras crianças, como as teorias que explicam o ato sexual. Temos assim alguns fundamentos da construção do saber prático. Não mais em outra faixa etária ou em outras sociedades, mas aqui e agora, na idade adulta e em sociedades como as nossas” (Arruda, 2002).

Assim, segundo Moscovici, 1977, as representações sociais são um conjunto de

conceitos e explicações criados na vida quotidiana aquando a comunicação entre os indivíduos. A noção de “representação social” aparece como um “saber do senso comum”, em oposição ao saber produzido pela ciência. O autor refere-se à formação de um outro tipo de conhecimento adaptado a outras necessidades, obedecendo a outros critérios, num contexto social preciso.

Para Moscovici, as representações sociais formam-se principalmente quando as pessoas estão expostas à e na sociedade. A noção situa-se na intersecção entre o individual e o social tentando introduzir uma articulação entre a experiência individual e os modelos sociais, resultando num modo particular de apreensão do real, estabelece uma articulação entre os fenómenos individuais e os fenómenos sociais, ou seja entre o indivíduo e a sociedade.

Segundo Manonni as representações sociais surgem em três etapas:

“Quant à l’émergence des représentations, elle se joue sur une triple scène: la scène 1, constituée par l’imaginaire individuel où apparaissent les représentations individuelles (images, vécus, fantasmes), la scène 2 est celle de l’imaginaire collectif où apparaissent plus précisément les représentations sociales (depuis les clichés et préjugés jusqu’aux contes et aux mythes), et la scène 3, composée de la réalité sociale agie, où se manifestent les actions socialement représentées” (Manonni, 2001: 120).

Por sua vez, Vala, define representação social como sendo a representação de alguma coisa. Ela exprime a relação de um sujeito com um objecto, relação que envolve uma actividade de construção e de simbolização. Essas construções permitem ao sujeito

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social a construção de sentimentos de pertença nessa mesma sociedade através das relações de comunicação que vai estabelecendo com seus pares:

“A representação é social na medida em que é colectivamente produzida, ou seja, as representações sociais são um produto das interacções e dos fenómenos de comunicação no interior de um grupo social, reflectindo a situação social desse grupo, os seus projectos, problemas e estratégias além das suas relações com outros grupos” (Vala, 1996: 461).

A representação social é o resultado de quando o indivíduo dá significados às coisas, tanto para o indivíduo quanto para o grupo, constituindo-se, assim, em elemento fundamental para que se possa pensar, interpretar e compreender a realidade, caracterizando-se, assim, como uma forma de conhecimento social. Partindo deste conceito podemos dizer que o indivíduo torna-se sujeito social na medida em que consegue representar e apropriar-se de representações sobre um dado objecto.

Jodelet, 1997,refere-se às representações sociais como um acto de pensamento pelo qual um sujeito se relaciona com um objecto. Elas correspondem a um processo de apropriação da realidade pelo pensamento. Para ela as representações sociais são como sistemas de interpretação que regem a nossa relação com o mundo e com os outros, orientando e organizando a nossa maneira de agir e pensar.

Jodelet define então representações sociais como a forma de conhecimento social que se constitui a partir de experiências individuais, mas também de informações, conhecimentos e modelos de pensamento veiculados pela educação e comunicação social. Os indivíduos dão então sentido aos acontecimentos e actos que os rodeiam. Assim, podemos admitir que haja grupos sociais, cujas representações sociais contenham dominantemente elementos da sua herança cultural e social, o que pode reflectir o efeito das posições que ocupam no interior dos grupos e destes na estrutura da sociedade.

As representações sociais são construções socio-cognitivas que definem, condicionam e orientam a interpretação e acção do sujeito face à realidade, sendo simultaneamente (re)construtiva do real, ela funciona tanto como um meio de conhecimento como um instrumento de acção sobre a realidade, orientando os comportamentos individuais e o sistema de relações estabelecido com outros sujeitos e com os objectos. Neste sentido, as representações sociais, enquanto conhecimento, são o resultado de um processo complexo que se constitui pelo conjunto de experiências vividas pelo sujeito e pela interiorização de papéis sociais e significados que irão proporcionar aos sujeitos uma leitura da realidade e um sistema de acção, normalmente, coerente com o grupo social

em que se insere. Esses significados são compreendidos e constituídos pela realidade social, sendo, portanto, explicativos e prescritivos da mesma.

Com efeito, a representação social enquanto conjunto de conceitos, proposições e explicações criados na vida quotidiana no decurso das comunicações inter-individuais, funciona enquanto fenómeno mediador entre o indivíduo e a sociedade. Nesse sentido, as representações sociais fornecem um quadro de análise e de interpretação que facilita a compreensão acerca da interacção entre o funcionamento individual e as condições sociais nas quais este evolui.

Assim, a Teoria das Representações Sociais revela-se um importante instrumento de análise do fenómeno educacional. Segundo Gilly (1989), o interesse essencial da noção de representação social para a compreensão dos fatos educativos é o foco sobre o conjunto organizado de significações sociais no processo educativo. O estudo das representações sociais expressa uma tentativa de compreender a forma pela qual as crenças, os valores, as teorias, os pensamentos sociais se integram com as práticas sociais desses profissionais e dos próprios pais/encarregados de educação. Pretende-se, também, contribuir para o esclarecimento geral sobre este processo de reordenamento da rede educativa que se está a processar a nível nacional.

As representações sociais intervêm na produção de um sistema de expectativas que molda a forma como o indivíduo percepciona a realidade, predeterminando a comunicação, a acção e a interacção estabelecida a nível intra e intergrupal (Abric,1994). Jodelet lembra que a representação social deve ser estudada articulando elementos afectivos, mentais, sociais ao lado da linguagem. Desta forma, parte-se do pressuposto de que "teorias implícitas" têm implicações importantes na maneira como cada um toma decisões, estas, que por sua vez implicam o decorrer de todo o processo quer educativo quer de relacionamento com os outros e da própria maneira de agir.

O objectivo deste ponto é apresentar uma panorâmica da teoria psico-sociológica das representações sociais, estabelecendo pontes com algumas teorias educativas explanadas em capítulos anteriores.