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PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO DO ESTUDO

CAPÍTULO 2. A ESCOLA ENTRE A ACEITAÇÃO SOCIAL E A CONTESTAÇÃO

2.1 FUNÇÕES DA ESCOLA

2.1.1 Funções do jardim-de-infância

Ao analisar as funções do jardim-de-infância, fez-se uma pequena resenha histórica com o intuito de perceber a recente implementação deste nível de ensino no nosso país. Neste ponto reporta-se a obras de autoras como: Ana Bela L. Ferreira, Maria Emília Vilarinho e Teresa Sarmento e Maria Teresa de Jesus de Sousa. Estas fazem uma análise histórica sobre a evolução da educação de infância em Portugal relacionando a legislação publicada com as mudanças verificadas na sociedade:

“A história da educação de infância em Portugal medeia entre o privado e o público, entre a função de guarda e a função social (assistencial) e a função educativa. Esta história evolui em sintonia com a história da mulher, da família e a escola oscilando entre a protecção e a afectividade por um lado e, por outro, a racionalidade científica e técnica. […] Podemos dizer que é uma história marcada por avanços e retrocessos, escrita de várias formas, mediada entre o privado e o público, nascida para a função de guarda de uma infância desprotegida, tendo evoluído para uma função social e mais tarde para uma função educativa. Esta evolução de funções da educação de infância em Portugal, não foi nem é linear e, desde os seus primórdios, que as várias funções que a mesma desempenha e/ou deve desempenhar se têm confundido. Estes avanços e retrocessos não se verificaram unicamente nas funções que a educação de infância deve desempenhar, verificando-se também na instituição a quem cabia a responsabilidade, o dever de a fomentar e/ou alargar” (A. Ferreira, 2005: 74-75).

Sousa refere que a definições de funções da educação de infância em Portugal não foi consensual:

“Mas esta realidade não é consensual nem pacífica, caracteriza-se por ser ambígua, pois não esta bem definido o que compete ao Estado nem o que compete à família. Inicialmente a educação de infância surge numa perspectiva de “guarda”, tendo evoluído, com os conhecimentos de psicologia, para uma valorização da função educativa” (Sousa, 2005:10).

Teresa Sarmento (2002) faz uma análise exaustiva da evolução da educação de infância, em Portugal. Na sua análise fica claro que as funções deste nível de ensino mudavam consoante as mudanças sociais e, principalmente, do regime político em vigor a cada momento. No que ao inicio da educação de infância diz respeito, e corroborando a opinião em cima transcrita refere que:

“A difusão de novas ideias pedagógicas a partir de Rosseau, Pestalozzi, Dewey e outros, vem introduzir novas concepções sobre a infância e as possibilidades de intervir com esta no sentido de potenciar o seu desenvolvimento individual e a sua inserção social de formas plurais e equilibradas. Por sua vez, com a industrialização, altera-se significativamente toda a estrutura social, deixando as famílias de poderem continuar a ser o único núcleo protector das crianças, no entanto, estas últimas, continuam a necessitar de determinados cuidados originalmente realizados em contexto doméstico, como seja a sua “guarda”. As preocupações sobre a acção junto da infância no mundo ocidental, tem vagueado, nos últimos dois séculos, entre entre estes dois movimentos – social e pedagógico – de todo não dissociáveis, mas cuja sobrevalorização de um ou de outro, poderá ter marcado a história da educação de infância e das suas profissionais em cada país” (Sarmento, 2002:133).

Analisamos também um dos trabalhos de Maria Emília Vilarinho cujo objectivo era compreender as determinantes sociais, culturais, económicas e políticas que influenciaram a definição social da infância e o processo de institucionalização e desenvolvimento da Educação pré-escolar. Esta autora refere que:

“[…] na civilização europeia a tomada de consciência da criança como ser distinto do adulto, e da infância como fase específica do desenvolvimento humano, foi emergindo lentamente a partir do século XIII e consolidou-se no inicio do nosso século. Como referimos aquela consciência está intimamente ligada a modificações conjunturais das sociedades, à evolução do conceito de família e às mudanças operadas no seu seio, nomeadamente à redefinição do papel social e pedagógico da mulher” (Vilarinho, 2000: 181).

Assim, a educação pré-escolar surge em Portugal no século XIX, associada à afirmação da classe média portadora de novos valores relativos à educação das crianças:

“A educação das crianças fora do contexto doméstico e realizada por agentes especialmente preparados para a colaboração nesse processo, tem vindo a construir-se, desde meados do século passado, como um direito daquelas e como uma necessidade social. Se, até ao início da industrialização, a educação das crianças era entendida como uma tarefa das mães a quem

Educação Básica, Poder Local e Reorganização da Rede Escolar: um caso

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cabia bastar as necessidades de alimentação, agasalho e bem-estar dos seus filhos, a partir daí, com a saída das mulheres para locais de emprego e, ao mesmo tempo, com o desenvolvimento de novos conceitos e perspectivas sobre educação, criam-se novas realidades sócias e ideológicas. O espaço familiar deixa de poder suprir as funções de guarda das crianças, tomando a sociedade, progressivamente, consciência de novas responsabilidades sociais para com estas. Ao mesmo tempo emerge a produção de conhecimento sobre as possibilidades de desenvolvimento e de aprendizagem das crianças, perspectivando-se a necessidade da criação de um grupo de pessoas especialmente habilitadas para promoverem essa educação “(Sarmento, 2002:29).

Ainda durante o período da Monarquia, diversas entidades públicas e privadas se dedicaram à educação de crianças em idade não escolar, quer nas vertentes de assistência social de apoio às famílias e das crianças desvalidas, nomeadamente através da Sociedade das Casa de Asilo de Infância Desvalida, quer de acção educativa orientada predominantemente para o desenvolvimento da criança:

“As primeiras escolas infantis em Portugal datam dos fins do século passado, com a finalidade de assistirem à infância desvalida, estando a “missão” de educar a cargo de religiosas, sem formação profissional.” (Sarmento, 2002:36).

É, contudo, depois da implantação da República, em 1910, que a educação pré-escolar adquire um estatuto específico no sistema oficial de ensino. Logo em 1911, é criada a rede privada de Jardins Escolas João de Deus, de acordo com o modelo pedagógico do seu mentor. Com o advento do salazarismo (1926) a educação de infância oficial é extinta e, de forma ideologicamente conservadora, a educação das crianças passa para a responsabilidade das mulheres, mães de família. Algumas iniciativas foram prevalecendo, ligadas sobretudo à assistência social. Simultaneamente foi-se desenvolvendo a educação pré-escolar de iniciativa privada, no contexto de estabelecimentos do ensino particular destinados às crianças de classes privilegiadas. Após a revolução de 1974 desencadeou-se um novo crescimento de instituições para a infância, fruto de iniciativas populares. Estas iniciativas estavam ligadas à progressiva tomada de consciência do papel das mulheres na sociedade portuguesa, tendo em conta o seu contributo activo no mundo do trabalho e a consequente necessidade de instituições de guarda para as crianças. O desenvolvimento da educação pré-escolar em Portugal deu-se de uma forma muito complexa:

“Nos anos que se seguiram ao 25 de Abril de 74, as dinâmicas populares em torno da criação das creches e jardins-de-infância encontraram, no emergente do poder local democrático, um terreno fértil de afirmação e desenvolvimento. As pressões sociais e políticas obrigaram a administração central a criar legislação de enquadramento para as iniciativas populares. Nos finais da década de 70 surgiram os primeiros jardins-de-infância estatais, dependentes do

Ministério da Educação, a par com os das instituições particulares de solidariedade social, dependentes de outros ministérios” (Martins, Nave e Leite, 2005: 17).

Esta coexistência só foi regulada em 1986 através da Lei de Bases do Sistema Educativo que estabelecia, pela primeira vez, o conceito de rede de educação pré-escolar como o conjunto de instituições próprias de iniciativa do poder central, regional e local:

“No panorama da educação pré-escolar portuguesa, tem-se vindo a assistir ao reconhecimento e destaque deste nível do sistema educativo. E tem assumido grande importância a publicação de um corpus legislativo, de que destacamos: a Lei 46/86 de 14 de Outubro reconhece o papel da educação de infância no sistema educativo português; o Decreto-lei 286/89 de 29 de Agosto estabelece que “deverá ser garantida a possibilidade a os pais que o requererem de inscrever os seus filhos num programa de educação pré-escolar”; a Lei 5/97 de 10 de Fevereiro considera a educação pré-escolar como a primeira etapa da educação básica ao mesmo tempo que alia a função educacional e a função assistencial da educação de infância na rede única de jardins de infância - oficial e particular tuteladas pelo Estado […]” (A. Ferreira, 2005: 14).

A evolução do quadro social e familiar tem influenciado as medidas de orientação política, no que diz respeito à educação pré-escolar:

“Nos nossos dias, a educação de infância contínua entre o privado e o público, entre as funções de guarda, a função social (assistencial) e a função educativa. Apesar de já ser reconhecida, só recentemente o discurso oficial explicita de forma clara o potencial educativo que subjaz à educação pré-escolar e prevê um quadro integrador das diferentes modalidades deste nível de educação, perspectivando uma organização pedagógica e curricular comum às diferentes instituições” (A. Ferreira, 2005: 75).

A educação pré-escolar, entendida como primeira etapa da educação básica, Lei 5/97, visa o desenvolvimento equilibrado de todas as potencialidades da criança, preparando-a para uma escolaridade bem sucedida, proporcionando-lhe oportunidades de autonomia e socialização, e constituindo apoio importante às famílias na sua tarefa educativa. A principal função da educação pré-escolar na vida da criança é despertar a curiosidade e o interesse, através de um ambiente rico em estímulos e oportunidades, relacionando-se com outras crianças e adultos e promovendo o seu crescimento pessoal e social, isto é funções educativas e funções sociais.

Depois de todos estes avanços e recuos ao longo da história da educação de infância hoje, em Portugal, ainda não estão claras as funções por ela desempenhadas:

“Importa evidenciar que as diferentes conjunturas políticas que se foram sucedendo em Portugal desde a transição do século XIX até aos nossos dias não só revelam diferentes concepções de educação pré-escolar e redefinições das suas funções, como diferentes modos de institucionalização” (Vilarinho, 2000: 183).

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Maria Emília Vilarinho realça, ainda, a forma como a educação pré-escolar se desenvolveu em Portugal:

“Neste sentido o que é importante realçar relativamente ao caso português, como característica estruturante da Educação Pré-Escolar, é a sua precocidade em termos retóricos, manifesta através da inúmera legislação publicada desde o final do século XIX até 1933 (Monarquia Constitucional, 1.ª República e Ditadura Militar), bem como o início da década de 70 (Reforma Veiga Simão) e a actualidade, mas que não se tem traduzido na implementação de medidas que sejam consequentes. Este tem sido o “Fado” da Educação Pré-Escolar: uma eterna espera por uma melhor conjuntura sócio-económica para implementação das medidas previstas no corpo legislativo” (Vilarinho, 2000: 183).

Identificou, nesta obra, quatro períodos distintos da evolução da Educação Pré-Escolar em Portugal, durante estes mesmos períodos as funções deste mesmo nível de ensino iam variando entre uma função mais assistencial e uma função mais educativa, também consoante o tipo de instituição em que este ensino se desenvolvia. (Vilarinho, 2000: 184 - 185). No que ao papel do Estado diz respeito a mesma autora subdivide a sua participação em 3 fases distintas (Vilarinho, 2000: 185 -190)

O objectivo será fazer com que seja função dos jardins-de-infância a realização de aprendizagens e experiências atractivas e divertidas, proporcionando bem-estar físico e psíquico. O principal objectivo é o desenvolvimento da criança, aliado à sua segurança e bem-estar, objectivos estes que deveriam ser proporcionados a todas as crianças do país o que ainda não é uma realidade como poderemos verificar no estudo empírico deste trabalho.