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REORGANIZAÇÃO DA REDE ESCOLAR E SUCESSO ESCOLAR/EDUCATIVO

PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO DO ESTUDO

CAPÍTULO 3. A REORGANIZAÇÃO DA REDE ESCOLAR, UMA PROBLEMÁTICA

3.1 REORGANIZAÇÃO DA REDE ESCOLAR E SUCESSO ESCOLAR/EDUCATIVO

escolar/educativo

As profundas alterações, nos últimos anos, ao nível demográfico, económico, social e cultural, implicam que se reorganize a rede escolar. Os dados recolhidos pelo Gabinete de Informação e Avaliação do Sistema Educativo (GIASE)1 estabelecem uma relação directa entre a dimensão das escolas e o sucesso escolar. Na sua perspectiva, quanto menores e mais isoladas são as escolas, maiores são as taxas de insucesso escolar. A rede do pré-escolar e do 1º ciclo do ensino básico sofre graves problemas que se traduzem na existência de escolas isoladas, de reduzida dimensão, ou no oposto, escolas sobrelotadas em regime de desdobramento, sendo que é naquelas que têm menos alunos que o fenómeno do insucesso escolar se manifesta de forma mais

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Educação Básica, Poder Local e Reorganização da Rede Escolar: um caso

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expressiva, existindo aproveitamento escolar inferior à média nacional. Esta é a opinião do Ministério da Educação, mas será que esse insucesso se deve apenas a estes factores? Ou será apenas uma justificação para a racionalização dos meios educativos? É hoje consensual a ideia de que a reestruturação e requalificação do parque escolar português é urgente. Esta reestruturação é cada vez mais assumida como uma condição indispensável ao processo de desenvolvimento e melhoria do desempenho a nível educativo. A actual rede de instalações e serviços existentes nas escolas, de educação Pré-escolar e do 1.º CEB não corresponde às necessidades das novas gerações e suas famílias, nomeadamente, ao nível do fornecimento de refeições, actividades de prolongamento de horário, disponibilidade de espaços e recursos que permitam um ensino inovador e atractivo para as crianças. Desta forma, iniciou-se uma requalificação do parque escolar nacional, atendendo a que a existência de instalações modernas e confortáveis é um factor importante para a melhoria da qualidade da oferta educativa. Uma escola pública de qualidade só é possível com uma rede escolar bem estruturada e que contribua para promover o sucesso educativo.

A reorganização da rede escolar ao nível da educação Pré-Escolar e do 1º Ciclo do Ensino Básico, com encerramento e construção de “centros escolares” é uma medida de política educativa que tem, por parte dos seus responsáveis, a justificação da melhoria da qualidade do serviço educativo oferecido pelas escolas, ainda que também seja assumida a necessidade de racionalizar a utilização dos recursos educativos e da despesa pública.

Esta reorganização não é consensual, se por um lado, encontramos a adopção dos objectivos atrás descritos, por outro, encontramos quem ponha em causa esta reorganização acreditando que o sucesso escolar/educativo está comprometido. A preocupação centra-se, principalmente, nas crianças que vivem em zonas mais isoladas e que pertencem a famílias com poucos recursos. Não obstante, parece consensual que uma escola com um, dois ou três alunos falha no processo de socialização das crianças, que necessitam de estar em contacto com grupos da sua idade para desenvolverem capacidades de convivência e de integração. Estas crianças isoladas sentem a falta de outras crianças para brincar e interagir, como demonstram alguns

estudos feitos como a dissertação de mestrado de Borsa, 20072 onde aborda o papel da

escola enquanto espaço importante para o processo de socialização da criança.

Estudos sobre o desenvolvimento infantil mostram que a escola desempenha um papel fundamental na promoção do conhecimento social, e no desenvolvimento das

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capacidades cognitivas incidindo, claramente, na forma como as crianças vêem o mundo social.

Outro aspecto importante a ter em conta nesta reorganização é a impossibilidade de ter em todas as escolas dispersas, com um reduzido número de alunos, instalações, equipamentos e recursos humanos que permitam o serviço de refeições, as actividades extra-curriculares, a ocupação de tempos livres e a componente de apoio à família. As posições defendidas por quem está contra estas formas de reorganização, centram- se na procura de outros modelos de reordenamento escolar, que não passam necessariamente pelo critério do número reduzido de alunos. Defendem a existência de várias soluções de reordenamento, EBI, escolas em rede, entre outras. Este reordenamento seria feito de acordo com a especificidade geográfica, populacional, interesses locais e com o desenvolvimento do meio onde estão inseridas as escolas. É posta em causa a decisão política de encerrar escolas sem respeito pela negociação com populações e autarquias, sem aguardar pela aprovação das Cartas Educativas, e sem estarem garantidas as condições mínimas de funcionamento para as escolas de acolhimento. Um dos movimentos que se manifestou contra esta forma de proceder à reorganização da rede educativa foi a FENPROF, federação de sindicatos dos professores que admite a criação e/ou remodelação de edifícios escolares com boas condições e equipamentos; a definição de uma boa rede de transporte dos alunos deslocados para as escolas de acolhimento, atendendo à razoabilidade da distância e da demora do percurso casa-escola; um bom serviço de fornecimento de refeições na escola e um bom conjunto de actividades de ocupação de tempos livres e enriquecimento curricular. Mas afirma que estas condições não foram tidas em conta no reordenamento da rede em vigor. Embora os objectivos preconizados pelo Ministério da Educação sejam de uma maneira geral aceites, existem críticas quanto à execução de todas estas medidas. Todo este processo se encontra envolto em grandes polémicas, pois, se por um lado é unânime a realização de uma reorganização, por outro critica-se o facto de que as alterações têm vindo a ser assumidas e implementadas sem a auscultação prévia das comunidades educativas envolvidas.

No site da FENPROF3

, encontra-se uma carta intitulada “O reordenamento da rede

escolar e os Agrupamentos” onde se afirma que esta reorganização se faz num desrespeito pela legislação em vigor, nomeadamente, a referente à autonomia das escolas, democraticidade e territorialização das políticas educativas, na medida em que, estas decisões foram impostas às escolas.

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Toda esta reorganização obedece a princípios que estão estabelecidos no documento “Critérios de Reordenamento da Rede Educativa”, nele são definidos os princípios orientadores para a requalificação do parque escolar. Os critérios de planeamento para a construção dos novos edifícios são: a distância e o tempo máximo entre a escola e os locais de residência dos alunos, factor que deve variar em função da faixa etária dos alunos e dos meios de deslocação utilizados. O número de habitantes na área de cada escola também é tido em conta pois justifica a criação, ampliação, remodelação ou reconversão dessa mesma escola.

No decurso do processo de reordenamento da rede escolar, está prevista a construção de novos centros escolares. A sua construção baseia-se na procura de melhores condições de aprendizagem e sucesso educativo para os alunos, devendo obedecer a uma lógica de adequação às actuais necessidades do ensino, de acordo com as funções que se pretende que a escola desempenhe actualmente (capítulo 2º) Este reordenamento deverá obedecer também a critérios de rentabilização e racionalização dos meios e recursos disponíveis, procurando articulações e complementaridades a favor do processo pedagógico.

Supostamente a transferência dos alunos para novas escolas ou novos centros escolares permitirá a concretização da “escola a tempo inteiro”, garantindo o funcionamento do estabelecimento em regime normal, o fornecimento de almoço e o transporte escolar. Segundo as recentes directrizes do Ministério da Educação a escola passa a estar aberta a “tempo inteiro” no sentido de corresponder à procura social das famílias que precisam de locais onde as crianças estejam acompanhadas enquanto elas estão a trabalhar, surgindo assim, alterações a vários níveis, entre os quais, o horário de funcionamento dos estabelecimentos, a oferta de actividades extra-curriculares, a componente de apoio à família e por fim o fornecimento de refeições. A implementação da escola a tempo inteiro reveste-se de particular importância, uma vez que visam a melhoria da qualidade de ensino e da função social da escola:

“As escolas são hoje obrigadas a assumir funções mais amplas nas sociedades contemporâneas. É inevitável que assim seja, apesar de ser necessário reconhecer que algumas das reivindicações que têm tido a instituição escolar como alvo são, porventura, excessivas e, como tal, são imprevidentes no momento em que tendem a descaracterizar a instituição escolar como uma instituição de natureza cultural. Seja como for, importa enfrentar os riscos inerentes às decisões que obrigam as escolas a ter que distinguir entre as exigências que, em princípio, não lhes dizem respeito e as exigências que poderão contribuir para a sua credibilização social e educativa”(Cosme e Trindade, 2007:13).

O objectivo destes autores, acima citados, era o de abordar a questão do denominado projecto de “escola a tempo inteiro” que merece uma reflexão mais aprofundada, não só

pelo impacto social e educativo que esta medida pretendeu implementar, em suma, uma reflexão sobre este projecto, onde os seus autores elaboraram uma leitura crítica do despacho n.º 12591/2006, que regula a oferta das actividades de animação e de apoio às famílias, no caso do pré-escolar e de enriquecimento curricular no caso do 1º ciclo do ensino básico:

“Um primeiro olhar sobre esta iniciativa obriga-nos a reconhecer que há um conjunto de razões políticas, sociais e educativas que a justificam, ainda que uma análise mais cuidada daquele despacho possam revelar um conjunto de equívocos e de vulnerabilidades que deverá ser tido em consideração, sobretudo quando se abordar o impacto educativo do projecto da “Escola a Tempo Inteiro”. Começando por avaliar-se o conjunto de razões atrás enunciado pode afirmar-se que a credibilização da Escola Pública é o primeiro argumento a ser invocado, já que a prestação de um serviço que corresponde às necessidades com que, hoje, se confrontam muitas das famílias portuguesas é, de facto, uma medida tão desejada quanto socialmente pertinente”(Cosme e Trindade, 2007:14).

Se esta medida pode permitir a igualdade de oportunidades, por outro lado os mesmos autores identificaram um conjunto de factores que criticam:

“[…] as vulnerabilidades do projecto “escola a tempo inteiro”, importa começar por subdividir tais vulnerabilidades em vulnerabilidades de natureza estruturante e vulnerabilidades de carácter conjuntural. No domínio referente às primeiras podemos identificar aquelas que dizem respeito: (i) à possibilidade de hiper-escolarização da vida das crianças; (ii) ao modo como o despacho n.º12591/2006 acabou por conduzir à adopção, por parte dos agrupamentos, de soluções homogéneas em termos das áreas educativas que foram por este valorizadas e (iii) ao ritmo da implementação de uma medida que podendo ser urgente não deveria ter sido implementada nem à pressa, nem respeitando um calendário único”. “[…] importa reconhecer, também, a importância dasvulnerabilidades conjunturais, das quais se destacam as que têm a ver com a quer com o tipo de gestão burocrática da iniciativa, quer com a desqualificação profissional e social dos educadores envolvidos”(Cosme e Trindade, 2007:15-16).

Os autores referem o carácter facultativo destas actividades. Não obstante, quando se faz uma análise mais profunda do decreto e seus anexos, afirmam que o risco evidente de hiperescolarização da vida das crianças é o primeiro ponto que tem de ser analisado. Apontam várias razões para afirmarem que este despacho:

“[…] conduz à hiperescolarização da vida das crianças que frequentam, hoje o 1º ciclo CEB, ainda que deva reconhecer que esta é uma situação que diz respeito, apenas, àqueles que frequentam e têm de frequentar as ditas actividades de enriquecimento curricular .”(Cosme e Trindade, 2007:18).

Os mesmos autores consideram que a função sócio-educativa da escola de promover a ocupação dos tempos livres seria o ideal, mas pelo contrário acreditam que este

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despacho só veio aumentar o tempo de educação formal a que as crianças estão sujeitas, questão abordada sob vários pontos de vista neste trabalho. (Cosme e Trindade, 2007).

A transferência para as novas escolas poderá facilitar a socialização entre as crianças, essencial para o seu desenvolvimento a nível global, ao mesmo tempo que poderá garantir o acesso a mais e melhores recursos, eliminando a desigualdade de oportunidades entre alunos provenientes de meios sócio-económicos distintos.

A principal justificação para o encerramento de algumas escolas é o facto de estas terem poucos alunos, argumentando que estes dificilmente terão recursos e condições educativas de qualidade, acreditando que os centros escolares estarão melhor apetrechados e facilitarão um ambiente escolar mais rico e estimulante, dando a possibilidade aos alunos de terem actividades físicas, iniciação às línguas estrangeiras, iniciação à informática, actividades de animação sócio-cultural. Contudo, a actual dimensão do processo de encerramento baseia-se também numa política restritiva e economicista.