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A DIFICULDADE PRÁTICA NA CONSTRUÇÃO DA ESCOLA PARA TODOS

PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO DO ESTUDO

CAPÍTULO 2. A ESCOLA ENTRE A ACEITAÇÃO SOCIAL E A CONTESTAÇÃO

2.2 A DIFICULDADE PRÁTICA NA CONSTRUÇÃO DA ESCOLA PARA TODOS

No último ponto deste capítulo, pretende-se analisar o processo de construção da escola para todos. Para tal serão consideraremos as directrizes políticas, nacionais e internacionais, para a educação, já atrás abordadas, relacionando-as com as mudanças que se verificaram na educação e na sociedade.

Assiste-se, actualmente, em Portugal, a uma reorganização da rede escolar, nomeadamente, com o encerramento de escolas nas zonas rurais, e, por sua vez, assiste-se nas zonas urbanas a outras situações igualmente impeditivas da criação de uma autêntica escola para todos, como a sobrelotação da maioria delas. Legalmente, como já abordamos, a escola é uma instituição que tem como objectivo promover as melhores condições de desenvolvimento a todas as crianças, numa perspectiva de complementaridade à acção da família e à sociedade. Mas nem sempre esta obrigatoriedade passa pela criação de condições de sucesso educativo para todos:

“À primeira vista a Escola preconiza também uma Educação Universal. Por lei, nós temos uma Educação para todos, de todas as coisas, por todos os meios. Mas a prática não é a aplicação simples e imediata do que é legislado. Há demasiados factores em jogo. A escola que temos é, na verdade, por lei, uma escola para todos no sentido de massificação do ensino em que todos têm igualdade de oportunidades de acesso” (Bento, 1991: 12).

Embora na legislação elaborada se possibilite o respeito pelo ritmo individual de aprendizagem e respeito pelas capacidades e características sociais de cada um, na verdade, é muito frequente o insucesso escolar e o abandono precoce das escolas. Será, então, que a escola tem condições para trabalhar os princípios de uma verdadeira escola para todos?

Ao longo da história do sistema educativo português, as várias reformas apresentadas denotam um carácter inovador, contemplando a escola para todos, mas na prática estas não produzem os efeitos pretendidos. No que se refere à legislação, esta define uma escola para todos que assegura uma formação comum a todos os portugueses, permitindo-lhes suprir dificuldades, tais como, a integração plena na sociedade, nomeadamente, no mercado do trabalho. Mas é frequente vermos e ouvirmos que os alunos portugueses têm pouco aproveitamento escolar, que são indisciplinados e os problemas na escola subsistem. A responsabilidade destes problemas deverá ser atribuída à escola, ao aluno, à família e ao estrato social a que pertence. Assistimos hoje a um processo em que, a par da necessidade da construção de uma verdadeira escola

Educação Básica, Poder Local e Reorganização da Rede Escolar: um caso

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para todos, encontramos uma enorme diversidade de contextos e de públicos, que exigem da escola múltiplos papéis e pedagogias diversificadas:

“Mas, ao mesmo tempo, a escola continua a ser alvo de diversas críticas acerca da sua organização, do seu funcionamento, dos seus métodos, das práticas dos professores. Ela é considerada responsável pela produção do insucesso escolar e pelos fenómenos do abandono escolar e do trabalho infantil; ela é açudada de não preparar adequadamente para o emprego e para o trabalho, de não controlar a violência e a insegurança, de não preparar adequadamente os jovens para a vida social. As exigências e críticas que têm sido dirigidas à escola são muitas e contraditórias. Uns pretendem-na mais igualitária, outros mais selectiva; uns defendem a utilização de métodos de trabalho colaborativo, outros o incentivo da competitividade; uns propõem-na indiferenciada e única para assegurar as mesmas oportunidades a todos os alunos, outros a diferenciação nas trajectórias e na pedagogia que põe em prática” (F. Ferreira, 2005: 57).

Nas últimas décadas, em Portugal, assistiu-se à democratização do ensino, bem como à sua massificação. Esta chamou toda a gente para a escola mas não foi capaz de dar aquilo que essas mesmas pessoas esperavam dela, o que desacreditou e tornou mais difícil de atingir a perspectiva de educação de qualidade para todos. Por um lado, a Lei de Bases do Sistema Educativo exige que a educação seja para todos e estipula um mínimo de 9 anos de escolaridade obrigatória, com um currículo igual para todos, definido centralmente. Estariam assim criadas as condições para uma verdadeira escola para todos? Mas será que na prática estes objectivos se concretizam, ou serão estes os objectivos que se pretendem?

A verdadeira escola inclusiva exige, que ao longo a escolaridade, a igualdade de oportunidades seja uma realidade.

“O reconhecimento dessa dificuldade conduziu à descentralização, participação, autonomia, projecto educativo de escola, supondo-se a possibilidade do sistema escolar funcionar a partir de reajustamentos e compromissos locais. É portanto neste cenário de incerteza e questionamento sobre a legitimidade e os fins da educação e da instituição escolar que é conferida à escola, enquanto estabelecimento de ensino, no contexto local, o estatuto de unidade fundamental de gestão do sistema educativo e a responsabilidade na definição do “acordo” sobre o “bem comum”. O local e o estabelecimento de ensino passaram a ser encarados como as instâncias da recomposição e da definição do “bem comum local”. Gerou- se, assim, a ideia de que é mais fácil construir o acordo a nível local e do estabelecimento de ensino do que ao nível nacional e do sistema educativo” (F. Ferreira, 2005: 59-60).

Para tal é necessário descobrir estratégias que envolvam a todos:

“A diversidade de meios porque grupos culturais diferentes têm distintas visões do mundo, reflectindo as suas experiências de aprendizagem formal e não formal. A escola tem de responder a esta diversidade” (Bento, 1991: 86).

Deveriam ser asseguradas as melhores condições de realização pessoal e social, de todos os alunos em geral, e de cada aluno em particular, contribuindo assim, para um

desenvolvimento harmonioso e para formar cidadãos mais conscientes dos seus deveres e dos seus direitos. Numa verdadeira e autêntica escola para todos, o direito à diferença, o respeito pelo ritmo de aprendizagem individual e os valores culturais são respeitados, logo o sucesso é garantido.

Todos estes problemas, na criação da escola para todos, têm na sua base a criação da escola de massas. A escola de massas é um fenómeno global, trata-se de um modelo que se desenvolveu na Europa e que, lentamente, se tornou universal.

“A instituição escolar que promoveu o acesso massivo à escolarização, como instrumento de políticas públicas baseadas na “igualdade de oportunidades” está ela também profundamente afectada pelas mudanças do seu contexto” (Canário, 2001: 149).

Nesta perspectiva, a escola de massas, ao invés de se mostrar capaz de encontrar soluções para alguns problemas, como a igualdade de oportunidades, surge como um problema, um entrave à formação integral de todos os alunos. O insucesso educativo da escola de massas levou a que se procurasse um novo modelo educativo. Com a criação de organizações internacionais de natureza intergovernamental ONU, UNESCO, OCDE, entre outros vêm a desempenhar um papel determinante na afirmação do projecto de desenvolvimento da educação para todos. Uma escola solidária que valoriza as diferenças. Assim, a nível mundial surgiram declarações e compromissos que tiveram o seu momento mais importante com a Declaração Mundial de Educação para Todos, de Jomtien, Tailândia, em 1990, e na Acção de Dakar, no ano 2000. Pode-se mesmo afirmar que o compromisso de Jomtien serviu de factor extremamente positivo para lançar amplo movimento de inclusão educacional, a nível mundial:

”Nela se proclamou a “Declaração Mundial de Educação para Todos” na qual se começou por defender que a educação de base deveria fornecer as “bases educativas fundamentais” que passam não só pelos requisitos essenciais de aprendizagem, como leitura, escrita, cálculo, expressão oral e resolução de problemas, mas também no desenvolvimento de valores e atitudes necessárias à participação activa no mundo actual“ (Neves, 1999: 21).

À semelhança das orientações internacionais, também em Portugal foram criados vários programas governamentais, que visavam aplicar os objectivos de uma escola democrática/inclusiva, ao serviço da igualdade de oportunidades e do sucesso escolar para todos. Mais precisamente, nas décadas de 80/90, o Programa Interministerial de Promoção do Sucesso Educativo (PIPSE); Programa Educação para Todos (PEPT); Programa de Desenvolvimento Educativo para Portugal (PRODEP) e Programas de Educação Multicultural (PREDI), assim como, várias medidas educativas, tal como a criação dos TEIP. Estes programas tinham como objectivo uma escola para todos, capaz

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de lidar com as diferenças sociais e culturais dos alunos e de promover o sucesso educativo, de acordo com uma política de igualdade de oportunidades.

Numa abordagem crítica destaca-se que a política de igualdade que está na base do aparecimento destes programas que pretendiam prestar mais atenção à heterogeneidade e à multiculturalidade dos alunos, ficou aquém das expectativas iniciais aquando do seu

lançamento. A escola continua a ser vista, muitas vezes, como o local onde os alunos vão

aprender um conjunto de saberes básicos, que contribuem sobretudo para o seu desenvolvimento profissional.

Sendo assim, quais são os recursos necessários para mobilizar uma escola desta natureza, uma verdadeira escola para todos? Parece claro que o papel da escola vai muito além da função transmissora de saberes, ela é a base para a aprendizagem que se deve desenrolar ao longo da vida, “[...] a educação deve, pois, assumir a difícil tarefa que consiste em fazer da diversidade um factor positivo de compreensão mútua entre indivíduos e grupos humanos. (Delors, 1996: 52) Podemos afirmar que, um levantamento de recursos bem organizado juntamente com uma nova forma de agir em educação, a diversificação de meios de ensino/aprendizagem e a consequente e necessária mudança de práticas, pode influenciar o sucesso educativo. “O respeito pela diversidade e pela especificidade dos indivíduos constitui, de facto, um princípio fundamental, que deve levar à proscrição de qualquer forma de ensino estandardizado” (Delors, 1996: 54)

De acordo com o Decreto-Lei n.º 6/2001 a gestão curricular deve ser flexível, adequada a cada contexto, e o seu desenvolvimento deve ser feito de uma forma transversal. Este decreto advoga a construção de uma nova cultura de currículo com práticas mais autónomas e flexíveis. Assim, para um desenvolvimento harmonioso os currículos devem ser desenvolvidos numa perspectiva de formação pessoal e social, que contempla componentes como a educação ecológica, a educação do consumidor, a educação familiar, a educação sexual, a prevenção de acidentes e a educação para a saúde. Além dos ajustamentos no currículo, deve-se ter ainda em conta que as comunidades são um recurso importante quando se preconiza uma educação para todos. Posto isto, qualquer comunidade educativa deve apostar nas potencialidades de cada um dos seus membros no sentido da construção de uma sociedade mais justa, democrática e solidária. O educador/professor que procure este tipo de educação deve ter como princípios base a tolerância, a liberdade e o respeito pela diferença: ”[...] tanto educador como o educando, homens igualmente livres e críticos, aprendem no trabalho comum de uma tomada de consciência da situação que vivem.” (Freire, 1981: 26). Serão, ambos, dinamizadores e organizadores do processo educativo. Na escola para todos exige-se que o

educador/professor mais do que transmitir conhecimentos seja um dinamizador do processo educativo, devendo ser capaz de ultrapassar conflitos, problemas e obstáculos, com vista ao objectivo do desenvolvimento de todos e de cada um. Embora o currículo seja definido, pelo poder central, a forma como o professor o vai colocar em prática faz toda a diferença. Enquanto membro de uma sociedade, o professor constrói, socialmente, as suas concepções e crenças que irão inevitavelmente influenciar a sua actuação. Neste sentido é sem dúvida importante discutir e analisar de que modo essas concepções influenciarão a sua acção.

Mas numa escola para todos também à criança são atribuídas grandes responsabilidades. Ao mesmo tempo que se salientam os seus direitos, ela precisa de se organizar, elemento essencial para desenvolver todas as suas potencialidades e capacidades:

“Indiscutivelmente, um dos desafios que se coloca actualmente à comunidade educativa consiste na capacidade de conseguir que a generalidade dos alunos, independentemente das suas diferenças, sejam elas de ordem sócio-económica, cultural ou familiar, digam elas respeito a características da personalidade, aos interesses, às capacidades ou à eventual existência de deficits de qualquer tipo, consigam ter sucesso na sua aprendizagem (Ainscow, Porter e Wang, 1997: 9).

Escola para todos tem de ser uma escola activa e dinâmica onde todos estejam implicados, nomeadamente, o poder central, o poder local, os órgãos de gestão escolar e a estante comunidade educativa. As decisões devem ser tomadas em equipa, e os currículos devem ser construídos com a participação dos alunos. As dinâmicas e estratégias a adoptar devem ter em conta a sociedade e a realidade em que vivem. É então que haja parcerias/coordenação de esforços por parte de todos. Estas parcerias terão de ter em conta uma reorganização correcta da rede escolar. É nesta reorganização que o papel das autarquias assume uma particular importância, sendo fundamental que a gestão deste processo conduza ao sucesso escolar/educativo.