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PARTE II ESTUDO EMPÍRICO

CAPÍTULO 6. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

6.2 REORGANIZAÇÃO DA REDE ESCOLAR

A necessidade de se tomarem medidas, para se proceder à reconversão e adaptação do parque escolar às novas exigências que a sociedade impõe à escola, levou ao encerramento de algumas escolas e à construção de novos edifícios, isto é, levou a uma redefinição dos critérios de planeamento e de reorganização da rede educativa. Nesta sequência, o Gabinete de Estudos e Planeamento, publicou o Despacho conjunto 28/SERE/SEAM/88, documento este intitulado, “Critérios de Reordenamento da Rede Educativa”, que define os critérios de planeamento e reordenamento da rede educativa, a partir de uma realidade que evidencia nítidas mudanças, com a alteração significativa do papel do Estado nos processos de decisão política e de administração da educação, no sentido de uma transferência de poderes e funções do poder central para o poder local. Neste documento estabelecem-se as normas orientadoras para racionalização e adaptação da rede escolar.

Neste estudo empírico pretende-se saber como se processou esta reorganização num concelho específico. Assim, inquiriu-se a população local, educadores e professores do 1º ciclo, pais/encarregados de educação, autarcas e membros de associações de pais, acerca do processo de reorganização da rede escolar, procurando saber qual a sua opinião sobre os critérios que implicaram/motivaram o início desta reorganização.

Pela análise dos gráficos seguintes pode-se verificar que a grande maioria dos pais e encarregados de educação acredita que esta reorganização privilegia critérios de ordem financeira. No agrupamento do Búzio a grande maioria (56,25%) dos pais e encarregados de educação inquiridos acredita que o reordenamento da rede processado no concelho teve por base uma motivação financeira.

Segundo os encarregados de educação pertencentes aos agrupamentos em estudo, embora a motivação financeira seja a mais escolhida pelos inquiridos, os critérios de

ordem pedagógica e política também assumiram uma importância relevante, tal como se pode observar nos gráficos 21 e 22.

Gráfico 21: Critérios de reorganização da rede escolar – Agrupamento Búzio

Fonte: Inquérito aos pais/encarregados de educação

56,25% 8,33% 18,75% 16,67% Frequency 30 20 10 0 Financeira Administrativa Política Pedagógica

Educação Básica, Poder Local e Reorganização da Rede Escolar: um caso

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Gráfico 22: Critérios de reorganização da rede escolar – Agrupamento Dairas

Fonte: Inquérito aos pais/encarregados de educação

No que diz respeito aos educadores e professores, dos dois agrupamentos, também eles consideram que esta reorganização privilegia critérios de ordem financeira, como se pode observar nos gráficos 23 e 24.

Gráfico 23: Critérios de reorganização da rede escolar – pessoal docente - Agrupamento Búzio

Fonte: Inquéritos aos Educadores de Infância/Professores do 1º ciclo do Ensino Básico Gráfico 24: Critérios de reorganização da rede escolar – pessoal docente - Agrupamento Dairas

Financeira Política Pedagógica

Na sua opinião a reorganização da rede escolar privilegia critérios de ordem:

43,75% 5,00% 26,25% 25,00% Frequency 40 30 20 10 0 Financeira Administrativa Política Pedagógica

Fonte: Inquéritos aos Educadores de Infância/Professores do 1º ciclo do Ensino Básico

É necessário ainda referir que os educadores e professores assumem uma posição mais clara em relação aos critérios que motivaram esta reorganização, uma vez que a resposta é superior a 65,00%.

Depois de analisar como a comunidade educativa define os critérios que motivaram esta reorganização da rede escolar, passar-se-á à análise da forma como essa reorganização foi implementada no terreno. Apesar das diferentes opiniões, que durante as entrevistas sobressaem, todos partilham a opinião de que a reorganização da rede escolar não se processou da forma mais correcta. Esta opinião é partilhada não só por aqueles que implementam a reforma no terreno mas também por aqueles que “usufruem” da mesma. O poder local define esta reorganização como uma proposta que lhes chegou sem que tivessem oportunidade de a discutir ou adaptar ao concelho em questão:

“O reordenamento da rede escolar que está em curso foi proposta do Ministério da Educação e é da nossa parte, parte da câmara municipal praticamente quase do nosso completo desacordo, este princípio de reordenamento foi discutido na câmara e na assembleia municipal e praticamente ninguém assumiu este reordenamento. O que nós achamos era que este reordenamento a ser feito devia ser em tempo oportuno e quando tivéssemos as condições para o fazer, as condições para o fazer eram as escolas, as novas escolas, escola de acordo com o novo perfil, escola que o ministério estava a propor com a qual nós concordamos. Nós não podemos discordar de uma escola nova e de uma escola melhor e isso é um princípio absoluto que todos partilhamos. Agora o que não partilhamos nunca, foi, e dissemos desde logo, nós achamos que este reordenamento da rede só devia começar com o encerramento de escolas e etc., quando estivessem os pólos escolares construídos e isto tem sido a pedra de

65,00% 5,00% 20,00% 10,00% F re q u e n c y 14 12 10 8 6 4 2 0 Financeira Administrativa Política Pedagógica

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toque da nossa actuação no município de Vale de Cambra. […] Há uma lista de escolas a encerrar todos os anos, a partir dessa lista a câmara começa a olhar para aquilo e diz olha isto é possível ou não é possível, embora no início do mandato nós nunca deliberamos em fechar escolas, nós apenas tomamos conhecimento e para que o ano decorra com normalidade porque no fundo são os alunos que nós temos que defender, nós imediatamente tentamos que tenham transportes escolares, que tenham alimentação, que tenham actividades extra- curriculares, etc., etc. “ (E7).

Mais uma opinião acerca desta reorganização, desta vez de um encarregado de educação:

“Penso que não há condições. O que eu acho é que não há condições para se fazer aquilo que eles querem. Penso que é muito precipitado, se calhar a longo prazo conseguiremos aquilo que eles querem mas talvez só com essas escolas centrais pronto com condições para isso. Se fizerem agora uma escola central aqui na nossa zona de Vale de Cambra como é que vamos fazer com as crianças de Arões e de Cepelos, tem que haver condições para que eles possam se dirigir para cá.” (E2)

Como se pode verificar esta reorganização iniciou-se e processou-se contra os elementos da comunidade educativa. É consensual que teria de ser feita uma reorganização, mas a seu devido tempo, quando os pólos escolares, previstos na carta educativa, já estivessem construídos. O encerramento de escolas é encarado como uma fatalidade, uma inevitabilidade. A comunidade educativa local exprime a rejeição do modelo de mudança por decreto. Esta rejeição tem mais a ver com a forma como é conduzido o processo do que propriamente, com os princípios que esta reorganização pretende implementar:

“Eu sou a favor de uma reestruturação desde que seja uma reestruturação conforme a gente previu, pólos escolares e depois escolas encerradas. Escolas com bibliotecas, com alunos com professores, devidamente estruturado, óptimo, agora conforme nós estamos a fazer vamos ter escolas quando, daqui a cinco anos?” (E7)

Este início atribulado da reorganização da rede educativa levou a que muitos entrevistados, principalmente os representantes do poder local, se insurgissem, de alguma forma, contra a falta de autonomia na gestão da rede escolar como se comprovará mais à frente nas competências das autarquias.

As dificuldades de implementação desta reorganização ganham ainda maior amplitude nas localidades mais afastadas da sede de concelho:

“Eu tenho alunos a 22 km da Agualva para Arões, e a escola de Arões vai ficar a 25 km da Agualva, e ela está encerrada há três anos, só para lhe dar o exemplo, mas nós conseguimos e a própria direcção regional mantê-la aberta precisamente porque vê qual a situação, não se

pode sair de casa às cinco da manhã e chegar a casa à meia-noite, crianças de cinco anos e de seis.” (E7)

Como se viu na caracterização do concelho (ver capítulo 5), este é composto por freguesias e localidades que ficam muito afastadas umas das outras. Nestas localidades são mais acentuadas as dificuldades de reorganização da rede escolar. No entanto, diversos depoimentos convergem num sentido, a mudança é necessária e viável, se dela resultarem melhores condições físicas e humanas para as crianças, o que ainda não se verifica. As crianças são transferidas para escolas com as mesmas ou piores condições. Relativamente a isto o representante do poder local afirmou:

“Agora, mas diz-me está-se a fazer o reordenamento da rede, está, para o ministério da educação reordenar a rede é o encerramento das escolas e o transporte dos alunos para escolas de acolhimento e isto nestes últimos três anos tem sido muito mau porque temos freguesias que tem só, neste momento, as escolas da sede abertas, isto é, por exemplo a freguesia de Arões, a freguesia de Cepelos, a freguesia de Rôge tem praticamente as escolas na sede da freguesia, escola de acolhimento e estamos a transportar todos os alunos para aí com todos os problemas que vêm daí, isto é, as escolas de acolhimento não têm condições que tinham as escolas encerradas e é isto que nós prevíamos e que nós dissemos que não concordávamos com este tipo de reorganização de rede.” (E7)

Reforçando a sua própria afirmação, o mesmo entrevistado acrescentou:

“Com certeza que tinham, tinham poucas crianças mas tinham espaço, espaço de internet, tinham professores ou educadores e auxiliares de educação. Agora o problema é que tinham menos alunos do que é permitido pelo rácio professor/aluno mas isso é outra questão. É que agora nós temos os alunos em piores escolas porque entretanto acontece, isto é, acontece que se nós formos fazer escolas novas e onde é para construir não é no sítio das escolas de acolhimento, para isso temos a carta educativa que prevê novos pólos escolares menos nas escolas de acolhimento actuais. Agora não vamos fazer novas salas e obras nesses sítios quando estamos a prever, a câmara assumiu e a assembleia municipal, que iam ser feitas noutro sítio. E agora os professores e os encarregados de educação pedem-nos obras porque a escola não tem condições. E tudo isto entrou num sistema incomportável e temos reivindicação de parte a parte sem que aconteça nada de jeito no meio deste processo. Agora a partir daqui o que é que está a acontecer, está a acontecer que o reordenamento da rede escolar está a ser feito e estão ser encerradas escolas em todo o município independentemente de terem maior numero ou menor número, aqui o reordenamento da rede que é uma coisa que também não se entende muito bem, as vezes não é só por ter poucos alunos, ás vezes é, é porque o ministério da educação, via serviços descentralizados, propõe estes encerramentos.” (E7)

Numa outra entrevista realizada, a opinião manteve-se semelhante, neste caso outro representante do poder local refere-se à aplicação concreta desta reorganização na sua freguesia:

Educação Básica, Poder Local e Reorganização da Rede Escolar: um caso

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“Não conheço muito bem como é que funciona em todo o concelho mas pela freguesia de X foi tudo feito em cima do joelho, no inicio do ano lectivo as coisas ainda não estavam bem definidas e as crianças acabaram por ficar na escola do 1º ciclo da freguesia que não tem condições para as crianças que lá estão.” (E6).

Na perspectiva da comunidade educativa, o encerramento das escolas obriga os alunos a deslocações mais extensas e demoradas no percurso casa-escola, impondo sacrifícios, favorecendo o desenraizamento e a descontextualização das práticas educativas, condicionando e limitando a participação das famílias e das comunidades na vida das escolas:

“Sim, porque agora, digamos que a escola como unidade praticamente deixou de existir e faz algum sentido praticamente com um agrupamento. As escolas agora não é escola de determinado lugar porque ela engloba alunos de vários lugares e portanto a escola penso que perdeu muita identidade.” (E4)

Uma outra opinião acerca do mesmo assunto refere que:

“São situações necessárias, não podemos ir contra elas, claro que era muito mais agradável ter um jardim-de-infância na sua localidade havia uma maior ligação ao meio, as crianças saíam à rua, sabiam que era a sua terra, encontravam pessoas conhecidas da terra e iam identificando as coisas da sua própria terra. Essa parte, claro, tem que ser retirada porque agora ao juntar crianças de várias localidades numa só a criança acaba por viver menos na sua própria terra mas isso são condicionalismos da vida e não podemos ir contra isso, são as tais coisas que não podemos avaliar porque ainda não aconteceram, não é, ainda não se pode falar muito sobre elas, temos de esperar.” (E1)

Quando analisamos o papel do pessoal docente em toda esta reorganização o sentimento é contraditório, se por um lado, esta reorganização e a construção dos pólos escolares vai permitir melhores condições de trabalho, por outro, todo este processo faz com que os seus postos de trabalho se encontrem em perigo:

“É sempre preocupante porque ao juntarem-se crianças num pólo, ao fazerem-se grupos de 25 crianças suponhamos haverá, com certeza que vai haver mais desemprego, não é, é nesse aspecto é que pode ser mais complicado para os profissionais da educação. No aspecto profissional em si penso que as pessoas cada vez mais estão habituadas a trabalhar em grupo, a articular, a reunir para partilhar actividades, ideias e para fazer mexer o órgão onde estão a trabalhar e isso exigirá com certeza mais trabalho mas neste momento as pessoas já estão habituadas a isso.” (E1)

Um encarregado de educação, no que se refere ao pessoal docente afirma que:

“Neste caso também foram apanhados um pouco de surpresa mas por aquilo que eu percebo acho que têm-se adaptado conforme podem, não é, são as directrizes que lhe são dadas, eles se calhar é que seriam as pessoas indicadas para responder a isso mas por aquilo que eu percebo acho que eles minimamente têm que se adaptar a isso.” (E2)

O representante do CME entrevistado, professor do 1º ciclo do ensino básico, vê assim a situação profissional do pessoal docente:

“Portanto, aqui foi um dos aspectos bastante negativos a diminuição de lugares e depois outra situação fazer deslocar alunos ao fazer com que as turmas tivessem nos limites máximos, quase todas as escolas primárias têm 20 alunos por turma e com mais um ano de escolaridade portanto em termos de situação profissional dos professores e dos educadores penso que veio degradar e reduzir o número de lugares e aumentou a carga de trabalhos.” (E4)

Em todo este processo de reorganização da rede educativa as dificuldades sentidas foram muitas, mas, apesar disso, de uma forma geral a comunidade educativa acredita que esta reorganização vai trazer melhorias para o ensino.

O processo de reorganização da rede escolar foi e continua a ser um pouco atribulado e descoordenado. Este processo conduziu a mudanças, embora no terreno ainda não sejam notórias.

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