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A CARTA EDUCATIVA NO PROCESSO DE REORGANIZAÇÃO DA REDE

PARTE II ESTUDO EMPÍRICO

CAPÍTULO 6. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

6.6 A CARTA EDUCATIVA NO PROCESSO DE REORGANIZAÇÃO DA REDE

Como abordado no enquadramento teórico, no capítulo 3º:

“A Carta Educativa é, a nível municipal, o instrumento de planeamento e ordenamento prospectivo de edifícios e equipamentos educativos a localizar no concelho, de acordo com as ofertas de educação e formação que seja necessário satisfazer, tendo em vista a melhor utilização dos recursos educativos, no quadro do desenvolvimento demográfico e sócio- económico de cada município.” (artigo 10º, do Decreto-Lei n.º 7/2003).

O conceito de Carta Educativa deve englobar uma visão abrangente do reordenamento da rede educativa, não só tendo em conta o conjunto das escolas dos diferentes níveis de ensino, como também a capacidade de se articularem entre si e com o seu meio quer geográfico, quer social. Assim, um membro do CME entrevistado falou sobre a participação de toda a comunidade educativa no processo de elaboração da carta educativa do concelho:

“Foi um processo, foi transparente porque foi um processo demorado que juntou a autarquia, juntas de freguesia, câmara municipal, nossos representantes, assistentes sociais da câmara municipal, sociólogos. Foi um processo bem conduzido, muito bem conduzido, um estudo muito bem feito.” (E1)

Mais uma opinião acerca do processo de elaboração da carta educativa:

“Olhe, o processo em que chegamos à conclusão da carta educativa e dos pólos escolares foi de uma forma tranquila e até de uma forma entre a junta de freguesia, houve um bom entendimento entre as juntas de freguesia porque era impossível criar-se um pólo escolar em todas as freguesias, como é evidente, há escolas que vão encerrar, estamos cientes disso, e houve um bom entendimento entre as outras freguesias porque por exemplo seria um Arões/Junqueira, seria outro Cepelos/Rôge e uma outra freguesia e depois havia Vila Chã, Vila Cova e Codal. Criaram-se no fundo quatro ou cinco escolas em que por vezes não é fácil trazer alunos de uma freguesias para outras mas nesse aspecto julgo que todos os autarcas e presidentes de junta se portaram muito bem e acho que, pelo menos a apresentação e a conclusão a que se chegou acho que foi óptima.” (E3)

A Carta Educativa é entendida não como um documento acabado, mas como parte integrante do reordenamento da rede educativa, constantemente reavaliada e actualizada, e que contenha a expressão de uma política educativa projectada num determinado horizonte temporal. Sabe-se que a carta educativa do concelho, aprovada há dois anos a esta parte, se encontra desactualizada, isto é, o que ficou definido já não se encontra compatível com a realidade educativa. Mesmo em termos de construção dos pólos educativos as decisões ainda não estão tomadas definitivamente:

“Sim, portanto sabemos que desses cinco, supostamente dois, no máximo três avançarão, duvido que os outros venham a avançar, não é por limitações ou por imposições do CME, será unicamente por aspectos e dificuldades económicas porque eu tenho muitas dúvidas que os municípios tenham capacidade financeira para completar as restantes verbas que vêm dos fundos comunitários para concretizar esses pólos.” (E4)

Segundo a legislação publicada, a Carta Educativa é, a nível municipal, o documento que reflecte o processo de ordenamento da rede de ofertas educativas com vista a assegurar a racionalização e complementaridade dessas ofertas e o desenvolvimento qualitativo das mesmas, num contexto de descentralização administrativa, de reforço dos modelos de gestão dos estabelecimentos de educação de ensino público e os respectivos agrupamentos e de valorização do papel das comunidades educativas e dos projectos educativos das escolas. Neste sentido, torna-se um instrumento fundamental no planeamento, programação e gestão da rede de equipamentos educativos. Quando se analisa o caso concreto do concelho estudado verifica-se que este papel não foi assumido pela carta educativa. Esta falta de cooperação está bem patente no excerto da entrevista que a seguir se apresenta:

“E isto aconteceu mesmo aqui, agora o 1º ciclo foi ali para cima para o Búzio porque entretanto a escola secundária estava completamente às moscas mas era secundária, não era nossa função saber o que lá havia, descobriram agora que estava às moscas o que é que fizeram passaram o 3º ciclo lá para cima que estava aqui em baixo no Búzio e a determinada altura havia lá muitas salas e ninguém conhecia, passaram com o 1º ciclo aqui da Sede para o Búzio. Logo mesmo aqui em baixo isto vai ter impacto, por exemplo nos dois centros de Castelões ou de Vila Chã, agora é que vamos ver se evitamos ou não.” (E7)

Mais uma opinião que mostra a fragilidade em que a definição da rede escolar se apresenta:

“Sei que há grande prioridade na cidade, o pólo, neste caso de Moradal/Vila Chã que era o pólo da cidade e penso que o Arões/Junqueira. Os outros pólos eu tenho sérias duvidas da sua construção, naturalmente que a área de Castelões também precisa de um pólo, é quase urgente a construção de um pólo e penso que não passará além desses três pólos, poderei estar enganado e se estiver ficaria contente e ser construído o quarto e quinto mas duvido que venham a acontecer, portanto será Moradal, o pólo da cidade, depois penso que Cepelos e possivelmente um terceiro na área de Castelões Para além destes não.” (E4)

Esta fragilidade e indefinição prejudicam o desenvolvimento da educação no concelho. Embora a reorganização da rede escolar se efectue em todo o concelho é nas zonas rurais que se assiste às maiores dificuldades na definição da estrutura da rede escolar, com o encerramento das escolas. É nestas zonas que as organizações escolares constantemente são postas em causa:

Educação Básica, Poder Local e Reorganização da Rede Escolar: um caso

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“Porque há que proteger um bocadinho o interior do concelho. Vale de Cambra tentou por outras formas segurar a população lá em termos de criação das zonas industriais e teve dificuldades se não apostar para manter lá as classes etárias mais novas digamos que praticamente Vale de Cambra é limite interno e há três freguesias Vila Chã, S P Castelões e Macieira de Cambra e aquelas freguesias dentro de algumas dezenas de anos terão meia dúzia de habitantes.” (E4)

A Carta Educativa é um instrumento de planeamento e gestão educativa, mas também de concertação entre os interesses da comunidade educativa e ainda de incentivo à dinâmica do sistema educativo local. Permite também detectar e analisar as carências e assimetrias na distribuição espacial dos equipamentos educativos, encontrar formas de rentabilização, adaptação e recuperação dos estabelecimentos já existentes. No excerto seguinte podemos observar um exemplo peculiar:

“A nossa prioridade vai ser Arões/Junqueira porque é arriscado mas agora, quer dizer, se não corremos o risco, arriscamo-nos a perder o desenvolvimento do município, quer dizer o desenvolvimento do município está posto em causa, temos de fazer alguma coisa lá com alguma qualidade porque eles já constroem lá, a taxa de natalidade é muito baixa as pessoas continuam a construir lá, agora temos de lhes dizer que os filhos de lá têm direito a ter uma escola lá. Vai cair o Carmo e a Trindade, não vai haver alunos, porquê, se formos aqui ver Vila Chã, Castelões o crescimento da taxa de natalidade comparativamente a lá em cima está na mesma, nós só temos aqui mais alunos porque é mais densamente povoado porque a taxa de natalidade não tem a ver nem com estradas nem com caminhos nem com carreiros, tem a ver com a mentalidade que se instalou e os filhos são caros e os livros são caros. Agora é tudo muito complicado, agora primeiro eu e depois vê-se e depois reclama-se porque os livros estão caros, porque a refeição é cara, reclama-se por tudo, rigorosamente tudo. E assim não há país nenhum que consiga aguentar este tipo de regalias que as pessoas instalaram na cabeça.” (E7)

Pode-se perceber a tentativa desesperada do poder local de fixação das populações nas localidades mais afastadas da sede de concelho, mesmo que isso não seja consensual na comunidade educativa.

Já a este respeito, Ferreira, numa das suas obras aborda este problema identificando o reordenamento da rede escolar não como um mero problema de reordenamento de rede mas também como problema das escolas inseridas em meios rurais, a “escola rural”:

“Subordinando-se a uma lógica urbanocêntrica e escolocêntrica, o problema da “escola rural” foi, neste caso, como tem sido no discurso dominante, encarado como um problema estritamente escolar e não como um problema social que faz apelo a uma política de desenvolvimento local integrado. Com efeito, os discursos que anunciam o encerramento das escolas rurais têm-se caracterizado por uma subordinação a critérios de natureza técnica e administrativa e por uma submissão à racionalidade escolar. Neste sentido a “crise” da escola primária [e educação e infância] rural tem sido frequentemente interpretada por políticos,

académicos, professores, autarcas e outros, como resultado da diminuição do número de alunos, considerando que, face a esta diminuição, a escola rural não permite criar turmas “homogéneas” e não proporciona “adequadas” condições de socialização, condições essas que só são consideradas possíveis em escolas maiores. (F. Ferreira, 2005: 530)

A elaboração da carta educativa permitiu perceber e ajustar as necessidades da realidade da população mais afastada do centro e fornecer elementos de referência para a prática urbanística mais coerente com toda a área do concelho, mas preferiu-se:

[…] a extinção da escola rural, mas não a sua transformação numa escola multidimensional, capaz de integrar, numa perspectiva de globalização da acção educativa, as dimensões educativas e sociais, as crianças e os adultos, o trabalho dos professores e de outros profissionais do campo social, a utilização de recursos locais e dos novos meios proporcionados pelas tecnologias da informação e da comunicação” (F. Ferreira, 2005: 530)

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