• Nenhum resultado encontrado

As teorias contemporâneas

No documento MESTRADO EM DIREITO PENAL SÃO PAULO 2010 (páginas 68-71)

CAPÍTULO 2. BEM JURÍDICO PENAL

2.2. Evolução da concepção de bem jurídico penal

2.2.7. As teorias contemporâneas

outrem”), 312 (“Violar ou tentar violar o sigilo do voto”) e 317 (“Violar ou tentar

violar o sigilo da urna ou dos invólucros”), do Código Eleitoral (Lei n. 4.737/65).

A doutrina do bem jurídico também foi contestada na Itália por Francesco Antolisei, para o qual a função do ordenamento jurídico não era somente conservar e defender determinados bens ou interesses jurídicos. O direito apresentava, além desta função conservativa, também uma função propulsora ou evolutiva124.

2.2.7. As teorias contemporâneas

Com o encerramento da Segunda Guerra Mundial, ressurge a preocupação com o conceito de bem jurídico na tentativa de se buscar, como fizeram Birnbaum e Liszt, limites ao direito de punir do Estado. Retoma-se, portanto, “a idéia de que o bem

jurídico-penal estaria vinculado a uma garantia do homem” 125.

Nesse momento do pós-guerra, Hans Welzel modificou completamente a maneira como se compreendia o bem jurídico até então. Para ele, o bem jurídico situava-se além do Direito e do Estado, podendo ser definido “como ‘todo estado social

desejável que o Direito quer resguardar de lesões’, mas com vistas em toda ordem jurídico-social” 126.

Welzel desenvolveu a teoria finalista preconizando uma tutela penal pautada em valores elementares de natureza ético-social, que têm origem na “consciência jurídica

124 Heleno Cláudio Fragoso ao apresentar a seqüência do pensamento de Antolisei nas suas obras, observa

que: “O trabalho em que ANTOLISEI melhor expõe seu pensamento sobre o assunto é o citado ‘Il

problema del bene giuridico’, publicado pela primeira vez em 1940 e recolhido em seus Scritti di Diritto Penale (1955, p. 97). Em seu Manuale di Diritto Penale (1955, p. 123) manifesta-se com maior sobriedade, repetindo que a teoria do bem jurídico teve importância exagerada, pois não se trata de conceito decisivo na interpretação, já que em vários crimes é tutelado o mesmo bem. Que de maior valor é a indagação quanto ao escopo ou ratio da incriminação. Na valoração do crime outros elementos são considerados, inclusive a qualidade do dever violado. Afirma que a super-valoração do dano individual é expressão de tendências conservadoras da doutrina e que ainda mais deve diminuir a importância do bem jurídico no futuro”. Nessa mesma direção: “Pretendendo negar que o bem jurídico constitua sempre

o objeto específico do crime, já que o crime seria antes de tudo desobediência a um imperativo de lei (crimes de pura desobediência), acaba-se num verdadeiro processo de formalização do direito penal, mesmo que se afirme querer fazer dogmática penal ‘realista’” (BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal.

Versão portuguesa do original do italiano Diritto Penale (Parte Generale). Campinas, Red Livros, p. 161).

125 PONTE, Antonio Carlos da. Crimes Eleitorais. São Paulo, Saraiva, 2008, p. 148.

existente formando o substrato ético-social positivo das normas jurídico-penais, cuja incumbência reside, portanto, na garantia do respeito a tais valores”127.

A posição sustentada por Welzel relativiza a relevância da atividade de

“proteção de bens jurídicos”, pois, no seu entender, a função primordial do Direito Penal:

“não é a atual proteção de bens jurídicos (...). Mais essencial que a proteção de determinados bens jurídicos concretos é a missão de assegurar a real vigência (observância) dos valores do ato [Aktwerte] da consciência jurídica”. (...) “só assegurando os elementares valores sociais de ação se

pode lograr uma proteção dos bens jurídicos realmente duradoura e eficaz. (...) Missão do direito penal é a proteção de bens jurídicos mediante a proteção dos elementares valores de ação ético-sociais”128.

Atualmente, as teorias dominantes buscam “fundamentar o bem jurídico desde a

política criminal. Ou seja, se vincula à teoria do bem jurídico com os fins do ordenamento jurídico-penal e com os fins do Estado”129. Nessa diretriz, apresentam-se duas orientações: a sociológica e a jurídico-constitucional.

Na visão sociológica destacam-se os posicionamentos de Knut Amelung e Winfried Hassemer. Para Amelung, o Direito Penal deve ser fundado com vistas a um conceito de “danosidade social”, portanto, o bem jurídico está constituído por essa

“danosidade social”. Segundo Hassemer, “se deve definir o bem jurídico de um modo

genérico como ‘interesse humano necessitado de proteção jurídico-penal’” 130.

127 POLAINO NAVARRETE, M. El Bien Jurídico en el Derecho Penal. Sevilla: Anales de la

Universidad Hispalense/Publicaciones de la Universidad de Sevilla, 1974, p. 226-227, apud SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder de. Op. cit., p. 100.

128 WELZEL, Hans. Derecho Penal Alemán. Parte General. 11 ed. Trad. Bustos Ramirez/S. Yáñez Perez.

Santiago de Chile: Editorial Jurídica de Chile, 1997, p. 3-5 apud SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder de. Op. cit., p. 100-101.

129 BUSATO, Paulo César; HUAPAYA, Sandro Montes. op. cit., p. 48-49.

130 HASSEMER, Winfried e MUNÕZ CONDE, Francisco. Introducción a la Crimininología e al

Derecho Penal. p. 112. apud BUSATO, Paulo César; HUAPAYA, Sandro Montes. op. cit., p. 52. Acerca das concepções de Hassemer e Amelung, Juan Bustos Ramírez expõe: “(...) é o caso de Amelung e de

Hassemer. Mas para o primeiro, conquanto os bens jurídicos surgem da vida social, são de caráter funcional ao sistema, isto é, qualquer coisa pode adquirir o caráter de bem jurídico, com o qual o conceito perde toda significação, pois segundo isso não pode implicar limite algum. Para o segundo, em contrapartida, os bens jurídicos têm que ser considerados desde um ponto de vista político criminal geral, mas com isso regressa em grande parte aos limites já propostos em relação com o critério da necessidade da intervenção, com o qual novamente o bem jurídico como tal, perde sua significação própria. Em todo caso, ambos autores têm o mérito de ter reiniciado com grande profundidade o caminho assinalado por von LISZT”. (Introdcción al Derecho Penal. 3ª ed., Bogotá, Temis, 2005, p. 31- 31). Tradução livre do autor.

Na versão jurídico-constitucional, destacam-se alguns autores, como Jorge de Figueiredo Dias, Márcia Dometila Lima de Carvalho e Claus Roxin. Todos eles defendem que é a norma constitucional e não a norma penal que determina quais são os bens jurídicos objetos de tutela penal.

Jorge de Figueiredo Dias “tenta ver na Constituição um padrão de referência da

valoração social a respeito dos seus interesses e nesse filtro tenta embasar sua seleção de bens jurídicos” 131.

Márcia Dometila Lima de Carvalho, sustentando a necessidade de extrair do texto constitucional os bens que demandam tutela no campo penal, assegura:

“Pois bem, partindo-se de que a Lei Maior traz em si os princípios máximos de justiça, que se quer impor, qualquer ofensa a bem jurídico, protegido penalmente, terá que ser cotejado com os princípios constitucionais. Deixa, assim, a ofensa aos citados bens, de ter relevância penal, se os princípios constitucionais não restarem por ela arranhados”132.

Claus Roxin fundamenta o Direito Penal a partir da concepção de bem jurídico e partindo da Constituição assinala que:

“O ponto de partida correto consiste em reconhecer que a única restrição previamente dada para o legislador se encontra nos princípios da Constituição. Por tanto, um conceito de bem jurídico vinculante político criminalmente só pode se derivar dos encargos, definidos na Lei Fundamental, de nosso Estado de Direito baseado na liberdade do indivíduo, através dos quais se lhe marcam seus limites à postura punitiva do Estado”133.

Esse parece ser o critério mais adequado na eleição do bem jurídico penal, ou seja, para justificar a atuação do Direito Penal o bem jurídico deve ser avaliado à luz da Constituição Federal, a qual funcionará não apenas como limite, mas como fundamento do Direito Penal.

131 DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais do Direito Penal revisitadas. p. 62-82. apud

BUSATO, Paulo César; HUAPAYA, Sandro Montes. Ob. cit., p. 49.

132 CARVALHO, Márcia Dometila Lima de. Fundamentação Constitucional do Direito Penal. Porto

Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1992, p. 33.

133 Derecho Penal. Parte General. Tomo I. Fundamentos. La Estructura de la Teoría del Delito. Madrid,

Essa relação entre bem jurídico penal e Constituição, faz com que a lei penal sofra determinadas limitações, mas, em outras situações, passe por revisões visando a uma tutela mais eficiente em relação a determinados bens jurídicos. Esse processo de avaliação constitucional do Direito Penal pode acarretar a despenalização de determinados comportamentos, a incriminação de novas condutas e uma exacerbação ou redução da resposta penal para outras.

Apesar de existirem críticas à adoção desse caminho, a razão está com Antonio Carlos da Ponte quando afirma:

“É muito mais útil um bem jurídico-penal ligado à Constituição, que por sua vez deve estar fundada em direitos e garantias fundamentais, do que simplesmente abandonar essa postura em respeito ao acolhimento de conceitos vagos, impassíveis de individualização”134.

Por tudo o que foi exposto, pode-se conceituar o bem jurídico penal como todo bem ou interesse de relevância jurídico-penal, avaliado e delimitado de acordo com os valores e princípios consagrados na Constituição Federal, e para os quais os outros ramos do Direito são insuficientes para promover uma tutela satisfatória.

Após esse breve escorço sobre o surgimento e a evolução da concepção e do conceito de bem jurídico penal, resta apreciá-lo à luz do Texto Constitucional.

No documento MESTRADO EM DIREITO PENAL SÃO PAULO 2010 (páginas 68-71)