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Estado Liberal de Direito – afirmação, declínio e características principais

No documento MESTRADO EM DIREITO PENAL SÃO PAULO 2010 (páginas 38-41)

CAPÍTULO 1. SURGIMENTO E EVOLUÇÃO DO ESTADO DE DIREITO

1.4. Estado Liberal de Direito – afirmação, declínio e características principais

Como pôde ser observado no tópico anterior, o Estado Liberal de Direito teve sua estrutura formada sob os auspícios dos ideais iluministas, no século XVIII, dentro de um movimento reacionário ao absolutismo monárquico.

A burguesia já detentora de considerável poderio econômico, pretendendo tomar a frente também do poder político, liderou um movimento de contenção do poder absoluto do monarca numa aliança com a camada social mais oprimida.

Portanto, a Revolução Francesa refletiu a conquista de uma determinada classe e de uma nova ordem social. Dessa forma, aparentemente, o Liberalismo abarcava os interesses individuais da burguesia, bem como de seus aliados menos favorecidos economicamente.

O objetivo fundamental do Estado Liberal de Direito foi assegurar o princípio da legalidade, submetendo toda atividade estatal ao império da lei, e estabelecer mecanismos de contenção do poder do monarca.

Nessa esteira, as teorias doutrinárias, anteriormente analisadas, de Montesquieu, Locke, Rousseau, entre outros, buscaram construir um sistema de exercício do poder político que fosse capaz de conter as prerrogativas ilimitadas que se encontravam enfeixadas na figura do rei.

Porém, após a exitosa conquista do poder por intermédio de tais movimentos revolucionários, não tardou para que a burguesia, ao assumir o controle político, se esquivasse dos anseios da camada social menos favorecida e passasse a perseguir somente os interesses que mais lhe convinham, agindo contrariamente à distribuição equânime de riqueza e extirpando o povo da participação no governo54.

54 Corroborando Antonio Carlos Wolkmer expõe: “Acontece que, no início, o Liberalismo assumiu uma

forma revolucionária marcada pela ‘liberdade, igualdade e fraternidade’, em que favorecia tanto os interesses individuais da burguesia enriquecida quanto os de seus aliados economicamente menos favorecidos. Mais tarde, contudo, quando o capitalismo começa a passar à fase industrial, a burguesia (a elite burguesa), assumindo o poder político e consolidando seu controle econômico, começa “a aplicar

Podem ser identificados três núcleos caracterizadores do Liberalismo: moral, econômico e político. O núcleo moral reflete uma afirmação de valores e direitos básicos atribuíveis à natureza moral e racional do ser humano, sedimentada nos princípios da liberdade pessoal, do individualismo, da tolerância, da dignidade e da crença na vida55.

O núcleo econômico, por sua vez, está ligado aos direitos econômicos, à propriedade privada, ao sistema da livre empresa e à economia de mercado livre do controle do Estado56.

Por fim, o núcleo político do Liberalismo diz respeito essencialmente aos direitos políticos, ou seja, direito ao voto, direito de participar da escolha do tipo de governo e da política a ser seguida.

Como princípios dessa faceta política do Liberalismo encontram-se o consentimento individual, a representação e o governo representativo, o constitucionalismo político – que possui como traços característicos o Estado de Direito, o império da lei, a supremacia constitucional e os direitos e garantias individuais -, a teoria da tripartição dos Poderes e a soberania popular57.

O Estado Liberal burguês ficou marcado por uma concepção absolutamente neutra, abstencionista e individualista, que proclamava uma igualdade apenas formal, mantendo-se em um estado de neutralidade na realização dos fins sociais.

As principais características do Estado Liberal podem ser assim resumidas: a) abandono das concepções transpessoais que concebiam o Estado como instituição

na prática somente os aspectos da teoria liberal” que mais lhe interessam, denegando a distribuição social da riqueza e excluindo o povo do acesso ao governo” (Op. cit., 121).

55 Podem ser apontados como os mais importantes teóricos do Liberalismo filosófico Jean-Jacques

Rousseau (Emile), Jeremy Bentham (Uma introdução aos princípios da moral e da legislação) e John Stuart Mill (Da liberdade).

56 Entre os ideólogos do Liberalismo econômico destacam-se Adam Smith (A riqueza das Nações) e

David Ricardo (Princípios de economia política e da tributação).

57 Os principais nomes do Liberalismo político foram John Locke (O segundo tratado do governo civil),

Montesquieu (O Espírito das Leis), Jean-Jacques Rousseau (O contrato social) e John Stuart Mill (Sobre

divina e adoção de uma compreensão jusracionalística; b) o Estado passa a ter sua atividade limitada em função da garantia da liberdade, segurança e propriedade individuais; c) organização estatal e regulamentação de sua atividade de acordo com princípios racionais que buscam construir uma ordem estatal justa, com o reconhecimento dos direitos individuais e de garantias como independência dos juízes e direito adquirido, possibilidade de responsabilização do governo, prevalência da representação política e garantia de participação desta no poder; d) divisão de poderes, que separa independente e harmonicamente o Legislativo, o Executivo e o Judiciário; e) adoção do princípio da legalidade e do conceito de lei como núcleo de concretização constitucional do Estado de Direito; f) essa legalidade também vincula juridicamente a Administração.

Pautado nessas premissas diretivas surge com o Estado Liberal/formal burguês uma concepção liberal de cidadania circunscrita à proteção dos direitos individuais, sem qualquer intervenção do poder estatal na vida privada, ou seja, um conceito de cidadania de caráter, eminentemente, individualista.

Assim, verifica-se que o Estado Liberal de Direito era caracterizado por um modelo político não intervencionista, limitador (limitado por vedações em prol das garantias individuais) e garantidor apenas formalmente das liberdades individuais, precipuamente aquelas de caráter patrimonial58.

Como já exposto, o modelo liberal de Estado proclamou a existência dos Direitos Humanos de 1ª geração (dimensão). Entretanto, tais direitos acabaram, por sua própria essência, beneficiando àqueles que possuíam melhores condições econômico- financeiras e, portanto, o número de pessoas beneficiadas acabou sendo muito pequeno. O absenteísmo estatal provocou enormes injustiças que foram preponderantes para o fracasso dessa concepção de Estado, pois, ao permanecer absolutamente no

58 Segundo Augusto Lanzoni, o liberalismo apresenta: “(...) situações ambíguas, em quase todos os seus

aspectos. Se ele prega a liberdade, como bem supremo do homem, de um lado, de outro ele limita a ação daqueles que não possuem dinheiro. Se ele se apresentou como revolucionário e progressista, em relação ao Antigo Regime, ele é, no entanto, conservador em relação às reivindicações populares. Portanto, ele é revolucionário e ao mesmo tempo conservador. Se no início do século XIX ele luta contra a monarquia absoluta e no século XX contra as ditaduras e regimes totalitários, de um lado, de outro ele vai lutar contra as autoridades populares e sobretudo contra a democracia e contra o socialismo” (Iniciação às

campo periférico das relações privadas deixando os indivíduos livres de qualquer intervenção econômica ou social, aqueles que detinham maior concentração de riqueza e capital prevaleciam e impunham seus próprios interesses.

A liberdade total era apenas uma falsa liberdade que ficava no campo formal - perante a lei - e favorecia os mais abastados. Essa concepção ilusória de liberdade acabava cedendo por uma questão natural, pois, passava por uma idéia utópica de que todos os sujeitos são livres e têm igualdade de condições. Como garantir a liberdade a todos se a riqueza concentrava-se nas mãos de poucos indivíduos e muitos ficavam reféns dos que a possuíam?

A liberdade acabava sendo mensurada pela maior ou menor capacidade patrimonial, deixando a maioria da população submetida aos anseios daqueles que tinham maior poder aquisitivo, situação que promoveu uma grande exclusão social dos economicamente fragilizados.

Com o passar do tempo, os que permaneceram vivendo à margem da sociedade se multiplicaram e, não tardou, para que investissem contra a nova organização política do Estado Liberal.

No documento MESTRADO EM DIREITO PENAL SÃO PAULO 2010 (páginas 38-41)