• Nenhum resultado encontrado

Crimes ambientais

No documento MESTRADO EM DIREITO PENAL SÃO PAULO 2010 (páginas 128-133)

CAPÍTULO 3. MANDADOS DE CRIMINALIZAÇÃO

3.3. Mandados de criminalização expressos (ou explícitos)

3.3.1. O cumprimento dos mandados expressos de criminalização pelo legislador

3.3.1.5. Crimes ambientais

A cautela em proteger o meio ambiente é cristalina na Carta Política. É direito de todos que haja um “meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum

do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”

(art. 225, caput, CF).

Assim sendo, segundo dispõe o mandado de criminalização que consta do § 3º do artigo 225 da Constituição: “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio

ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. A preocupação do constituinte na tutela do meio ambiente foi tamanha, que previu a responsabilidade dos infratores nas áreas criminal, administrativa e cível.

Dando cumprimento ao aludido mandado de criminalização surgiu a Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que passou a ser denominada de “Lei de Crimes

Ambientais”. A despeito de algumas críticas existentes em relação à lei271, levando-se em conta o avanço promovido em comparação com o que existia até então em termos de responsabilidade penal ambiental, no geral, pode-se afirmar que o legislador adimpliu com a obrigação constitucional de penalização.

Questão que é objeto de acalorada discussão em sede doutrinária envolve a possibilidade ou não de responsabilização criminal da pessoa jurídica por práticas nocivas ao meio ambiente.

A análise deve começar pelo itinerário apontado pela Lei Magna, onde o constituinte sinalizou, no § 3º do seu artigo 225, para a possibilidade de responsabilizar

271 Entendendo que em alguns pontos a Lei 9.605/98 deixou a desejar no cumprimento do mandado de

criminalização, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves diz: “Por outro lado, a Lei nº 9.605/98 se omitiu em

oferecer proteção penal itens expressamente relacionados pela Constituição, no artigo 225, como necessárias à proteção ambiental, como os relativos à proteção da biodiversidade e à manipulação genética (parágrafo 1º, inciso II) e à exigência de relatório de impacto ambiental (parágrafo 1º, inciso IV). É certo que o artigo 60 da Lei nº 9.605/98 fala em: (...). Trata-se de proteção insuficiente (crime considerado de menor potencial ofensivo) e indireta, posto que considera a exigência de estudo prévio de impacto ambiental apenas como uma das condições para a concessão de licença ou autorização dos órgãos ambientais” (Op. cit., p. 293-294).

penalmente as pessoas jurídicas pelas condutas e atos lesivos ao meio ambiente. Seguindo na apreciação da questão, ainda sob o enfoque normativo, o artigo 3º da Lei n. 9.605/98, em consonância com a norma constitucional, definiu:

“Art. 3º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato”.

Aqueles que sustentam a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica apontam como argumentos favoráveis os seguintes:

I. A própria Constituição permite que isso ocorra, não só no artigo 225, § 3º, mas também no artigo 173, § 5º, que está inserido na disciplina da Ordem Econômica e Financeira. Além do que, como trazido logo acima, o artigo 3º da Lei n. 9.605/98 segue também essa diretriz;

II. Há mandado de criminalização expresso no sentido de criminalizar as condutas lesivas ao meio ambiente, desvelado pela função protetiva de direitos fundamentais, não havendo justificativa para tolher a responsabilização penal da pessoa jurídica. Se a Constituição, explicitamente, assinalou nessa direção, não se pode interpretar a Lei Maior a partir da lei ordinária272;

III. A maioria dos crimes contra o meio ambiente é cometida pelas corporações e essa modalidade delitiva se efetiva de maneira diferenciada, uma vez que, em regra, o criminoso age em nome e por conta da empresa e a conduta vem para beneficiá-la273;

IV. Pode ser aplicada a teoria da realidade, segundo a qual, a pessoa jurídica pode praticar crimes, sendo a sua vontade representada pela soma das vontades dos

272 Nesse caminho, encontra-se a posição de Luiz Carlos dos Santos Gonçalves (Op. cit., p. 288-289). 273 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente – Doutrina, Jurisprudência, Glossário. 3ª ed. São Paulo, Revista

dos Tribunais, 2004, p. 779. Acompanhando esse posicionamento: “Os maiores poluidores e

degradadores do meio ambiente, via de regra, são as industrias que lançam resíduos sólidos, gasosos ou líquidos no solo, no ar atmosférico e nas águas, causando danos irreversíveis ao lençol freático, ao ar, à terra, à flora e à fauna. (...) Foi com base na necessidade de se proteger amplamente o meio ambiente que o legislador inseriu a responsabilidade penal da pessoa jurídica em nosso sistema jurídico a despeito da resistência doutrinária penal” (SIRVINSKAS, Luís Paulo. Tutela Penal do Meio Ambiente. 3ª ed. São Paulo, Saraiva, 2004, p. 53-54).

sócios ou dirigentes. A vontade da empresa é diferenciada das vontades das pessoas naturais que a constituíram, mas existente.

Se o ordenamento jurídico reconhece a vontade da pessoa jurídica para celebrar contratos e outros negócios jurídicos, conferindo a ela patrimônio divorciado do patrimônio das pessoas físicas que a constituem, por que este reconhecimento não pode ser utilizado para promover sua responsabilização criminal? Embora se afirme comumente que a pessoa moral não atue propriamente com dolo ou culpa, faltando-lhe, portanto, vontade própria, poder-se-ia, nesse campo, admitir a responsabilidade objetiva274.

V. Quanto à finalidade preventiva da pena, esta não se afigura como óbice à punição penal da pessoa jurídica, pois é sobre os seus dirigentes e administradores que incidirá o caráter preventivo da pena;

VI. Não há que se falar, também, em afronta ao princípio da personalidade da pena (pessoalidade ou responsabilidade pessoal) - segundo o qual a pena não pode passar da pessoa do sentenciado -, pois os efeitos irradiados sobre outras pessoas decorrerão apenas dos efeitos indiretos da pena.

Além do mais, quando da imposição de pena à pessoa física, os familiares do condenado, como os filhos, por exemplo, também são atingidos reflexamente pela sanção penal275. Da mesma forma, a pena eventualmente aplicada à empresa afetará de modo indireto os sócios que não concordaram com a prática criminosa.

Caso seja admitida a responsabilização penal da pessoa jurídica, nos termos do artigo 3º da Lei n. 9.605/98, dois pressupostos devem estar presentes para que isso se efetive: a) que a conduta delituosa tenha sido praticada em seu benefício ou interesse; b) que a decisão de praticá-la tenha partido de seu representante.

274 Nessa perspectiva: “(...); b) ainda que não tivesse vontade própria, passível de reconhecimento

através do dolo e da culpa, é preciso destacar existirem casos de responsabilidade objetiva, no direito penal, inclusive de pessoa física, como se dá no contexto da embriaguez voluntária, mas não preordenada” (...). (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 3ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2008, p. 839).

Para aqueles que não admitem a responsabilidade criminal da pessoa jurídica, pautados no brocardo “societas delinquere non potest” (a pessoa jurídica não pode delinquir) e, principalmente, levando em conta a estrutura do Direito Penal, as objeções apresentadas são as seguintes:

I. Somente os comportamentos humanos podem ser tidos como conduta do ponto de vista jurídico-penal. Não há como se falar em ação ou omissão delituosa da pessoa jurídica, pois esta não realiza atividade finalística276.

Além do que, não há como se apurar a presença do elemento subjetivo – dolo ou culpa – da pessoa jurídica, havendo, pois, violação do princípio da culpabilidade, remanescendo apenas a responsabilidade no plano objetivo. A empresa não tem vontade de delinquir, portanto, qualquer possibilidade de responsabilização criminal passa pela responsabilidade objetiva.

II. A empresa não possui capacidade natural de ação, pois esta é conceituada como “produto original do indivíduo”, e, a pessoa jurídica só atua por meio de seus órgãos;

III. Deve-se aplicar a teoria da ficção, para a qual a pessoa jurídica é um conceito abstrato e deve ser vista somente como uma criação do Homem, de modo que, apesar da sua existência ficta, ela não é dotada de consciência e nem de vontade. Em sendo assim, eventuais infrações penais perpetradas devem ser imputadas aos respectivos dirigentes;

IV. A pessoa jurídica não apresenta culpabilidade, compreendida como “o juízo

de censura pessoal de realização do injusto típico, só pode ser endereçada a uma pessoa humana (culpabilidade de vontade)”277. Portanto não é possível exigir da empresa a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento (imputabilidade), a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa;

276 PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Ambiental. 1ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais,1992, p. 85. 277 Ibidem.

V. os fins da pena – retributivo, preventivo e de reinserção social – não podem ser perseguidos ante a pessoa jurídica. Assim como, na hipótese de responsabilização penal desta, a pena não incidirá, unicamente, sobre o autor do fato, mas sim sobre todos os seus membros.

Há, por conseguinte, manifesta ofensa ao princípio da personalidade da pena, previsto no artigo 5º, inciso XLV278, da Constituição Federal, que não permite que a pena passe da pessoa do delinquente. A responsabilidade penal está intimamente ligada à pessoa do agente, não podendo em hipótese alguma atingir terceiros;

VI. O princípio da individualização da pena279, que encontra assento no artigo 5º, inciso XLVI, do Texto Constitucional, também resta comprometido sob a ótica da responsabilização penal da pessoa jurídica, tendo em vista que a dosimetria da pena fica circunscrita às consequências e à extensão dos prejuízos causados ao meio ambiente, o que não permite a adequada individualização da pena.

Embora o artigo 6º280 da Lei de Crimes Ambientais, busque delinear parâmetros para que seja realizada a individualização da pena, a referida previsão é insuficiente para atingir tal desiderato.

VII. Por derradeiro, cumpre destacar que, além das dificuldades enfrentadas no plano do Direito Penal, do ponto de vista processual penal a complicação também existe281. Questões atinentes à realização da citação, do interrogatório, à

278 “Art. 5º, CF. (...) XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de

reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”.

279 Segundo Guilherme de Souza Nucci: “A individualização da pena tem o significado de eleger a justa

e adequada sanção penal, quanto ao montante, ao perfil e aos efeitos pendentes sobre o sentenciado, tornando-o único e distinto dos demais infratores, ainda que co-autores ou mesmo co-réus. Sua finalidade e importância é a fuga da padronização da pena, da ‘mecanizada’ ou ‘computadorizada’ aplicação da sanção penal, que prescinda da figura do juiz, como ser pensante, adotando-se em seu lugar qualquer programa ou método que leve à pena pré-estabelecida, segundo um modelo unificado, empobrecido e, sem dúvida, injusto” (Individualização da pena. 2ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2007, p. 30).

280 “Art. 6º. Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará: I – a

gravidade do fato do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas conseqüências para a s saúde de pública e para o meio ambiente; II – os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental; III – a situação econômica do infrator, no caso de multa”.

281 Confirmando essa problemática, Antonio Carlos da Ponte escreve: “Tanto a Constituição Federal

quanto a Lei nº 9.605/98 exteriorizam a possibilidade de prática de crime por parte da pessoa jurídica, com conseqüente punição adequada às suas características. Porém, não foi elaborado um sistema

individualização da conduta do agente no momento do oferecimento da denúncia, afiguram-se como barreiras de difícil transposição na análise da responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Quem será citado em nome da empresa? O seu representante? E no interrogatório, quem será ouvido? O representante também? Mas, este será ouvido a que título? Como o representante do Ministério Público individualizará a conduta no momento de oferecer a inicial acusatória?

Ante todas as argumentações apresentadas no sentido favorável e no contrário à responsabilização da pessoa jurídica no âmbito penal, mais acertadas são aquelas que não admitem esta possibilidade. A responsabilidade penal da pessoa jurídica mostra-se como medida exagerada que não se coaduna com diversos preceitos do Direito Penal.

Cumpre consignar, por fim, que a inserção da responsabilidade penal da pessoa jurídica no Brasil se deu por influência do Direito francês. Atente-se, porém, que na França houve a edição da denominada Lei de Adaptação (Lei 92-1336/1992), que modificou institutos penais e processuais penais, adaptando-os para viabilizar a responsabilidade criminal da pessoa jurídica, e no nosso país isso não se efetivou282.

À guisa de fechamento do presente tópico deve ficar registrado que embora haja toda essa celeuma envolvendo a responsabilidade da pessoa jurídica na esfera penal, isso não pode levar ao equívoco de que o mandado de criminalização não exista em relação às infrações penais ambientais. Ele certamente existe e, sem embargo da polêmica exposta a pouco, vem sendo cumprido pela Lei n. 9.605/95.

No documento MESTRADO EM DIREITO PENAL SÃO PAULO 2010 (páginas 128-133)