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Eleição dos mandados de criminalização

No documento MESTRADO EM DIREITO PENAL SÃO PAULO 2010 (páginas 97-100)

CAPÍTULO 3. MANDADOS DE CRIMINALIZAÇÃO

3.2. Eleição dos mandados de criminalização

Márcia Dometila Lima de Carvalho foi a primeira, no Brasil, a desenvolver essa concepção de mandados de criminalização, embora não com essa nomenclatura. Fazendo uma abordagem muito crítica da sociedade brasileira, a autora trabalha com o critério de justiça social para determinar as obrigações constitucionais de criminalização:

“Significa, isto, que a superioridade normativa no Direito Constitucional delimita o que deve ser considerado delito pelo Direito Penal, e, mais ainda, que na tipificação delitual o acento deve ser dirigido para a proteção do valor constitucional maior, ou seja, para a justiça sócia”l202.

E mais adiante arremata: “Por outro lado, obedecendo-se ao necessário

processo de penalização, tipifica-se todo fato grave, fomentador da injustiça social, que a Constituição pretende eliminar”203.

Por sua vez, Luciano Feldens adota o critério dos direito fundamentais para determinar os mandados de criminalização. Nesse sentido, propugna:

“Passamos a perceber, pois, uma situação de intrínseca conexão entre o dever de prestação normativa em matéria penal e o tema da prospecção objetiva dos direitos fundamentais, haja vista a exigência que se impõe ao Estado de protegê-los (o que eventualmente apenas poderá vir a ocorrer de forma satisfatória quando aludida proteção normativa se verifique por meio de leis penais)”204.

Mas, qual o melhor critério? O significado é o mesmo? Na realidade o significado não é o mesmo. Justiça social comporta uma leitura mais ampla. Para realizar a justiça social é necessário respeitar as garantias individuais que formam a sua base. Entretanto, por vezes, para se promover a justiça social é necessário flexibilizar determinadas garantias individuais.

202 CARVALHO, Márcia Dometila Lima de. Op. cit., p. 47. 203 Idem, p. 48.

Exemplificando, a aplicação de pena privativa de liberdade, a quebra do sigilo fiscal, bancário ou telefônico, dentre outras providências, são instrumentos relevantes para promover justiça social, mas que atingem direitos fundamentais como liberdade, privacidade, intimidade...

Se o caminho adotado for simplesmente o dos direitos fundamentais, o campo é mais seguro. Mas, nesse caso, a idéia de mandados implícitos perde a relevância; assim melhor é definir os mandados de criminalização sob a ótica da justiça social.

“A eleição dos mandados de criminalização está muito mais ligada à Justiça Social, do que a proteção absoluta a direitos e garantias individuais, em face de uma justificativa que nos parece simples: sem proteção aos direitos e garantias individuais, considerados de forma ampla, não há Justiça Social, ainda que seja possível o respeito absoluto aos direitos e garantias individuais sem Justiça Social”205.

Nesse prisma, pode-se destacar, por exemplo, que nos crimes contra a ordem tributária a democracia como um todo é atingida, pois ao deixar de recolher determinado tributo o sujeito inviabiliza a educação, a saúde... É impossível atingir a idéia de um Estado Democrático de Direito sem que haja uma distribuição equitativa de renda.

A eleição de um mandado de criminalização leva em conta, ainda, motivações históricas e sociais. Na Espanha, por exemplo, há mandados explícitos de criminalização em relação à proteção do meio ambiente206, do patrimônio histórico, cultural e artístico dos povos da Espanha207, e aos abusos de órgãos públicos nas hipóteses em que a restrição de liberdades fundamentais é permitida. Também a título exemplificativo, na Alemanha a Lei Fundamental de 1949 determina a penalização dos atos que se destinem a uma guerra de agressão208.

No Brasil, os fatores históricos e sociais também são preponderantes para aferição dos mandos de criminalização. É o que se verifica na nossa Carta Política

205 PONTE, Antonio Carlos da. Op. cit., p. 164-165. 206 Vide nota de rodapé n. 194, p. 94.

207 Vide nota de rodapé n. 194, p. 94. 208 Vide nota de rodapé n. 193, p. 94.

4.

quanto ao combate ao racismo209, à tortura, ao tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, ao terrorismo e aos crimes hediondos210, à ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático211, à retenção dolosa do salário dos trabalhadores212, às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente213, e ao abuso, violência e exploração sexual de criança ou adolescente21

A Constituição de 1988 indica claramente nos artigos 1º215 e 3º216 quais são os fundamentos dos mandados de criminalização no sistema jurídico brasileiro. Portanto, para eleição de uma obrigação constitucional de penalização, há necessidade de que o bem ou interesse carecedor de tutela decorra dos fundamentos ou dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.

Dessa forma, quando se fala, por exemplo, em proteção da criança e do adolescente, está se falando em tutela da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), cidadania (art. 1º, II, CF), entre outros fundamentos.

209 “Art.3º, CF. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) IV –

promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

“Art. 5º, CF. (...) XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”.

210 “Art. 5º, CF. (...) XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça e anistia a

prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”.

211 “Art. 5º, CF. (...) XLIV – constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis

ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”.

212 “Art. 7º, CF. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de

sua condição social: (...) X – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa”.

213 “Art. 225, CF. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum

do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de repara os danos causados”.

214 “Art. 227, CF. (...) § 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da

criança e do adolescente”.

215 “Art. 1º, CF. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e

Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político”.

216 “Art. 3º, CF. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma

sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

No documento MESTRADO EM DIREITO PENAL SÃO PAULO 2010 (páginas 97-100)