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Estado Democrático de Direito

No documento MESTRADO EM DIREITO PENAL SÃO PAULO 2010 (páginas 48-52)

CAPÍTULO 1. SURGIMENTO E EVOLUÇÃO DO ESTADO DE DIREITO

1.6. Estado Democrático de Direito

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, surge uma terceira etapa no processo de evolução do Estado de Direito, na qual é construído o modelo de Estado Democrático. Não se trata apenas da junção dos dois modelos anteriores, mas sim de um terceiro modelo com fundamentos e objetivos próprios70.

Interessante observar a concepção trazida por Gregorio Peces-Barba que ao analisar o modelo de Estado espanhol, o qual recebe o rótulo de “Estado Social e

Democrático de Direito”, entende que o Estado Democrático de Direito é uma etapa que ainda está em execução, para aperfeiçoar o Estado Social. Nesse sentido sintetiza:

“Nesta perspectiva se situa a proposta realizada pelo grupo parlamentar socialista que se acolheu com matizes no texto definitivo ao se acrescentar o conceito «social» ao de Estado democrático de Direito, inicialmente oferecido. Numa primeira análise pareceu-me que a avaliação progressista de «Estado democrático» parecia obscurecida pelo qualificativo «social», mas hoje teria que enfatizar essa apreciação com pouco fundamento. Mesmo do ponto de vista em que se situa o Prof. Elías Díaz é perfeitamente compreensível a fórmula «Estado social e democrático de Direito», como expressão de uma evolução histórica desde o Estado liberal. Assim, o Estado democrático seria uma etapa ainda não concluída, em execução, para corrigir e aprofundar em sentido socialista ao Estado social. Precisamente essa realidade aberta, e ainda a ser construída em parte, seria o elemento utópico imprescindível para todo progresso”71.

lugar, o importante não é o social, qualificando o Estado, em lugar de qualificar o Direito”. (SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 118).

69 PINHO, Ana Cláudia Bastos de. Direito Penal e Estado Democrático de Direito: Uma Abordagem a

Partir do Garantismo de Luigi Ferrajoli. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2006, p. 45.

70 “As considerações supra mostram que o Estado de Direito, quer como Estado Liberal de Direito, quer

como Estado Social de Direito, nem sempre caracteriza Estado Democrático. Este se funda no princípio da soberania popular, que ‘impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública, participação que não se exaure, como veremos, na simples formação das instituições representativas, que constituem um estágio da evolução do Estado Democrático, mas não o seu completo desenvolvimento’. Visa, assim, a realizar o princípio democrático como garantia geral dos direitos fundamentais da pessoa humana. Nesse sentido, contrapõe-se ao Estado Liberal, pois, como lembra Paulo Bonavides, ‘a idéia essencial do liberalismo não é a presença do elemento popular na formação da vontade estatal, nem tampouco a teoria igualitária de que todos têm direito igual a essa participação ou que liberdade é formalmente esse direito’”. (SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 119).

Retornando à questão do Estado Democrático de Direito – ou Estado Social e Democrático de Direito -, não existe um conceito uníssono de Democracia, porém, atualmente, há uma forte tendência em conceituá-la não apenas sob um aspecto formal72 – como o governo da maioria -, mas, também, dentro de uma acepção substancial, que quer significar redução nas desigualdades sociais e econômicas e, consequente proteção das minorias, capaz de promover um equilíbrio no desenvolvimento social e coletivo e efetivar uma justiça social73.

José Afonso da Silva, explicando sobre o sentido de democracia no contexto de um Estado Democrático de Direito, adverte que:

“A democracia que o Estado Democrático de Direito realiza há de ser um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), em que o poder emana do povo, e deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por representantes eleitos (art.1º, § único);

72 Entretanto, há autores, como o italiano Norberto Bobbio, que limitam a definição de democracia ao seu

aspecto meramente formal. A respeito dessa definição de Bobbio, vide nota de rodapé n. 42., p. 33.

73 “Democracia, pois, é o nome que assenta para o fenômeno da subida do povo ao podium das decisões

coletivas de caráter imperativo, a simbolizar que ele mesmo é quem escreve a sua história de vida político-jurídica e assim toma as rédeas do seu próprio destino. Deixa de ser resignado objeto de formal produção normativa de minorias (retratadas, no curso da história humana, pela casta dos mais valentes, ou dos mais velhos, ou dos mais hábeis em curas médicas ou pregações religiosas, ou dos mais ‘cultos’, ou dos mais ‘nobres’, ou dos mais patrimonializados, mas sempre u’a minoria) para fazer prosperar o que se tornou símbolo de status civilizatório: o princípio majoritário, expresso na idéia de que a maioria do corpo eleitoral de um País é quem faz o Direito comum a todos, seja por forma direta ou participativa, seja por forma indireta ou representativa. Ora, quem tem a força de subir ao podium das decisões coletivas de caráter imperativo, a começar pela feitura da própria Constituição, reserva para si o poder de selecionar eleitoralmente os governantes, e, com o tempo, nunca deixa de dividir com eles algumas funções de governo e ainda passa a controlar o modo pelo qual tais governantes se desincumbem do mandato ou do papel institucional que lhes é confiado. E aí já se pode falar de Democracia, nos marcos da Constituição, como o regime pelo qual o povo passa a eleger seus governantes, a partilhar com eles o exercício do poder de criar o Direito e a acompanhar, criticamente, o modo de execução desse mesmo Direito. É a chamada Democracia Formal ou Estado Democrático de

Direito, que, com o transcorrer dos anos, mais e mais serve de condição para que o Direito se

caracterize também por uma vertente popular, de sorte a desenhar no horizonte da História o altaneiro perfil da Democracia Substancial ou ‘Estado de Direito Democrático’ (a Constituição portuguesa de 1976 bem o diz, nominalmente). Passagem ideal de uma situação de democracia do Estado (no interior dele) para uma situação ainda mais abrangente de democracia da intimidade de todo o corpo social. Chegando-se a este patamar de intelecção, não é difícil perceber que a Democracia é o único valor que perpassa os poros todos da axiologia constitucional (valor subjacente a tudo o mais), no sentido de que: a) enquanto processo ou via de formação e deliberação de norma jurídico-primária (Democracia Formal), compreende e legitima a produção em si de todas as leis em sentido material, sejam quais forem os conteúdos dessas leis; b) enquanto fim ou objetivo de toda norma jurídico-primária mesma (Democracia Substancial), incorpora a positivação de valores que se marquem por uma densa vertente popular (tanto no campo institucional como na área das franquias individuais e dos direitos sociais)”

(BRITTO, Carlos Ayres. Op. cit., pp. 183-185). No mesmo contexto: “Tudo isto justifica, a meu ver, uma

redefinição de conceito de ‘democracia’. Chamarei democracia substancial ou social o ‘Estado de direito’ dotado de efetivas garantias, sejam liberais ou sociais; e democracia formal ou política o ‘Estado político representativo’, isto é, baseado no princípio da maioria como fonte de legalidade”

(Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. Trad. Ana Paula Zomer; Fauzi Hassan Choukr; Juarez Tavares; Luiz Flávio Gomes. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p. 694).

participativa, porque envolve a participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos de governo; pluralista, porque respeita a pluralidade de idéias, culturas e etnias e pressupõe assim diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes da sociedade; há de ser um processo de liberação da pessoa humana das formas de opressão que não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício”74.

O Estado Democrático de Direito, fundado no princípio da soberania popular, apresenta as seguintes características principais: a) sua criação e regulamentação por uma Constituição; b) realização de eleições periódicas pelo povo; c) observância do império da lei; d) os cidadãos devem possuir obrigações junto ao Estado e este frente aos primeiros; e) possibilidade dos cidadãos, detentores de direitos sociais e políticos, oporem-se ao modo como o Estado esteja sendo conduzido; f) o Estado deve desenvolver-se satisfatoriamente e buscar alcançar justiça social, erradicando a miséria e não permitindo discriminações; g) o poder político deverá ser exercido, em parte, pelo povo diretamente e, parcialmente, por órgãos estatais independentes e autônomos; h) as funções estatais deverão ser exercidas com regularidade, probidade e de forma comedida, de modo que uma não se sobreponha às outras e que haja um rígido controle sobre elas75.

Como salienta José Afonso da Silva: “A tarefa fundamental do Estado

Democrático de Direito consiste em superar as desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime democrático que realize a justiça social”76.

74 Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2004, p. 119-120. 75 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4ª ed. São Paulo, Malheiros Editores, 1992,

p. 56-57. Devemos reconhecer que esse rol de características do Estado Democrático de Direito encontra pequenas variações de acordo com a doutrina analisada, não se apresentando como algo estanque e unívoco. Poderíamos, por exemplo, tê-lo trazido da forma seguinte (dentre outras possíveis): a) Sua criação e regulamentação por uma Constituição; b) O desenvolvimento da democracia sob os aspectos formal e substancial; c) Estabelecimento de um sistema de direitos fundamentais que sejam efetivamente exercitáveis para a consagração da dignidade da pessoa humana; d) Busca pela Justiça Social; e) Divisão de Poderes; f) Observância do princípio da legalidade; g) Segurança jurídica. Apreciando o modelo democrático de Estado Ana Cláudia Bastos de Pinho, escreve: “Numa visão garantista, claro está que o

papel do Estado Social e Democrático de Direito é, ao mesmo tempo, abster-se de violar direitos individuais (garantia liberal – negativa) e lançar-se ao desafio de realizar programas sociais com o fim de minimizar as desigualdades (garantia social – positiva). O poder fica, assim, limitado, quer por meio das proibições (os órgãos de poder não podem intervir indiscriminadamente; o uso da força é restrito), quer por meio das obrigações (normas de mandato direcionadas aos poderes públicos, determinando o que devem fazer). Nesse jogo de equilíbrio, o papel da democracia é fundamental, tanto sob o prisma formal ou político, como sob o aspecto material ou substancial” (Op. cit., p. 47).

Assim, sem embargo da relevância do aspecto formal, a perspectiva substancial de democracia é imprescindível para a concretização e o aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito.

1.6.1. Estado Democrático de Direito na Constituição de 1988

A Constituição de 1988, ao prever que a República Federativa do Brasil constitui-se como Estado Democrático de Direito, trouxe no artigo 1º como seus fundamentos a soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e o pluralismo político.

Realçando o aspecto democrático do modelo de Estado brasileiro o parágrafo único do artigo 1º do Texto Constitucional proclama que: “Todo o poder emana do

povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Ademais, o artigo 3º da Constituição apresenta os objetivos fundamentais da República brasileira, que são: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Dessa forma, verifica-se que o caminho indicado pelo constituinte passa por todas as exigências estruturais de um Estado Democrático de Direito, devendo a atuação estatal, nas três esferas do poder, primar pelo atendimento a esses anseios, para que esse modelo de Estado saia da previsão meramente formal e ganhe a materialidade suficiente para a promoção de uma verdadeira justiça social.

No documento MESTRADO EM DIREITO PENAL SÃO PAULO 2010 (páginas 48-52)