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Uma consulta aos trabalhos já publicados que se dedicam ao estudo da Educação Especial no Brasil mostra a existência de reduzido conjunto de autores que tratam das questões históricas da área, reincidentemente tomados como referência por um volume expressivo de pesquisadores seja como fontes originais, seja tomados em outros autores que originalmente, se reportam a esses mesmos autores referenciados.

Destacam-se na produção mais recente, os trabalhos de Jannuzzi (2004) e Mazzotta (2001). Estes autores também são citados a partir de versões de textos que produziram em períodos anteriores como, por exemplo, Mazzotta (1993 e 1996) e Jannuzzi (1985). Interessante apontar serem estes dois autores os que apresentam as mais significativas reconstituições da trajetória histórica da Educação Especial no Brasil.

Seus textos apresentam a cronologia de implantação da educação especial brasileira, apoiados em documentos legais e normativos de órgãos do governo federal; seus reflexos e impactos na coletividade, com o registro do surgimento e desenvolvimento de instituições especializadas e do próprio processo de constituição do campo da educação especial e da formação de profissionais para a área. Sá (1996, p.149) em resenha sobre o – à época, recém- lançado -, livro de Mazzotta, Educação Especial no Brasil: história e políticas públicas, assim se refere:

Pesquisador meticuloso e proficiente, Mazzotta conseguiu reconstituir de forma substancial mais de um século de história da educação especial no Brasil, configurando-a no cenário de políticas públicas. Indica as principais tendências, avanços e retrocessos com seus desdobramentos, engendrados por estruturas, personagens, leis e eventos.

Os trabalhos destes autores, coerentes com as práticas de produção historiográfica em utilização em seus períodos de produção, tomaram como fontes de consulta acervos de “documentos institucionais, legislação, ou outras formas de documentos escritos” (KASSAR, 2000). Resenhando o livro de Mazzota, Sá (1996, p. 149) aponta que:

Ao analisar criticamente textos legais, planos educacionais, documentos oficiais e outros instrumentos, conclui que a educação especial tem sido interpretada como apêndice indesejável, sob a égide da assistência e não do direito.

Outros autores frequentemente citados como referências de base no campo da História da Educação Especial são Pessotti (1984) e Bueno (1991), que apresentam trabalhos com focos mais específicos no campo da educação especial. Pessotti dedica-se às questões que envolvem a deficiência mental em uma perspectiva que analisa as relações com a deficiência mental na história das sociedades ocidentais. Bueno reporta-se à discussão de práticas de segregação e integração de pessoas tidas, à época da realização de sua tese, como excepcionais em estudo realizado no Estado de São Paulo.

De maneira geral, Jannuzzi, Mazzotta, Pessotti e Bueno são indicados como fonte de consulta da quase totalidade dos textos do campo da educação especial posteriormente produzidos que, em algum momento, reportam-se a aspectos históricos desta educação. Apresentam, no entanto, um limite expressivo: os fatos e dados apresentados referem-se normalmente aos impactos das políticas nacionais nas regiões sudeste e sul, com relatos esparsos referentes a instituições regionalizadas em alguns estados do nordeste.

Em uma consulta à produção acadêmica brasileira disponibilizada no Banco de Teses da CAPES19, tomado como descritor história da educação especial, do conjunto de resumos apresentados, encontramos apenas oito trabalhos, que especificamente tratam de estudos históricos. Uma análise dos resumos dos demais trabalhos apresentados a partir desse descritor indica que no interior das teses e dissertações foram realizadas revisões históricas, como elemento constituinte do texto, fundamentando a análise e a compreensão dos diferentes temas centrais propostos pelos autores, não se tratando de pesquisas de natureza essencialmente histórica.

Dos trabalhos encontrados com o descritor história da educação especial, que tem a contribuição neste campo como foco central, seis são dissertações e duas teses desenvolvidas em programas de pós-graduação em Educação e Educação Escolar de instituições públicas de ensino superior, que estudam os processos de desenvolvimento histórico da educação especial em regiões específicas do país, sendo três de estudos da região nordeste, um do norte, um do sul, dois do sudeste e um cujo foco atinge políticas de âmbito nacional. Interessante destacar que são trabalhos desenvolvidos entre os anos de 1997 a 2011 e que utilizam procedimentos metodológicos que superam a perspectiva historiográfica presente nos trabalhos anteriormente existentes, que priorizavam como fonte de pesquisa os documentos escritos.

Estas teses e dissertações, cujos resumos encontram-se disponibilizados no Banco de Teses da CAPES e cujos textos integrais encontram-se em sua maioria integralmente acessíveis em arquivos eletrônicos, se apoiam também em outras bases metodológicas como, por exemplo, a Nova História Social ou a História Oral, trazendo à baila, as vozes dos atores que construíram estas trajetórias sem, entretanto, destacar análises documentais e estudos bibliográficos.

Botura (2006) estuda a história da Educação Especial na cidade de Ribeirão Preto – SP, pelo viés das instituições filantrópicas. Destaca a ausência de políticas públicas como fator determinante do surgimento dessas instituições. Afirma usar pesquisa histórica descritiva,

19Anexo E.

com abordagem qualitativa, apoiada em entrevistas semiestruturadas, análise documental e consulta a artigos de jornais.

Holanda (2007) traça uma análise histórica da Educação Especial na cidade de João Pessoa- PB, com o objetivo de criar uma fonte documental sobre esta na cidade. Aponta o atendimento especializado como precursor nas transformações sociais que favoreceram a inclusão social de pessoas com deficiência. Indica utilizar a metodologia da história oral, a partir de depoimentos e memórias dos que compõem a Educação Especial em João Pessoa.

Krause (2002) discute a educação de pessoas com deficiência em escolas comuns e suas implicações para as práticas pedagógicas nestas escolas. Trabalha com o que denomina como “história oral temática” de professores e alunos envolvidos neste processo considerado pela autora como inclusivo.

Mattos (2004) ao realizar estudo acerca das políticas educacionais que se efetivam em Sergipe no período 1977 a 2001, acaba por destacar a forma como a criação de órgãos de gestão, incentivada pelo Ministério da Educação a partir da década de 1970 determina encaminhamentos no tocante à formação de professores especializados e implantação de classes especiais neste período.

Souza (2000) objetiva resgatar a história da Educação Especial em Sergipe, com destaque para as trajetórias das instituições públicas, particulares e filantrópicas. Focaliza a trajetória histórica da Educação Especial em Sergipe, no contexto da Educação Geral e da Educação Especial no Brasil e no mundo. Metodologicamente desenvolve uma pesquisa histórica com abordagem dialética, valendo-se da história oral instrumental como técnica.

Souza (1997) realiza uma análise descritiva e crítica do percurso histórico da Educação Especial no Pará, desde sua implantação até o período de concretização do trabalho, baseada em relatos pessoais de 10 sujeitos participantes de entrevistas semiestruturadas através das quais a autora conclui a necessidade de reconstrução de pressupostos teóricos, filosóficos, ideológicos e metodológicos para a construção de uma “escola pública e gratuita de qualidade”.

Rosado (2010) pautando-se na perspectiva da Nova História Cultural, reconstitui a história da educação especial no Piauí no período de 1960 a 1990, a partir das memórias das professoras da educação especial. Apoia-se também em documentos, no intuito de compreender os processos pedagógicos dos serviços especializados de natureza filantrópica ou pública.

Vellosa (2010) utiliza-se da perspectiva de reconstituição autobiográfica, para rememorar os caminhos escolares e formativos de um grupo de professores da educação especial do município de Araraquara-SP, considerando como trajetória evolutiva o percurso construído no rumo da inclusão escolar de pessoas com deficiência.

Rafante (2011) analisa a contribuição de Helena Antipoff, visando compreender sua participação, bem como das instituições criadas por ela, na constituição da educação especial no país. Percorre, em sua investigação, a retomada de aspectos da vida pessoal de Helena, bem como suas ações na área desde a década de 1930 até sua participação nos processos que se desenvolvem até a criação do CENESP em 1973.

Esta consulta ao Banco de Teses da CAPES realizada em janeiro de 2013, com o descritor história da educação especial leva a um outro expressivo conjunto de teses e dissertações que não se referem especificamente a estudos que possam ser caracterizados como de natureza histórica. Estes trabalhos, que optamos por não descrever aqui, indicam, em seus resumos, ter realizado revisões históricas da Educação Especial no Brasil, como ferramenta para a compreensão de diferentes temas.

Esse esforço em retomar aspectos históricos da área, demonstra a importância atribuída pelos pesquisadores aos estudos históricos, para a análise de diferentes problemas de pesquisa. Trata-se de trabalhos desenvolvidos em sua maioria em programas de pós- graduação da área da Educação e da Psicologia e Psicologia da Educação, mais de dois terços deles produzidos em instituições públicas de ensino superior.

Alterando os descritores de consulta ao Banco de Teses da CAPES para o âmbito de outras categorias de alunos considerados em nossa Política Nacional de Educação Especial (BRASIL, 2008), como parte da Educação Especial, como os deficientes (mentais, visuais, físicos, auditivos), alunos com altas habilidades ou transtornos globais do desenvolvimento, não encontramos registros de teses ou dissertações. No entanto, ao pesquisar história da

educação de surdos, seis trabalhos são indicados.

Dos seis trabalhos que se dedicam à história da educação de surdos, cinco foram desenvolvidos em programas de pós-graduação em Educação e um deles em um programa de pós-graduação em Filosofia e História da Educação. Trata-se de quatro dissertações e duas teses. Três deles focam o olhar em perspectivas de estudo de âmbito nacional, sendo os demais estudos regionais: uma das dissertações referente ao estudo de uma política regionalizada no centro-oeste brasileiro e outras duas estudando processos de educação de surdos em municípios do sul do país (Campo Largo e Caxias do Sul).

Duarte (2009) investiga a história da educação de surdos no Brasil, no período de 1961 a 1996, utilizando de análise bibliográfica. Expõe momentos históricos que na perspectiva da autora, foram responsáveis por culminar com a educação que é hoje oferecida aos surdos. A autora explicita ainda a opinião de que a educação bilíngue seja a melhor proposta para a educação dessa população, ressaltando que esta não se concretiza em nosso país pelas condições políticas e legais atuais.

Rocha (2009) analisa em sua tese os efeitos de narrativas dicotomizadas para a história da educação de surdos, tomando como campo de investigação o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Analisa como o INES vem sendo narrado pela produção bibliográfica que se consolidou no campo da educação de surdos a partir dos anos noventa. Utiliza fontes de natureza documental e iconográfica, além de entrevistas. Para a compreensão dos processos de memória e história toma como referência autores como Halbwachs, Le Goff e Duby.

Moro (1997) utiliza de reflexões relativas à História da Educação Especial no Estado do Mato Grosso do Sul, para analisar as políticas de Educação de Surdos efetivadas na década de 1990, naquele local.

Soares (1996) analisa a incorporação do oralismo como método pedagógico para a educação de surdos na década de 1950, através das iniciativas do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Constata que a história da educação da criança surda desenvolveu-se “ao largo das discussões e transformações que envolveram a educação brasileira”.

Gonçalves (2011) reconstitui a trajetória histórica de uma instituição de atendimento a surdos de Campo Largo, Paraná, e sua forma de organização do trabalho didático. Em relação aos procedimentos metodológicos utiliza análise documental e entrevistas semiestruturadas.

Neves (2011) estuda como ocorreu o processo de educação dos surdos em Caxias do Sul no período de 1960 a 2010. Utiliza como método de investigação a História Oral, entrevistando surdos que estudaram em determinada instituição escolar, mas se utiliza também da análise de documentos como decretos de criação, correspondências, livros de atas, projetos pedagógicos e fotografias. Como referencial teórico de análise pauta-se na perspectiva foucaultiana.

Tomando-se como descritor a história da “educação inclusiva”, quatro trabalhos indicam, em seus resumos, realizar revisões históricas sobre o que denominam de “educação inclusiva”. Interessante notar que, destes, apenas uma tese de doutorado é produzida no

âmbito de um programa de pós-graduação em Educação de instituição privada, sendo os demais trabalhos desenvolvidos em programas de pós-graduação de instituições públicas em áreas diversas como a Linguística, a Psicologia Escolar e a Música.

Investigando a presença da história da educação especial em periódicos indexados, buscamos inicialmente em revistas científicas especializadas no campo da História da Educação. Dentre estas destacamos a Revista Brasileira de História da Educação vinculada à Sociedade Brasileira de História da Educação; a revista Cadernos de História da Educação, publicada pela Universidade Federal de Uberlândia e o periódico publicado em meio eletrônico pelo grupo HISTEDBR – da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas.

Na Revista Brasileira de História da Educação, não encontramos nenhum artigo cujo tema aborde a história da educação especial. Na revista Cadernos de História da Educação, Miranda (2008), apresenta artigo com resgate histórico da educação especial no Brasil, apoiada em outros artigos produzidos por pesquisadores tradicionais deste campo de maneira geral.

Nas publicações do HISTEDBR, encontramos quatro artigos publicados entre os anos de 2004 e 2009 que tratam em seus temas, de aspectos históricos da educação especial: Romero e Noma (2004) discutem as políticas educacionais brasileiras no campo da educação especial no período pós 1990; Santos (2005) discute a tradição escolar de exclusão das pessoas com necessidades educacionais especiais em seu processo de construção histórica; Rafante e Lopes (2009) analisam o processo educativo desenvolvido por Helena Antipoff, junto aos chamados “excepcionais”, tomando como foco de análise suas relações com o trabalho; Barbosa, Souza e Toscano (2008), discutem a inclusão da criança com deficiência auditiva como um dos desafios na história das políticas educacionais brasileiras.

Tomamos ainda como focos de estudo, revistas científicas do âmbito da educação como a Revista Brasileira de Educação que concentra a produção de pesquisadores vinculados à Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação – ANPEd, que dispõem de Grupos de Trabalho no âmbito da História da Educação – GT 2 e da Educação Especial – GT 15, além da Revista Brasileira de Educação Especial, da Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial - ABPEE.

Na Revista Brasileira de Educação, encontramos o artigo de Mendes (2006) que analisa as raízes históricas do movimento de inclusão escolar de pessoas com deficiência no sistema regular de ensino e seus impactos na realidade brasileira. Discute a tese de que esta se

dá no movimento contraditório entre o assumir o princípio moral de assegurar os direitos de todos os indivíduos e de representar também a adoção de uma “ideologia importada” como modismo e o artigo de Reily (2007), que discute “o papel da igreja nos primórdios da educação de surdos”. O tema deste artigo foi também apresentado pela mesma autora, na 26ª Reunião Anual da ANPEd, no Grupo de Trabalho Educação Especial - GT 15 com ênfase à abordagem de aspectos históricos relacionados à origem das línguas de sinais.

Na Revista Brasileira de Educação Especial, encontramos a maior concentração de artigos sobre aspectos históricos da Educação Especial. Cumpre destacar, no entanto, que estes em sua quase totalidade são artigos produzidos entre os anos de 1992 e 2000, que tratam de temas específicos da história da educação especial, em alguns casos com foco na realidade brasileira como os artigos de Ferreira (1992), Bianchetti (1995) e Minto (2000); em outros casos, autores como Guhur (1994), Santos (1995) e Odeh (2000) tratam da constituição histórica da educação especial e das relações com a deficiência a partir dos primórdios das sociedades humanas, na realidade europeia e no hemisfério sul respectivamente. Mais recentemente, Sofiato e Reily (2012) apresentam um estudo histórico sobre o primeiro dicionário brasileiro de Língua de Sinais, fazendo uma justaposição deste com a obra francesa que lhe serviu de matriz.

Analisando-se as produções de pesquisa apresentadas nas reuniões da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação - ANPEd entre a 23ª e 33ª reunião, não existem trabalhos relacionados diretamente à História da Educação Especial no Brasil, nem no Grupo de Trabalho 02, que trata da História da Educação, nem no Grupo de Trabalho – GT 15, que trata da Educação Especial.

Na 34ª Reunião Anual da ANPEd, em um momento em que o GT – 15 trabalha também pela retomada de sua própria história e influências na área, destaca-se o trabalho de Rafante e Lopes (2011) que apresenta um recorte da tese de Rafante (2011) em que a autora, ao estudar a participação de Helena Antipoff no desenvolvimento da Educação Especial no Brasil e o papel das Sociedades Pestalozzi no estabelecimento de políticas públicas em Educação Especial no Brasil, recompõe uma retomada significativa de nossa constituição histórica. Reflexo da importância que se atribuiu a este trabalho foi a realização de minicurso com esta mesma temática, por Rafante na 35º Reunião em 2012.

Em um ‘sobrevoo’ mais amplo pelo tema, outros textos, focados na história da infância e de grupos sociais tidos como ‘marginais’ também forneceram elementos de apoio e reflexão expressivos. Dentre eles, destacamos Lobo (2008) que, ao estudar os que nomina

como “Infames da História”, faz um apanhado da trajetória social que levou a emergirem, ganharem visibilidade e categorizações (dentre outros) os deficientes e os doentes mentais no Brasil, possibilitando uma maior compreensão do processo classificatório que, nascido do campo do caritativo, passa a constituir-se em questão médica, agregando todas as diferenciações de desenvolvimento e comportamento num mesmo ‘caldeirão’, de onde posteriormente, se iniciam as diferenciações de perfil e necessidades entre os sujeitos tidos como acometidos por doenças mentais e deficiências mentais.

O entendimento desse processo é, sem dúvida, fundamental à compreensão inclusive do como as sociedades vêm pensando esses sujeitos “da falta” como seres em formação e, portanto, sujeitos também da Educação.

Alguns estudos do campo da História da Infância no Brasil, como os organizados por Freitas (2006) e Priore (2010) retratando aspectos diversos da história das crianças brasileiras da colônia aos dias atuais, oferecem uma panorâmica do contexto onde encontram-se inseridas também as crianças que, já no século XX, vieram a ser categorizadas como “alunos da educação especial”. São tópicos gerais que nos auxiliaram na construção de uma visão geral sobre o tema, em especial do nascimento das instituições especializadas filantrópicas no Brasil, levando às reflexões que nos possibilitaram estabelecer o contraponto com a educação especial que se concretizou em Roraima.