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3. A TERRA DE MAKUNAIMA

3.1 Roraima no espaço físico

Estado parte da Amazônia Ocidental, Roraima é um dos nove estados que compõem a chamada Amazônia Legal23 e faz fronteiras com a República Bolivariana da Venezuela, com a República Cooperativista da Guyana e com os estados do Pará e Amazonas. Com pouco mais de 224 mil km², tem uma extensão territorial superior à de muitos estados brasileiros e

23A porção brasileira da Amazônia Legal abrange um universo composto de 09 estados: Acre, Amapá,

segundo os dados do IBGE do Censo Demográfico de 2010, o menor volume de população em uma densidade demográfica de 2,05 habitante por km².

O imaginário coletivo entende a paisagem amazônica como povoada de florestas altas e densas com forte umidade. Não é esta a situação da maior parte do território onde o Estado de Roraima se localiza. É clássica uma imagem publicada em página dupla em um exemplar da Revista IstoÉ, nos primeiros anos da década de 1990, apontando o que é traduzido como a apresentação de um retrato do desmatamento local. Integra uma das falácias de difícil desmentido, nas relações tumultuadas com a imprensa nacional: a imagem aérea apresenta como se resultado de devastação fosse, uma ampla região do chamado lavrado denominação dada a uma área típica de savana estépica - que cobre cerca de 1/3 do território, onde não houve – pelo menos nos últimos milênios -, cobertura de árvores que pudessem ter sido derrubadas.

Lavrado é a denominação convencional atribuída à vegetação existente na área denominada como Campos do Rio Branco e que se constitui como uma região de savana, composta pelas presenças de gramíneas e de esparsas árvores resistentes como o caimbé e o murici. Trata-se de região cujo relevo plano e extenso, favoreceu a ocorrência de maior povoamento.

Nestas áreas, são abundantes pequenos cursos d’água – os igarapés - , cujo fluxo de água varia intensamente ao longo do ano em acordo com as estações: de águas (abril a setembro) ou de estiagem (outubro a março). Além dos igarapés, são também comuns na área dos Campos do Rio Branco, lagoas de tamanho variável, em formato circular cujo diâmetro também se altera ao fluxo das estações.

Purceno (1999, p. 18) registra um aspecto relevante do contexto local: “as relações com o clima são essenciais no cotidiano das pessoas em Boa Vista, as sensações de conforto ou desconforto corporal são ‘ditas’ por suores e palavras, elas permeiam insistentemente os dias de chuva ou de sol” inclusive com impactos significativos em condições de saúde que podem implicar no desenvolvimento de condições de situações causadoras de deficiência, como, por exemplo, a incidência de deficiências de audição, cuja causa pode ser associada como possivelmente decorrentes da malária.

O relevo marcado por áreas planas predomina na região mais central do Estado, onde se localiza a capital e onde temos a maior concentração de espaços urbanos e de regiões com produção agropecuária, sem guardar qualquer semelhança com as imagens tradicionais das florestas que compõem o imaginário acerca da região amazônica.

Apenas nas regiões oeste e sudoeste do Estado, encontramos a Floresta Tropical densa, formada por uma cobertura vegetal cujas árvores podem ter de 25 a 50 m. Já no Baixo Rio Branco, região de mais elevada umidade, com frequentes inundações, temos uma vegetação florestal baixa denominada de Campirana. (MAGALHÃES, 2006)

Nas fronteiras do Estado concentram-se planaltos onde grandes serras implicam em acidentes geográficos que dificultam o trânsito e cujo acesso, mesmo com registro de incontáveis riquezas minerais tem, historicamente, sido limitado.

Ao contrário também de outros estados localizados na Amazônia Ocidental, a condição de relevo acidentado se estende aos principais rios, que apresentam cachoeiras, quedas, corredeiras e bancos de areia que os fazem intransitáveis nos períodos de estiagem; mesmo no inverno, pouco seguros para o uso como vias de navegação, sendo este, um dos fatores que contribuiu para que a ocupação territorial ocorresse com maior intensidade apenas a partir de meados do século XX com o incremento do transporte aéreo e a concretização de abertura de estradas que deram acesso ao centro urbano de maior representatividade, Manaus.

A exceção a este quadro é o Rio Branco, que atravessa o Estado de norte a sul (no sentido do Rio Negro), em cujas margens se estabeleceram os primeiros povoamentos que, na atualidade, tornaram-se municípios, ainda assim sendo apenas parcialmente navegável, em períodos restritos do ano, tendo sido a artéria por onde se deu o povoamento de Roraima.

Caminhos terrestres utilizados pelos indígenas, surgem registrados já nos mapas holandeses do século XVII como orientação ao viajante que navegava do litoral em direção ao Rio Branco. Interligam rotas que atravessam o território como trilhas que em si já representam uma marca cultural dos povos indígenas dessa região das Guianas como mecanismos de comunicação entre o litoral e o interior representado pela região do Rio Branco em Roraima. São trilhas, entretanto, que aparecem nos registros etnográficos como desafiadoras, mesmo na presença de guias experimentados na região e sua apropriação, ou a criação de caminhos alternativos para locomoção dos europeus que por aqui vinham se instalar deu-se mais tardiamente.

Em termos de condições climáticas, dispor de apenas duas estações: a das chuvas (chamada inverno) e a de secas (verão) é característica comum da região amazônica. No entanto, por localizar-se quase totalmente no hemisfério norte, não há coincidência entre as épocas de chuvas com Manaus (por exemplo) que é a capital mais próxima de Boa Vista. Enquanto em Roraima a seca é intensa em janeiro e dezembro e o pico das chuvas em junho e julho, o Amazonas vive exatamente a situação inversa. Se considerarmos que o único acesso

rodoviário ao restante do Brasil se dá pela estrada federal denominada BR 174 que liga Pacaraima (extremo norte de RR) a Manaus (capital do Amazonas) temos que, ao longo de todo o ano, algum dos trechos da estrada (precária e “mina de ouro” das empresas de engenharia que a ‘refazem’ todo ano) estará com trânsito restrito.

O regime de chuvas da região tem um impacto significativo na organização dos grupos sociais, com implicações culturais e econômicas significativas. Ainda em termos climáticos, guardadas as discrepâncias esperadas para um território tão amplo, registramos na capital e seu entorno, temperaturas elevadas, com médias entre 26 e 30 graus ao longo do ano e variação ao longo do dia que dificilmente excede 10 graus. As altas temperaturas são ainda marcadas pela ocorrência de ventos e por um índice de umidade menos intenso que nas regiões de floresta.

É uma natureza que surpreende aos migrantes do Brasil e do exterior, ‘estrangeiros’ que buscam transpor seus limites. É uma natureza que segue uma lógica própria que nos permite categorizá-la como ‘indomável’. Na cultura popular, o poeta canta como defensor da Amazônia 24 , o mosquito da malária, um dos inimigos naturais que vem, ao longo dos séculos, dificultando, e em alguns casos, impedindo a fixação humana na região.

Na atualidade, o acesso à Roraima ainda se dá prioritariamente por via aérea. Mesmo com a existência da BR – 174, que faz a ligação de Manaus a Pacaraima, passando por alguns dos municípios com maior representatividade populacional, o acesso por via terrestre é limitado pelas más condições de trafegabilidade que torna o percurso já por si bastante longo – aproximadamente 800 quilômetros entre as duas capitais – em um trajeto bastante desconfortável e que se encerra na chegada a Manaus, cuja saída rumo aos demais estados brasileiros só se dá por via aérea ou fluvial em trajetos cuja distância é demarcada em dias.

Esta peculiaridade, dado o alto custo do transporte aéreo em nosso país, torna Roraima, ainda na atualidade, um lugar cuja trajetória de acesso se aproxima em termos de valores e de horas gastas no deslocamento (em função das escalas e conexões) ao acesso à capitais norte-americanas ou europeias. A isso se acrescem as dificuldades de comunicação ampliadas pela lentidão do acesso às novas tecnologias, cuja chegada em geral se dá de maneira tardia e com custo restritivo. Só a título de ilustração, no momento em que se dá a produção desta tese, o acesso à rede de internet em banda larga é realidade apenas em

24 Hoje quem defende a Amazônia / é o mosquito da malária, /se não fosse esse mosquito /a floresta virava

palha, /salve, salve, salve ele/ viva sua febre incendiária /o maior ecologista da Amazônia /é o mosquito da malária, /não adianta SUCAM /jogar DDT na sua área, /super-defensor da Amazônia /é o mosquito da malária. (Armando de Paula e Eliakim Rufino acessível em http://www.youtube.com/watch?v=uYVXAmwpFfY)

algumas ruas da área central da capital e, os municípios do interior, em sua maior parte, dispõem de internet apenas em polos da UNIVIRR – Universidade Virtual de Roraima.

São condições geográficas que impactam significativamente as condições de formação, de construção de conhecimentos, de pesquisa e de acesso às práticas convencionadas nos maiores centros de produção e difusão do saber do país. Ao tempo que esta limitação restringe a aplicação de saberes já convencionados, abre uma possibilidade de abertura para a adoção de práticas não convencionadas, um dispor-se ao novo, ao diverso. Esta abertura dá-se de maneira ainda mais intensa se considerada a mescla de culturas e etnias que ocupam esse espaço.