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3. A TERRA DE MAKUNAIMA

4.2 Princípios de institucionalização

4.2.4 De Escola a Centro de Educação Especial

No processo de passagem da Escolinha para o segundo imóvel onde foi instalado, temos mais do que a mudança de espaço físico. Nesse espaço, algum tempo após a mudança e já no momento em que se preparava a construção de instalações definitivas para a Educação Especial, a própria denominação se altera. Como destacado no histórico apresentado no Parecer CEE 34/09, de 14 de setembro de 2009 (RORAIMA, 2009), a Escola então recebe,

Através do Decreto 036, de 14 de agosto de 1983, a denominação de Centro de Educação Especial, permanecendo ali seu funcionamento até sua transferência, em 1984, para o local construído como sua sede definitiva, situada nas dependências do Parque Anauá.

Esta alteração na identidade do espaço onde se realizam as atividades principais da educação especial, não é apenas um processo de alteração pontual. Esta denominação vem embebida de sentidos. A professora Maria Neusa de Lima Pereira, apresenta um ponto de vista acerca desta identidade das ações da educação especial que entendemos ser relevante considerar:

“Durante todo o tempo da educação especial, a gente busca essa questão da educação, mas

ela é vista como assistencial mesmo, como assistencialista mesmo. Dentro da “Assistência ao Educando”, a gente tem muito a questão de equipar a escola, equipar o Centro de Educação Especial com sala de fisioterapia, com os atendimentos, a sala de fonoaudiologia, é como se fosse um centro

terapêutico , um centro mais técnico multidisciplinar e a gente ia colocando a questão da escolaridade ali.”

Talvez um distanciamento da proposta de trabalho da equipe pioneira, mas uma posição coerente com o que acontecia no restante do país, em que o especial da educação encontra-se associado à assistência, à filantropia, à benemerência, muito mais do que a um olhar sobre a pessoa com deficiência que a posicionasse no lugar de sujeito de direitos, dentre eles o direito à educação.

O Território, até 1982, tem apenas dois municípios instalados: Boa Vista e Caracaraí. Estes dois municípios participam ativamente das atividades propostas em todo o país para o Ano Internacional da Pessoa Deficiente. A professora Maria Mirna que havia representado Roraima nas reuniões da Comissão Nacional do Ano Internacional do Deficiente, realizadas no CENESP, no Rio de Janeiro, nos períodos de 30 e 31 de março e de 27 a 30 de abril 66, coordena a execução dessas ações e nos conta:

“Em 1981, quando foi o Ano Internacional da Pessoa Deficiente, o Ottomar, governador, a LBA, etc e tal, monitorou isso tudo e fizeram aqui a programação. Conseguiram levar uma porção de pessoas, e a Hermana [Duarte Reis], a primeira dama de Caracaraí, ela apoiou demais (e ela era de

sair de casa em casa, não era só interesse político não). Aí veio um pedido. Veio uma moça do Paraná, uma síndrome de down que tinha estudado fora. Levantou essa criança e pediu que queria escola, que ela queria estudar. Era uma menina de uns 15 anos e com as dificuldades dela, ela conseguiu se expressar bem. Ottomar, o pessoal que estava lá todo, ele virou e falou; “professora, agiliza isso aí”. Me chamou e mandou agilizar. O evento era para se falar o que se queria conquistar. Foram autoridades daqui, secretários, etc e tal, e de lá também.”

Caracaraí, em 1980, era um município com 12.309 habitantes, considerando-se suas áreas rural e urbana. Ainda não haviam sido construídas as pontes de acesso. Cada ida àquele município implicava num trajeto de pelo menos seis horas em estrada de terra com travessia de balsa em condições precárias. A infraestrutura urbana também era bastante deficitária, embora fosse aquele o município aonde se dava a parada final das embarcações provenientes de Manaus ou do sul do Território pelo Rio Branco.

A parceria que viabilizou o projeto foi da Prefeitura Municipal de Caracaraí, que realiza a locação de uma casa, onde se instala uma unidade da Educação Especial naquele município:

66Conforme ofício SEC/RR/GAB nº 163/81 de 27 de março de 1981 e Decreto do Governo Territorial de 23 de

“Com o apoio da primeira dama e do prefeito, o Dr. Antonio [Reis]. Alugaram um local e nós fomos ver o local e eu fiquei por lá nem sei quanto tempo para localizar e ficou que nem nós começamos aqui. Uma casa alugada...E tinha muita gente que a primeira dama achou. [...] Depois eles construíram o Centro. Lá a prefeitura assumiu mesmo, era uma parceira que a gente podia contar com eles e construíram o prédio. Aí ia nas escolas, o mesmo trabalho que a gente fez aqui, divulgando nas escolas eles fizeram lá.” [Mirna Souto Maior]

O Centro de Educação Especial de Caracaraí, atualmente Centro de Educação Especial Denise Messias Santos é inaugurado em 12 de março de 1982 67. É no nascimento do Centro de Educação Especial de Caracaraí que identificamos o primeiro movimento vindo da comunidade de reivindicação de um serviço na área. Mesmo que ainda não representando um movimento social organizado, a manifestação de uma cidadã posta em um momento adequado politicamente disparou um movimento relevante para toda a coletividade.

Na avaliação de Rosana Magalhães que, em 1983 esteve também como estagiária da UFSM nas ações do Projeto Rondon, naquele momento já se contava com algo em torno de 30 alunos:

“Caracaraí a gente naquele tempo não tinha a estrada asfaltada. Era estrada de chão. Então Caracaraí a gente era mais no ritmo assim de orientação, lá fui só eu e a colega da fisioterapia. Então era mais no nível de avaliação e de orientação aos professores. A gente dava algumas dicas, deixava material. Isso era uma coisa que já a colega anterior que vinha disse: ‘leva material, que lá não tem nada, então tudo que tu puder levar de material assim para deixar para eles ou para dar alguma orientação nesse sentido, você leva.” Eu lembro que a gente vinha sempre com uma sacola extra de material para poder fazer algum exercício com as crianças e também para poder deixar alguma coisa. Então Caracaraí era assim: a gente tentava mais avaliar, ver o que que eles tinham lá. Geralmente as professoras ou a diretora dizia: ‘esse aluno a gente não sabe o que fazer, dá uma olhada’. A gente tentava dar uma avaliada e tentava orientar alguma coisa para que eles tivessem algum ponto de referência.”

O diferencial básico entre este processo e o realizado em Boa Vista é que, não tivemos a existência de Classes Especiais em Caracaraí neste período. A trajetória da Educação Especial se inicia já no formato de Centro de Educação Especial com o apoio externo de especialistas da área clínica como os estagiários da UFSM e os técnicos atuantes na Coordenação de Educação Especial da Secretaria de Educação e Cultura do Território.

E quem eram os profissionais que conduziam as ações da Educação Especial no estado de Roraima neste período? Não havíamos tido um processo prévio de formação de quadros

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Embora o registro da existência do Centro de Educação Especial de Caracaraí seja de 1982, oficialmente há o Decreto Territorial 025 de 12/10/1988 que cria várias Escolas de 1º Grau na Zona Rural do Território, publicado no Diário Oficial número 715, de 08 de dezembro de 1988, durante a administração do governador Romero Jucá Filho, que inclui este Centro como uma das escolas de 1º grau criadas em Caracaraí.

aptos a atuar na área e mesmo a contratação de profissionais qualificados apresentava seus limites. O que os dados nos mostram é a construção do caminho, no próprio processo de caminhar, como veremos a seguir.