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ARQUITETURA E URBANISMO

ASCENSÃO DE VILANOVA ARTIGAS (1953-1958)

A formatura da primeira turma de arquitetos da FAU e da última da Poli, no fim do ano letivo de 1952, marcou o encerramento de um ciclo da escola. Entre 1953 e 1958, as tentativas de reforma do ensino e a consolidação institucional da FAU seriam conduzidas pelos diretores engenheiros Luiz Cintra do Prado (1953-1954), Lysandro Melo Pereira da Silva (1954-1956) e Pedro Bento José Gravina (27/11/1956 a 23/02/1959).

Do lado das tentativas de reforma, um grupo de estudantes foi buscar referências do ensino no exterior ainda durante a greve de 1952.62 Jon Maitrejean, aluno da segunda turma,

lembra que em julho daquele ano “fomos para o Uruguai e tivemos contato com a Faculdade de Arquitetura de Montevidéu, que era única, enorme”.63 Ruy Gama completa que os

estudantes programaram a viagem para “ver o sistema de ateliês que funcionava lá e que a gente sempre tinha ouvido falar e queria aplicar na FAU”.64

Após a greve de 52, queixas a respeito das heranças da Poli e do currículo imposto pelo padrão federal ainda repercutiam. Os alunos reclamavam do distanciamento dos professores, que apenas passavam para lecionar suas aulas e logo retornavam aos seus escritórios. Mas desde então, a principal reivindicação passou a ser a representação dos arquitetos no quadro docente.

“Nos anos subsequentes instalou-se um antagonismo intelectual entre o ‘corpo discente’ em torno das diretrizes culturais adequadas a uma Escola que pretendia absorver os mais avançados parâmetros da cultura contemporânea, e um ‘corpo docente’ que está visto, em grande parte, como indigno de uma Escola Superior”.65

Essas reivindicações acumularam apoios com o passar do tempo, através da participação dos alunos nos primeiros Congressos Nacionais de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo, como os de Salvador, em 1952; Recife, em 195366 e Porto Alegre, em 1954; e diversas

62 Os alunos da FAU mantinham o hábito de viajar em grupo para congressos, viagens de estudo e missões de documentação,

muitas vezes acompanhados de professores e com apoio oficial da escola. Inspirados pelo trabalho do SPHAN conduzido por Luiz Saia, Rodrigo Mello Franco e Mário de Andrade, os alunos organizaram a maioria dessas viagens a partir do Centro de Estudos Folclóricos do Grêmio dos estudantes. Através do folclore nacional os alunos estabeleciam um vínculo entre a arquitetura e o povo brasileiro, fosse ela barroca, moderna ou vernacular. O espírito documental que fez parte da formação das

atividades culturais do GFAU que expunham a obsolescência do ensino diante de uma nova visão cultural: exposições, palestras, cursos livres, projeção de filmes, publicações independentes, etc.

A primeira resposta dos diretores foi buscar renovar o quadro docente e ampliar a contratação de professores arquitetos, que se tornaram maioria em 1954. Entre 1953 e 1958 a FAU contratou 20 arquitetos, 7 engenheiros e 4 artistas, 2 sociólogos e 1 estatístico. Os arquitetos, de formação diversificada, incluíram os italianos Rino Levi (1901-1965, Roma/54-59) e Achillina Bo Bardi (1914-1992, Roma/55-56); arquitetos formados no Rio de Janeiro: Enoch da Rocha Lima (?-?/53-60), Manuel da Silva Machado (?-?, FNA/54-57), Roberto José Goulart Tibau (1924-2003, FNA/57-86); e em São Paulo: Eduardo Kneese de Mello (1906-1994, Mack/55-76), Oswaldo Correa Gonçalves (1917-2005, EP/54-55), Roberto Cerqueira César (1917-2003, EP/54-66), Jacob Mauricio Ruchti (1917-1974, Mack/54-61), Carlos Alberto Cerqueira Lemos (1925, Mack/54-95), Luiz Roberto de Carvalho Franco (1926-2001, Mack/58-68); além dos primeiros egressos da FAUUSP, Luiz Gastão de Castro Lima (1927-2003/56-72), Jon Andoni V. Maitrejean (1929/55-69 e 80-87), Nestor Goulart Reis Filho (1931/56-01), Lucio Grinover (1934/58-88), Joaquim Manoel Guedes Sobrinho (1932-2008/58-00) e Dario Imparato (?-?/58-66). Também foram contratados os paisagistas Daisy Ruth Igel Hoffenberg (?-?/54-57) e Rodolpho de Almeida Fernandes (1929, FAU, 57-68); e o urbanista Lauro Bastos Birkholz (1917-2012, EP/57-87). Entre os engenheiros estavam Klaus Reinach (?-?/53-?), Jorge Polacco (?-?/54-?), Paulo Novack Filho (?-?/54-59), José Carlos de Figueiredo Ferraz (1918-1994, EP/54-70), Carlos Rodrigues Ladeira (?-?/55-?), Paulo Ferraz de Mesquita (?-?/58-72), Paulo Sampaio Goes (?-?/53-66), Victor Manoel de Souza Lima (?-?/58-70) e o ex-governador, Lucas Nogueira Garcez (1913-1982, EP/57-66).

Os artistas eram Olga Elisabeth Nabiling Schoenfeldt (?-?/54-55), Renina Katz Pedreira (1925/56-83), Guelfo Oscar Oswaldo Campiglia (1907-1968/59-62) e Élide Monzeglio (1927- 2006/58-97); os sociólogos, Mario Wagner Vieira da Cunha (1912-2003/54-60) e Juarez Rubens Brandão Lopes (1925-2011/54-75); e o estatístico, Álvaro Marchi (?-?/54-55).

Ao que parece, na virada para o ano letivo de 1954 todos os contratos de docentes da FAU chegaram a ser suspensos pelo diretor em um suposto apoio aos alunos que pediam a renovação do quadro docente.67 Nessa ocasião, o Conselho Universitário teria afastado os

professores efetivos de outras unidades, mas esse era o caso de poucos professores. Na verdade, parece só ter afetado Lourival Gomes Machado, professor da FFCL, e Vilanova

Artigas, da Poli. Mas é muito provável que o afastamento de Artigas se devesse a razões políticas, por causa de suas viagens à URSS em 1953 e à Polônia em 1952 e de seus textos radicais na revista Fundamentos.

Desde 1948, Artigas regia a cadeira de ‘Pequenas Composições de Arquitetura’ na FAU.68

Sua cadeira tinha uma disciplina no 1º ano, que a partir de 1949 ficou a cargo de Zenon Lotufo (também auxiliar de Anhaia Mello) e outra no 2º ano, ministrada por Artigas com o auxílio de Abelardo de Souza. Artigas acumulava o cargo na FAU com o de professor da Politécnica, onde se tornara professor Assistente (estável) em 1950. A situação de Artigas na Poli, contudo, era problemática. Em 1953, havia lecionado ‘Estética, Composição Geral e Urbanismo’ para um único aluno remanescente do curso de arquitetura.69 No ano em que

ele foi afastado da FAU os dois últimos arquitetos da Politécnica se formaram. E em 1955, Artigas regeu ‘Noções de Arquitetura e Construções Civis. Higiene das Habitações. História da arquitetura’ para engenheiros civis.70

Apesar de afastado, Artigas permanecia sendo uma referência para os alunos da FAU, que o elegeram paraninfo dos formandos de 1955.71 O respeito dos alunos pode ter sido

determinante para que, em agosto de 1956, o reitor Alípio Corrêa Netto decidisse lotar Artigas num dos primeiros cargos de Assistente (estável) da FAU – provavelmente o primeiro.72 Zenon Lotufo, que havia assumido a cadeira de ‘Pequenas Composições’ na

ausência de Artigas, o indicou para lecionar novamente no 2º ano. Nesse meio tempo, seu antigo auxiliar, Abelardo de Souza, havia sido nomeado regente da nova cadeira, ‘Pequenas Composições II’, para o 3º ano. Em resumo, Artigas havia perdido seu auxiliar e passava a estar subordinado à Zenon Lotufo, porém, como assistente estável.

Nesse meio tempo, paralelamente à renovação do quadro docente, os diretores engenheiros trabalharam para aprovar o regulamento da FAU e realizar os primeiros concursos para catedráticos. Por razões desconhecidas a comissão responsável pela elaboração do regulamento, instituída por Anhaia Mello em 1949 (composta por Magro, Neves e Artigas) não havia avançado. Desse modo, a FAU se mantinha sob o regulamento da Escola Politécnica e por esta razão estava impedida de realizar os concursos para preenchimento

das cátedras. Em 19 de novembro de 1954, uma portaria do reitor criou a Comissão de Ensino da FAU, órgão consultivo da diretoria que funcionaria enquanto não houvesse catedráticos para formar a Congregação e Conselho Técnico Administrativo da faculdade.73

Logo em seguida um projeto de lei foi apresentado à Assembleia Legislativa e, em menos de um ano, a Lei 3.233/55, que regulamentou a FAU, foi aprovada.74

O novo regulamento reafirmou, com poucas alterações, as cadeiras e a seriação das disciplinas vigentes desde 1948, e definiu detalhadamente a forma de matricula, o regime didático, a estrutura administrativa e docente, a forma de admissões e concursos, as associações acadêmicas, a organização da biblioteca e das estruturas físicas da escola, a instituição do Centro de Estudos Urbanísticos (CEPEU), seu primeiro centro de pesquisa, entre outros tantos assuntos. Destaca-se o artigo 4º, que previa o agrupamento das cadeiras congêneres em Departamentos; e o artigo 5º, que dizia que o ensino de Composição de Arquitetura seria ministrado preferencialmente em ateliês. Essas duas pautas, que adquirirão sentido muito mais amplo nos próximos anos, não implicaram, naquele momento, em medidas concretas para a integração do ensino.

Como mostra a tabela abaixo, além da renumeração das cátedras, a principal mudança foi a incorporação da cadeira de ‘Plástica’ nas cadeiras de ‘Composição de Arquitetura’, que passaram de duas para quatro. As cadeiras ‘Planologia’ permaneceram previstas para o curso de Urbanismo, que nunca foi implementado. A cadeira de ‘Matéria Legal Legislação. Ética Profissional’, também não foi efetivada. Das vinte e quatro cadeiras, que definiam o curso de arquitetura, sete concentravam as disciplinas práticas e onze eram de ciências aplicadas ou construção, regidas por engenheiros.

Dado o arranjo das cátedras, os arquitetos, que continuavam sendo minoria entre os professores da escola, na melhor das hipóteses chegariam a reger metade delas, considerando as cadeiras de teoria e história da arquitetura e de urbanismo. Desse cálculo dependia o poder na escola e a influência na universidade.

Pelo sistema de cátedras no qual a Universidade de São Paulo estava inscrito, cada cadeira deveria ser regida por um “Professor Catedrático” ou um “Regente de Cátedra” (em caráter interino para professores da USP ou precário para professores externos). Cada cátedra podia reunir uma ou mais disciplinas. Ao “Professor Catedrático” era garantido vitaliciedade e inamovibilidade, além de bons vencimentos e uma equipe composta por auxiliares de ensino. Estes, por sua vez, eram divididos hierarquicamente entre “Professores Adjuntos”,

73 O diretor Lysandro Pereira da Silva indicou o professor Abelardo de Souza para compor a comissão. Ver: ALBUQUERQUE,

“Livre Docentes”, “Assistentes”, “Professores Contratados” e “Instrutores”. O “Assistente” era o primeiro nível estável da carreira, não dependendo da renovação de contratos. Após dois anos como Assistente, o professor seria obrigado a prestar concurso para “Livre Docente” – o que não constituiu uma prática na FAU. O “Professor Adjunto” era o mais alto nível entre os “Livre Docentes”. Finalmente, ao “Catedrático” cabia indicar seus auxiliares ao órgão colegiado e administrar sua equipe, além de participar da Congregação da unidade e poder ser nomeado para o Conselho Universitário e para cargos de direção.