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REALISMO E MONUMENTALIDADE NA TRAJETÓRIA DE VILANOVA ARTIGAS

MONUMENTALIDADE MODERNA (1943-1956)

A partir de meados de 1944, Vilanova Artigas, que até então desenvolvera uma obra relativamente isolada, ou pelo menos mais restrita às tendências arquitetônicas de São Paulo, renovou seu vocabulário, aproximando-se dos arquitetos modernos do Rio de Janeiro. Dalva Thomaz analisou detalhadamente os diversos fatores dessa inflexão, incluindo: escritório, IAB, a repercussão de Brazil Builds, FAU e o engajamento de Artigas no PCB. Apesar desses fatos estarem todos correlacionados, essa convergência com o grupo carioca deve ser primeiramente pensada à luz da repercussão de Brazil Builds, a partir da qual Artigas teria “se dado conta de que enquanto se empenhava por construir isoladamente uma arquitetura de características locais, já despontava ao mundo através dos olhos norte-americanos, uma outra arquitetura reconhecida como brasileira”.26

Apesar da intensa atividade profissional de João Batista Vilanova Artigas no início da década de 1940, o arquiteto ainda era muito jovem quando começou a se destacar no mercado paulistano com suas “casas wrightianas”, e talvez por isso não havia sido mencionado quando surgiu Brazil Builds,27 – o mais importante marco do reconhecimento da

arquitetura brasileira – ainda que, para Mário de Andrade, o arquiteto “paulista” despontasse como um legítimo intérprete daquele movimento:

“Eu creio que este [Brazil Builds] é um dos gestos de humanidade mais fecundos que os Estados Unidos já praticaram em relação a nós, os brasileiros. Porque ele virá, já veio, regenerar a nossa confiança em nós, e diminuir o desastroso complexo de inferioridade de mestiços que, nos prejudica tanto [...]. O Ministério da Educação e jamais o Ministério da Guerra; o edifício Ester e jamais a Faculdade de Direito; uma moradia de Artigas e jamais uma moradia neocolonial”.28

Apesar da consideração de Mário de Andrade, seu amigo, a arquitetura de Artigas até aquela data não se adequava ao projeto historiográfico de Philip Goodwin, orientado pela interpretação “racionalista” de Lúcio Costa.

Artigas já se identificava plenamente com o projeto moderno enquanto ponte entre a renovação cultural e a reforma da sociedade ou, dito de outro modo, entre a modernidade e a modernização. Como arquiteto de prancheta, da prática mais que da teoria, Artigas buscou sua referência em Oscar Niemeyer.

O interesse de Artigas pelo racionalismo carioca não se inclui na onda estilística que sucedeu a exposição e o catálogo Brazil. A nova arquitetura brasileira, longe de aparecer como questão restrita à necessidade de identidades nacionais na América Latina, surgia aos olhos internacionais como uma resposta estética-programática à crise da arquitetura moderna num plano internacional.

Em 1943, Sigfried Giedion, Josep Lluís Sert e Fernand Legèr29 apresentaram uma nova tese

– em Nova York – no mesmo ano e na mesma cidade em que ocorrera a exposição Brazil

Builds. Foi uma novidade dentro do grupo dos CIAMs, se opondo à objetividade que

predominante na arquitetura moderna de então. Para os autores, o sucesso da arquitetura dos regimes totalitários decorria da sua capacidade de ser identificada afetiva e politicamente por indivíduos de uma nova sociedade cujos elos sociais haviam sido corroídos. A isto foi reconhecida a função monumental da arquitetura. Os nove pontos propostos vislumbravam ocupar esse espaço com uma monumentalidade do cotidiano aberta à diversidade, e associada ao Estado democrático. Cabia à arquitetura moderna uma autocrítica e o desafio de substituir a monumentalidade opressora por uma nova monumentalidade. Para isso seria preciso rever os princípios da Nova Objetividade.

Henry Hitchcock30 notou que a monumentalidade das construções incas, maias e astecas

foram referências para a construção de identidades nacionais e populares no México, Peru e Chile. Lucio Costa e depois Philip Goodwin encontraram no barroco brasileiro, de feições autóctones, elementos que cumpriam o mesmo papel.31 Porém, essas “formas do passado

continuavam se reportando à metrópole, e, desse modo, representavam exatamente o que se desejava negar e superar”.32 Com a ausência de um patrimônio material pré-colonial, o

29 GIEDION, Sigfried; SERT, José Luis; LEGÉR, Fernand. “Nine Points on Monumentality” [1943], In: OCKMAN, Joan (org).

Architecture Culture 1943-1968: A Documentary Anthology. New York: Rizzoli, 1984, pp. 29-30.

30 HITCHCOCK, Henry Russell. Latin American Architecture since 1945. New York: Museum of Modern Art, 1955.

31 Posição que seria repetida por Hitchcock e por outros autores, inclusive latino-americanos, como o argentino Francisco

Bulrich. Cabe lembrar que referência ao barroco não é unânime. Argan, por exemplo, prefere referir-se à monumentalidade romana, "mais grave e maciça" como modo de exprimir a "autoridade e estabilidade das instituições civis". Ver: ARGAN, Giulio Carlo. “Arquitetura moderna no Brasil” [1954], In: XAVIER, Alberto. Op. Cit. pp. 170-175. A conexão da arquitetura moderna com a tradição colonial, eclipsando o ecletismo do século XIX e início do XX, foi constituída por Lúcio Costa e desenvolvida por Goodwin (1943), Mindlin (1956) e Bruand (1981). Ver: MARTINS, Carlos A. F. Arquitetura e Estado no Brasil: Elementos para uma investigação sobre a Constituição do Discurso Modernista no Brasil. Dissertação de mestrado. São Paulo, FFLCH-USP, 1988.

projeto moderno brasileiro privilegiou a construção de uma identidade a partir da paisagem natural e da relação telúrica com ela. 33

Para Martins, a relação entre o projeto moderno articulado por Lúcio Costa e a matriz corbusiana repousa no interesse mútuo pela “descoberta poética da natureza sul- americana”, pelo “espírito profundo” das tradições populares, enraizado nas práticas construtivas adaptadas ao clima, à paisagem e à cultura ao longo de séculos e possivelmente pela coincidência entre o “constante apelo à autoridade” de Le Corbusier e o chamado “pensamento autoritário brasileiro”.34

Quando Artigas se aproximou desse projeto moderno, pouco antes do final da 2ª Guerra, não se tratava mais de uma intenção abstrata de um grupo de artistas, mas de um projeto em andamento nas mais diversas áreas de conhecimento, cujas bases já estavam em grande medida consolidadas. No Brasil, com uma população majoritariamente rural, analfabeta e de cultura ornamental, inúmeros intelectuais, assumiram o papel de demiurgos, com uma missão civilizadora da nação. A tática cultural dessa intelligentsia foi disputar o Estado, tido como agente modernizador por excelência, para transformar ação cultural em política cultural.

A disputa pela representação arquitetônica do Estado havia predominado durante o primeiro governo Vargas (1930-1945).35 O projeto para a sede do Ministério de Educação e Saúde

representou a primeira grande vitória do grupo moderno. Os embates políticos haviam sido de tal monta que levaram à não construção do projeto vencedor do concurso promovido em 1935. Com a opção do ministro Gustavo Capanema pelo grupo de vanguarda, Costa foi chamado para elaborar um novo projeto. Ele então constituiu sua famosa equipe composta por ex-alunos e, após a elaboração de um primeiro estudo, recomendou a consultoria de Le Corbusier, que permaneceu no Rio de Janeiro trabalhando com a equipe entre julho e agosto de 1936.

Por fim, a conclusão do Ministério apenas em 1943, provara a viabilidade técnico-construtiva da matriz corbusiana – de modo geral muito menos dependente da industrialização avançada do que a matriz alemã. De fato, o único elemento construtivo “novo” fundamental era o concreto armado, cujo domínio já estava consolidado no país, conforme demonstrado

Em seu conjunto o MES representou também um exercício original de síntese das artes maiores. Além de seguirem as recomendações de Corbusier para a locação das esculturas e transformação de paredes inconvenientes em painéis36, Costa e sua equipe introduziram

novas experiências no paisagismo de Burle Marx e painéis de azulejos de Candido Portinari, que, junto com o pioneiro uso de brises, acrescentava uma retórica nacional ao projeto essencialmente moderno e internacional.

Foi a partir dessa formulação estética que Oscar Niemeyer passou a desenvolver sua própria poética, primeiro em 1938, no projeto para o Pavilhão Brasileiro na Exposição de Nova York, e em seguida no conjunto da Pampulha, em Belo Horizonte, inaugurado em 1943. Dominando a técnica de projetar com croquis sintéticos, Niemeyer controlava a forma de modo a explorar as imensas potencialidades plásticas do concreto armado, como nos casos da Igreja da Pampulha, com sua sequência inusitada de abóbadas, e da Casa do Baile, com a sinuosa marquise. O arquiteto remetia suas formas à natureza da paisagem e da figura humana. O discurso de Oscar Niemeyer lhe autorizava inclusive distorcer as formas estruturais – uma licença incompatível com a moral reivindicada por Vilanova Artigas, mas cujo princípio da figuratividade como forma de comunicação, terá grande importância.

A adoção da nova linguagem por Artigas se deu em um conturbado contexto político, pessoal e profissional, de modo que é difícil atribuir a um ou outro fator apenas a sua aproximação com o grupo carioca. Fato é que a vida cultural de São Paulo estava mudando rapidamente através de novas associações, museus e revistas e, além da chegada de uma nova leva de imigrantes no fim da Guerra, inclusive muitos artistas e arquitetos.

Nesse contexto, a distinção profissional entre engenheiros e arquitetos era um tema latente, com implicações tanto estéticas quanto produtivas. Se por um lado os arquitetos buscaram uma linguagem própria, não mais definida pela construção, por outro buscaram se afirmar como projetistas, desligando-se das atividades comerciais e de construção.

“Raramente o engenheiro vê a arquitetura além do desenho do edifício. Cercar a arquitetura do significado cultural e artístico que ela tem não é tarefa muito fácil. É muito difícil até para os próprios arquitetos que, de vez em quando, degeneraram em construtores. Ter a coragem de assimilar a condição de arquiteto como artista não é uma vaidade, mas necessidade de formação de uma consciência, de uma visão de mundo”.37

Em 1943, procurado por Eduardo Kneese de Mello, Artigas assumiu a co-liderança na criação do departamento paulista do IAB. Era um gesto de alinhamento de São Paulo ao IAB do Rio de Janeiro, que apesar de ser nacional não tinha maior representatividade no resto do país.38 Não por acaso o 1º Congresso Brasileiro de Arquitetos, realizado em São

Paulo e coordenado por Artigas, teve em sua pauta a distinção entre as atividades do arquiteto e do engenheiro. As manifestações apresentadas no eixo “função social da arquitetura” revelavam o desejo da nova classe profissional se posicionar em relação aos grandes temas nacionais e internacionais.

Paralelamente a esta série de eventos, Vilanova Artigas encerrou sua sociedade com Duílio Marone para montar um novo escritório, só de projetos, em 1944.39 A nova empresa de

Artigas, que manteve suas características até aproximadamente 1968, não possuiu sócios, mas contou, durante cerca de vinte anos, com a colaboração do arquiteto Carlos Cascaldi40

(1919-2010), que Artigas trouxe da Marone & Artigas. Em seu novo escritório, desimpedido dos compromissos ordinários com a construção, Artigas passou a ter mais tempo para as atividades didáticas, políticas e artísticas, além de viagens e palestras. Artigas se tornava cada vez mais requisitado, o que lhe implicava em dificuldade para cumprir com todas as suas obrigações.41 A maior parte de sua atividade no escritório era dedicada aos estudos

preliminares, visitas a obras, reuniões com fornecedores e projetistas, e relacionamento com clientes, restando pouco tempo para o desenvolvimento detalhado dos projetos. Para isso, havia Cascaldi, que era reconhecido por sua qualidade técnica, personalidade retraída e lealdade a Artigas.

Encontramos registros de diversos desenhistas e estagiários que passaram pelo escritório. Sua equipe, porém, sempre foi reduzida ao mínimo, com uma secretária e um ou outro estagiário, além, é claro, de Cascaldi. Assim, seu escritório estava adaptado à intermitência e escassez de projetos. Ao contrário de outros colegas, Artigas não costumava se associar com outros arquitetos para projetos específicos. No entanto, até meados da década de 1960, quando Cascaldi deixou o escritório, a ausência de um sócio bem articulado nos meios sociais e com vocação para os negócios representou um obstáculo para conseguir

38 A criação dos primeiros departamentos regionais do IAB, em Minas Gerais e São Paulo, ocorre durante a gestão presidida

novos projetos. Sua clientela, quase sempre esteve restrita aos seus círculos pessoais: gente da universidade, da cena artística e conexões do partido. Daí a grande quantidade de projetos para residências unifamiliares, sede de sindicatos e colônias de férias para trabalhadores.42

Apesar da diminuição que seu escritório sofreu por abandonar as atividades de construção, Artigas nesse período recebeu suas primeiras encomendas de maior porte como o Hospital São Lucas (1945); o Edifício Louveira (1946); o Edifício Autolon e o Cine Ouro Verde (1948), a Casa da Criança (1950), a Estação Rodoviária de Londrina (1950); e o Estádio do Morumbi (1952). Paralelamente, projetou dezenas de casas de grande qualidade, que demonstram sua inquietude em redefinir o programa domiciliar.

A residência Rivadávia de Mendonça, de 1944, foi o primeiro projeto publicado de Artigas.43

Ele foi incluído no número dedicado ao Brasil da revista Architectural Forum, de Nova York, de 1947 – ano que Artigas passou nos EUA com bolsa de estudos da Fundação Guggenheim.

Dada a escassez de considerações sobre arquitetura moderna no Brasil, a inclusão de obras nacionais em publicações especializadas internacionais era um sinal importante de reconhecimento, principalmente em edições dedicadas à produção brasileira.

Também no exterior, foram publicados projetos seus na Rivista del Movimento Comunitá44,

de Milão, em 1949; na South African Architectural Record, em 1950; e no número especial sobre o Brasil da revista francesa L’ Architecture d'Aujourd'hui, de 1952.

Sua obra foi publicada no Brasil, primeiramente no número de estreia da revista Habitat, de 1950. Lina Bo Bardi, responsável pela revista, reuniu projetos recentes de Artigas e introduziu algumas das categorias interpretativas mais persistentes na análise de sua obra:

“Artigas é um temperamento retraído. Trabalha na sombra; o seu nome não aparece nas revistas, e ele não gosta de publicar projetos, ideias, desenhos; para ele Arquitetura é trabalho realizado, acabado, resolvido em cada pormenor. A sua é uma arquitetura humana, ou melhor, doméstica, no sentido mais claro da palavra. Uma casa construída por Artigas não segue as leis ditadas pela vida de rotina

42 Os projetos para Londrina são exceção. Foram contratados durante a gestão do prefeito Hugo Cabral (1947-1951), quando o

Secretário de Obras e Viação foi o engenheiro Rubens Cascaldi, irmão de Carlos Cascaldi.

43 Antes disso, Artigas havia publicado, em 1937, dois trabalhos escolares na revista da Escola Politécnica: uma residência em

estilo beaux-arts e um projeto hospitalar em estilo clássico simplificado.

44 O movimento Comunità foi fundado e financiado pelo industrial Adriano Olivetti, interessado na relação entre indústria,

ciência, política, arte e bem estar social. A revista Comunità, que deu origem à revista Zodiac em 1957, publicou obras de Friedman, Fromm, Le Corbusier e Lippmann, entre muitos outros. A revista buscava articular intelectuais, artistas, arquitetos e

do homem, mas lhe impõe uma lei vital, uma moral que é sempre severa, quase puritana. Não é ‘vistosa’, nem se impõe por uma aparência de modernidade, que já hoje se pode definir num estilismo. As casas de Artigas não se exaurem na única impressão de prazer comunicada por uma boa arquitetura de exteriores; eliminada a sensação de aprazível novidade que sempre suscita uma obra moderna, depois da primeira volta em roda das paredes de fora o observador não sofre uma brusca interrupção por ter entrado na casa, mas aí ele tem a percepção exata de que a continuidade do espaço se produz, solidária com o rigor constante que as formas externas denunciavam. Essa harmônica continuidade de espaço é obtida por meios límpidos, claríssimos, sem recorrência a efeitos forçados, da forma livre, que como se pode observar em muita expressão arquitetônica contemporânea, especialmente na norte- americana, descamba para o decorativo. [...]. Cada casa de Artigas quebra todos os espelhos do salão burguês. Nas casas de Artigas que se veem, dentro tudo é aberto, por toda parte o vidro, e os tetos baixos, muitas vezes a cozinha não é separada [...]. As casas de Artigas são espaços abrigados contra as intempéries, o vento a chuva, mas não contra o homem, tornando-se o mais distante da casa fortaleza, a casa fechada, a casa com interior e exterior, denúncia de uma época de ódios mortais. A casa de Artigas, que um observador superficial pode definir como absurda, é a mensagem paciente e corajosa de quem vê os primeiros clarões de uma nova época: a época da solidariedade humana”.45

Durante a década de 1950, os projetos de Artigas ganharam espaço em revistas como

Arquitetura e Decoração, Módulo e, principalmente, na revista Acrópole, que teve um

importante papel na divulgação da arquitetura feita em São Paulo.46

Nesses projetos, Artigas adotou soluções já dominadas pelos cariocas, como a composição de volumes geométricos puros, ora apoiados diretamente do solo e ora sobre pilotis; as grandes aberturas e os anteparos para produzir sombras; as rampas como elementos de ligação entre planos superpostos; e a estrutura independente de concreto armado. Artigas se aproxima da forma livre de Niemeyer, em projetos como o do MAM mas adota alguns de seus partidos, como o telhado asa de borboleta da residência Kubitschek (1943), em sua

“Mais tarde eu me reconciliei com essas coisas do Corbusier, mas veja você, a partir das coisas que Corbusier fez posteriormente, como a Maison au Chile, e também as obras que o Antoin Raymond – um arquiteto que copiava o Corbusier no Japão. Aí, depois com o Oscar, também começamos a formular hipóteses corbusianas, mas agora a meu modo. O telhado tipo Brasilit, o domínio da forma através do conhecimento perfeito das condições tecnológicas que poderiam determina-la”.47

De todos os recursos estéticos incorporados por Artigas, o que mais explicita o deslocamento de sua posição crítica anterior talvez seja o revestimento da alvenaria. O que teria acontecido com sua noção de honestidade com a aparência natural dos materiais? O tijolo das fachadas passa a figurar revestido enquanto a presença marcante da madeira em janelas, telhados, vigas, pilares e guarda corpos foi minimizada ou substituída por ferro e alvenaria.

Nas obras produzidas nesses anos, a forma do concreto armado pode ser deduzida apenas de modo analítico, pois, assim como na obra de Niemeyer, está encoberto por diversos tipos de revestimentos. Além disso, o recurso a lajes duplas com fôrmas do tipo "caixão perdido" dificulta o entendimento do comportamento estrutural através de uma análise estritamente visual. Apesar de tudo isso, o concreto está presente e desempenha um importante papel no discurso como o fator que permite maiores aberturas, múltiplos pavimentos, plantas livres e, principalmente, inovações formais.

“Aconteceu que toda essa ética [de Wright] me levou a compreender também, pelos cantos, a problemática do povo brasileiro, da nossa condição de subdesenvolvidos48. Percebi que a arquitetura estava

ligada a uma problemática nacional e popular e que era preciso arranjar uma ética que me reconciliasse com os ideais do povo brasileiro”.49

Ainda que Artigas seguisse comprometido tecnicamente com a simplicidade do programa e da construção, inclusive calculando a maioria das estruturas de menor porte de suas obras, essa inflexão em sua obrarevela o reconhecimento da função comunicativa da arquitetura – justamente num momento em que até a imprensa não especializada esteve interessada em arquitetura. Para Artigas, se tratava, antes, de uma questão política: construir uma

47 Depoimento de Artigas a Sylvia Ficher, realizado em 1982, apud THOMAZ, Dalva, Op. Cit.

identidade popular como o projeto nacional moderno, capaz de criar as condições subjetivas para uma revolução progressista.

Nesse sentindo a “arquitetura moderna brasileira” aparece em sua obra com contornos miméticos assim como os estilos nos quais havia sido treinado. Na medida em que a função comunicativa passou a preceder sua crítica moral à falsidade construtiva, o concreto armado e a engenharia nacional passaram a ser abraçados em nome do progresso.50

Saído da ilegalidade por um curto período após o fim da ditadura Vargas, o PCB se tornou rapidamente um partido de massas, muito popular entre intelectuais, artistas e arquitetos. A entrada de potenciais lideranças intelectuais em suas áreas, como Artigas, implicava em alinhamento às posições centrais, que no contexto da guerra fria significava repelir o imperialismo capitalista. Com base nessa militância, Artigas formulou uma curiosa articulação teórica entre o Realismo Socialista, o desenvolvimento nacional e a “arquitetura moderna brasileira”.