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Investigações marcárias

5 Atividades marcárias

5.2 Aspecto da marca

Na atividade “aspecto da marca” enquadro aqueles aspectos de uma marca que a caracterizam como produto49: atributos e benefícios. Durante muito tempo os produtos foram definidos pelas suas características tangíveis, o que está presente no produto e o faz desempenhar o que se propõe, até que o marketing passou a olhar para estes como “pacotes de benefícios”, ou o que os consumidores usufruem de um produto ao utilizá-lo50.

Mas nem sempre o uso de um produto gera um benefício. Muitas vezes o uso de um produto não só não atende às expectativas do consumidor, como pode até gerar um efeito contrário. Assim prefiro considerar, ao invés de benefícios, as conseqüências de uso de um produto, uma vez que estas podem ser tanto positivas quanto negativas.

Temos, desta forma, os atributos e as conseqüências de uso formando os “aspectos da marca”. Numa visão ampliada, podemos classificar os atributos de um produto como

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Como produto aqui me refiro a qualquer oferta a um mercado, seja esta um bem, um serviço, uma experiência, uma pessoa, um evento etc.

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Esta discussão marca a guinada da orientação das empresas para o mercado por meio dos princípios de marketing, que assume a perspectiva do mercado, e não da empresa, como orientadora dos negócios. Tal mudança pode ser vista por meio de Levitt (1990).

concretos e abstratos e suas conseqüências como funcionais e psicológicas. Quanto aos atributos, entende-se por concreto o que é físico, tangível num produto, como a textura de um tecido. No caso de serviços, por não haver nada “tangível” de fato, são considerados como atributos concretos aquelas características inerentes ao próprio serviço, cujo usuário pode “ver”, como o conteúdo ou a programação visual de um jornal on-line, por exemplo. Por atributos abstratos são entendidas as características mais abstratas, intangíveis, como a qualidade, no caso de um tecido. No caso de serviços, são consideradas aquelas características que, apesar de não serem “vistas”, são “percebidas” pelo usuário, como no caso de um jornal on-line, seu desempenho ou velocidade de carregamento, por exemplo, ou ainda por questões que caracterizam o serviço, como interatividade.

Quanto às conseqüências de uso, as funcionais se referem aos resultados tangíveis da experiência direta de consumo de um produto, como o saciamento da fome ao se comer um sanduíche; as psicológicas, apesar do nome, se referem aos resultados tanto psicológicos quanto sociais do consumo de um produto, como imaginar a opinião dos amigos a respeito da roupa que se está vestindo.

Apesar disto, vejo atributos e conseqüências de uso como dois lados de uma mesma moeda. Num sentido restrito isto já seria defensável, uma vez que podemos deduzir que não existiriam conseqüências no uso de um produto sem os seus atributos e de nada valeriam estes se não propiciassem aquelas. Mas esta é uma visão utilitarista. Assumo que, numa perspectiva sígnica, ambos se tornem apenas referências acerca das marcas e que ambos possam assumir funções simbólicas em relação às mesmas. Daí vem minha opção por classificar a ambos dentro do que chamamos agora de aspectos.

Exemplos de atividades marcárias acerca dos aspectos das marcas não faltam. Em certa situação [#29] uma mãe pega carona com sua filha e genro para um shopping. A certa altura pergunta a que estavam indo lá, no que a filha responde que iriam comprar o material

escolar dos filhos. A mãe pergunta à filha onde faria as compras, que responde que seria no “Atacadão”. Depois de se surpreender por ter uma loja do Atacadão da Papelaria ali, a mãe pergunta se não seria mais caro por ser num shopping, no que a filha responde: “Nada... Ir na cidade, andar que só... A gente só compra aqui”. Vemos nesta interação a atribuição de que aquela loja da marca seria mais cara (atributo abstrato), não rejeitada pela interlocutora, mas sim justificada pelo conforto (conseqüência psicológica) que a loja do centro da cidade não proporcionaria.

Em outra situação [#3], duas vizinhas conversam sobre a escolha da escola da filha de uma delas, quando esta antecipa: “Pensei no Colégio Boa Viagem... É uma escola boa, tem piscina olímpica... é de classe média... e lá todo mundo vai saber quem é minha filha”. Nesta fala, a mãe nos fornece vários aspectos que ela atribui ao Colégio Boa Viagem: um atributo concreto (ter piscina olímpica), um atributo abstrato (ser de classe média) e uma conseqüência psicológica (reconhecimento da filha).

Como exemplo de uma conseqüência funcional podemos mencionar uma situação [#78] em que uma falante comenta com sua interlocutora que precisava de um liquidificador novo, no que esta sugere a escolha de um Wallita, sob o argumento de que tem um “já faz dez anos e nunca deu problema”, no que tinha em mente a durabilidade de tal produto.

Mas não mencionamos ainda conseqüências negativas. Em certa situação [#125] duas irmãs conversam sobre uma tia que desenvolvera um furúnculo nas axilas e que o médico afirmara que teria sido pelo uso de desodorante cremoso, por este tipo penetrar pelos poros, causando aqueles caroços de massa apustemados. “Foi por isso que deixei de usar Herbíssimo”, disse, envergonhada, uma delas, se referindo ao produto mais conhecido daquela marca, o que provocou risos mútuos.

Para exemplificar uma conseqüência psicológica negativa, podemos mencionar uma situação [#37] em que duas mulheres estão conversando e uma menciona que, certa vez,

ao ir com o namorado para O Bode, o mesmo havia ficado enciumado, uma vez que o bar estava cheio de homens não acompanhados, que, em sua percepção, ficavam olhando demais para ela.