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Investigações marcárias

5 Atividades marcárias

5.26 Juízo a respeito da marca

Uma atividade bastante constante em nossas observações é a atribuição de juízos a respeito das marcas. Por juízo tenho aqui em mente a idéia que as pessoas inferem acerca das marcas com base em crenças e valores de suas formas de vida. E eles são vários e dos mais variados, tanto positivos quanto negativos.

Então eu estou me referindo a atitudes, alguém pode achar. Sim, mas não apenas. As atitudes poderiam ser incluídas como tipos de juízos, mas não apenas elas. Até porque, em marketing, as atitudes assumem uma lógica única de predisposição ou “antidisposição” ao consumo de alguma marca.

Então, estaríamos incluindo também avaliações sobre as marcas, poderia ser outra conclusão. Mais uma vez eu diria que avaliações caberiam aqui como tipos de juízo, mas não apenas elas. E mais: não seria num sentido definido pela disciplina que chamamos de

comportamento do consumidor, em que estas seriam resultantes de um processo ativo de busca de informações.

Mas também poderiam ser opiniões – mas não no sentido destas como atividades expressas na interação, como se verá, e sim como concepções mais ou menos definidas sobre as marcas. Para inferir juízos as pessoas não precisam estar interessadas no consumo de certas marcas. As pessoas julgam as marcas na vida cotidiana assim como o fazem em relação às pessoas, às instituições, a outros povos etc.

Juízos positivos e negativos advêm de inferências acerca de várias características das marcas. Alguns deles são comuns, outros não. Aspectos das marcas, características dos usuários, notoriedade (ou falta de), comportamentos das marcas, valor e diferenças entre marcas são características que possibilitam ambos tipos de juízos. Desempenho e ordinariedade da marca são propiciadores de juízos negativos, enquanto “ser de marca”, referência dos outros, alternativa à marca preferida, beleza, identificação, tempo e comparações são de juízos positivos.

Comecemos pelas características comuns. Quanto aos aspectos da marca gerando juízos negativos, identificamos casos relacionados a atributos abstratos e conseqüências funcionais. Em relação ao primeiro caso temos menções a dificuldade de reparo do produto, ser uma marca “pirata”, ser uma imitação de outra marca ou ser de fácil aquisição ou acesso, como fica evidente quando uma falante diz que sua interlocutora só passou na Sopece porque em faculdade particular “todo mundo passa” [#33]. Em relação à conseqüência funcional, trata-se da marca não cumprir com o esperado ou propiciar um resultado desagradável, como a constatação de um falante de que Wall Street, quando tomado em associação com outra bebida, dá ressaca [#8].

Em relação aos aspectos da marca gerando juízos positivos, tivemos de todos os tipos. Uma mulher indica para sua sobrinha [#32] um ventilador Arno que está em promoção

e diz que já comprou o seu, no que destaca uma das razões: “Desse tamanho!”, demonstrando com as mãos aquele atributo concreto. Como atributo abstrato podemos citar uma situação [#31] em que um homem falando bem do Peugeot e mal do Gol reconhece que este tem seu lado bom: “Tem valor de mercado, se você for com um na esquina, vende”. Em outra situação [#79] um professor está tossindo muito durante sua aula, o que o deixava irritado. Em certo momento uma aluna não resiste e pergunta se ele já havia tomado Gotas Binelli. “Quando estou assim, só consigo dormir com ela. Você toma e para de tossir”, evidenciando uma conseqüência funcional. Como conseqüência psicológica podemos mencionar situação [#34] em que um professor provoca um debate em torno da lógica do consumo, argumentando que cabe à publicidade diferenciar produtos e marcas que são quase sempre indiferenciados. Para provocar a participação dos alunos, pergunta se existe diferença real entre marcas como Nike e Mizuno. As respostas foram que sim, diferenças existiam, mas não expressaram quais. O professor insiste: “Então podemos apontar uma melhor?”. “Nike! Eu uso Nike. Ela é melhor, sim”, responde um aluno. O professor pergunta por quê. “Ah... porque é mais bolada!”, responde como quem diz uma obviedade, tendo em mente o que em “meu tempo” seria “transada”.

Em relação às características dos usuários das marcas, identificamos apenas o fator sócio-econômico gerando juízo positivo, enquanto juízos negativos advêm de fatores de natureza cultural, sócio-econômica e sexistas. Comecemos pelo primeiro. Duas amigas da mesma faculdade se encontram no corredor assim que chegam e uma delas estava com uma sacola da loja Renaissance [#45], no que a outra comenta: “Sacola da Renaissance, humm...”. Sua interlocutora responde que precisava de uma sacola e encontrou aquela; que a ex-mulher do marido só comprava as coisas pra casa lá, diz ela fazendo um ar esnobe, como quem imita a mencionada pessoa.

Quanto aos juízos negativos, a menção do taxista carioca à “feira dos paraíba” [#102] demonstra juízo com base em preconceito em relação ao povo nordestino. Como exemplo de característica sócio-econômica, podemos mencionar situação [#1] em que, acuada pelas acusações do fracasso do seu time, torcedora do Náutico esbraveja que “hexa é luxo”, bordão do time que se refere à maior e exclusiva seqüência de títulos estaduais obtido, mas que também é sugestivo de que os torcedores dos seus rivais são de classes inferiores. Em relação ao sexismo, podemos mencionar situações – a serem mais bem tratadas quando da demonstração de preconceito relacionado às marcas – em que marcas são definidas como “coisa de mulher” [#26] ou “de veado” [#65].

Quanto à notoriedade, ela gera juízo positivo. Para ilustrar temos uma situação [#30] em que, depois de marido, que presenteara mulher com sapato da Datelli e sugerira que ela não houvera gostado por não reagir à mesma como reagira à Arezzo quando tentou comprar um sapato da marca, mostrar a ela que a Datelli é mais cara, ela diz que pode ser, “mas a Arezzo é mais conhecida...”.

Por outro lado, falta de notoriedade gera juízo negativo. Podemos exemplificar isto com uma situação [#114] em que duas mulheres conversam na longa fila de um mercadinho enquanto demoram para passar seus produtos no caixa e uma delas menciona que o outro, referindo-se a um que fica a dois quarteirões, deveria estar sem aquela fila. A resposta de sua interlocutora é de uma concordância recriminadora, afirmando que lá “é sempre tão vazio...”.

O comportamento das marcas é mais um critério de inferência de juízo tanto positivo quanto negativo. Este último caso podemos ver quando um consumidor deduz que o Bompreço “tá muito esculhambado”, por ter ficado muito tempo na fila de idosos sem ser informado de que se tratava de uma exclusiva para tal fim e ter que se dirigir para outra [#116], ou quando um torcedor deduz “sacanagem” do Santa Cruz por ter disponibilizado

uma quantidade muito pequena de ingressos para a torcida do Sport, que “é pau a pau” com a daquele time [#18].

Como gerador de juízo positivo, por sua vez, podemos mencionar a já citada situação [#51] em que Bob Wolfenson, precavidamente, fotografa Naomi Campbell com câmera analógica, apesar de ter acabado de comprar uma digital de última geração, mas que ele ainda não dominava.

Outro critério de inferência de juízo tanto positivo quanto negativo é o valor. O exemplo mais direto deste aspecto no juízo positivo de uma marca está numa situação [#120] em que dois colegas que já haviam trabalhado juntos se encontram num supermercado. Um deles pergunta pela família e o outro responde que seus filhos trocaram de escola; que ele havia tido problemas com o diretor da escola em que eles estudavam e, numa discussão, disse a este que seus filhos não ficariam ali, que iriam para o melhor colégio, o Santa Maria, e que, à reação daquele, perguntou-lhe qual era o mais caro, no que se antecipou à resposta: “Só pode ser o melhor”.

Quanto ao valor gerando juízo negativo, uma situação já mencionada [#10] nos serve de exemplo. Uma criança oferece dinheiro de sua mesada emprestado à mãe para que ela compre uma blusa “numa loja melhor” assim que teve a resposta da mesma de quanto custava aquela que ela estava olhando na C&A.

Finalmente, um mesmo exemplo nos serve para demonstrar inferência de juízo tanto positivo quanto negativo pela demonstração de diferenças entre marcas. Em situação [#2] também já mencionada, uma mulher sugere que “as condições são outras” para quem trabalha no Hospital Português em relação a alguns públicos (nomeadamente, IMIP e Restauração). Assim, temos que o mesmo juízo que é negativo em relação aos hospitais públicos é positivo em relação ao Hospital Português.

Quanto às características não comuns, comecemos por aquelas que levam ao juízo negativo. O desempenho é uma delas. Este poderia ser confundido com conseqüências funcionais. Entretanto, aqui não estamos nos referindo à conseqüência de uso. Podemos diferenciar situações objetivas daquelas mais subjetivas. Para o primeiro caso podemos citar como exemplo uma situação [#57] em que um consumidor toma Taffman-E esperando que este o deixe mais energizado, mas isto não ocorre, no que ele reclama, dizendo que ficou ainda com mais sono. Para o segundo caso, podemos destacar situação em que o Náutico é acusado por uma falante de que “sempre morre na praia”, indicando seu fracasso, após derrota desastrosa para o Grêmio [#1].

Finalmente, o que estou chamando de ordinariedade refere-se à percepção de que a marca seja comum. Temos aqui situações de marcas que não são reconhecidas como sendo “de marca” e outras que, apesar de serem reconhecidas como “de marca”, são tidas como muito simples para tal. Como exemplo deste último caso, podemos destacar a situação [#16] em que, ao se deparar com uma loja da Chilli Beans, falante surpreende-se e pergunta: “Igi! É isso é?”, frustrada com a simplicidade do que encontrara. O segundo caso pode ser exemplificado pela situação [#11] já mencionada em que, ao comparar sandália da Via Marte com a que está calçada, falante deduz que a daquela marca está barata, uma vez estar pouco mais cara do que tivera sido aquela em seus pés, que “nem é de marca”.

Este mesmo exemplo [#11] nos serve para ilustrar como uma marca ser percebida como “de marca” leve a um juízo positivo, uma vez que a afirmação de que a sandália que calçava “não era de marca” pressupõe a assunção de que a Via Marte é.

Chegamos agora às características não comuns que geram juízo positivo. Este também pode ser atribuído pela avaliação de que dada marca é uma boa alternativa para quando não se conseguir a preferida. O exemplo da situação [#15] em que mulher, após ficar

frustrada, por não conseguir encontrar um sapato da Arezzo do seu tamanho, encanta-se com a possibilidade de encontrar uma da Datelli, nos é elucidativo.

Os outros também servem como referência para o juízo positivo das marcas. Isto ocorre por duas situações: a opinião expressa e o comportamento demonstrado por terceiros. No primeiro caso, temos uma situação [#12] em que mulher corrobora competência da pediatra de seu filho, Dra. Elza, graças a comentário feito por sua ginecologista. O segundo caso pode ser evidenciado por uma situação [#39] em que falante, que não bebe, diz que escolhera Skol para servir em seu noivado porque tem notado que é a preferência da maioria dos seus familiares e amigos.

A noção estética de beleza também influencia no juízo positivo. Exemplo disto pode ser tirado de uma situação [#123] em que, recebendo executivos de uma instituição de ensino interessada em adquirir computadores, diretor comercial de empresa ao mostrar os computadores MacIntosh comenta: “Já pensou no laboratório só com Mac? É outra coisa...”, referindo-se naquele instante não à qualidade dos mesmos, mas ao charme que dariam ao ambiente. Para não parecer que se trata apenas de um argumento de venda, podemos exemplificar também com uma situação [#5] já mencionada em que o encanto de uma mulher pelo seu novo biquíni da Água de Coco ocorre por este ser “lindo, bem pequenininho”.

Identificar-se com a marca é outra razão para se inferir um juízo positivo acerca da mesma. Temos o exemplo [#42] de um profissional de informática que comenta o quanto gosta da série 24 Horas por tudo na história ser informatizado e menciona a configuração dos computadores e a responsável por esse trabalho, que é simpática, mas é quem dá as ordens.

O tempo também é um fator determinante no juízo positivo inferido às marcas. Em uma situação [#56] em que uma mulher escolhia uma geladeira, o vendedor argumenta que a Electrolux é boa porque é “a antiga Prosdócimo”. Mais uma vez para não parecer que se trata apenas de um argumento de venda, podemos demonstrar uma situação [#33] em que, ao

ter credibilidade da faculdade em que estuda questionada por sua tia, sobrinha argumenta que a mesma é pouco divulgada, “mas tem tradição”.

Finalmente, em relação à comparação, um exemplo está na situação [#17] em que uma mulher define a Via Marte como uma marca boa e ilustra isto dizendo que era ela concorrente da Azaléia, assumindo um juízo positivo a ambas.