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1 “Valor de marca” para quem?

3 A “teoria” da significação na segunda filosofia de Ludwig Wittgenstein

3.2 Significado pelo uso: linguagem como jogo

Como já pude articular, minha busca é pelo valor de uso das marcas para seus consumidores. Neste sentido, como “uso” assumo a noção pragmática da linguagem de Wittgenstein, uma vez que toda minha abordagem se refere à assunção das marcas enquanto signos. Como vimos, o filósofo atesta que é o uso que fazemos de um signo que determina o seu significado.

Apesar de não podermos falar de uma teoria propriamente dita advinda da segunda filosofia de Wittgenstein – e, aliás, sequer podermos crer que ele um dia tenha desejado isto – o seu pensamento, apresentado de forma caótica, através de aforismos que vem e vão acerca dos temas a que tratam, trás pelo menos o que poderíamos chamar de “elaboração teórica”. E no centro de tal articulação está justamente sua noção de uso. De fato, podemos afirmar que esta é a noção fundamental da filosofia de Wittgenstein. É a partir dela que todo o seu pensamento se articula. Indo de encontro a toda a semântica tradicional, Wittgenstein propõe que o significado de uma palavra não está na sua relação de referência ao objeto que representa, mas no uso que as pessoas fazem dela. Sua proposta é de que o significado de uma palavra é seu uso na linguagem (IF §43). Assim, um signo não tem seu significado na sua associação a um objeto. Este significado emana do emprego que as pessoas fazem de um signo em suas vidas cotidianas, em suas práticas lingüísticas. Dependendo da forma como usamos um dado signo de nossa linguagem, ele pode ter um significado numa situação e outro numa situação distinta.

A “elaboração teórica” a que me refiro evidencia-se no que Wittgenstein chamou de jogos de linguagem. O termo advém da comparação que o filósofo faz da atividade lingüística com jogos. Para ele, a linguagem é uma prática, daí só fazer sentido no uso. Este uso, por sua vez, é orientado por regras. Assim como no jogo, as regras só são aprendidas se jogando, ou seja, se praticando a linguagem.

Mas para além da analogia, o que seria um jogo de linguagem, afinal? De fato, Wittgenstein nunca veio a definir o que sejam jogos de linguagem – até porque “definir” algo iria de encontro à forma como desenvolve seu pensamento – apenas os exemplificou. E é assim que Wittgenstein o faz:

“Ordenar, e agir segundo as ordens – Descrever um objeto pela aparência ou pelas suas medidas – Produzir um objeto de acordo com uma descrição – Relatar um acontecimento – Fazer suposições sobre o acontecimento – Levantar uma hipótese e examiná-la – Apresentar os resultados de um experimento por meio de tabelas e diagramas – Inventar uma história; e ler – Representar teatro – Cantar cantiga de roda – Adivinhar enigmas – Fazer uma anedota; contar – Resolver uma tarefa de cálculo aplicado – Traduzir de uma língua para outra – Pedir, agradecer, praguejar, cumprimentar, rezar” (IF §23).

Sua proposta, portanto, é de que existam vários e diferentes jogos de linguagem (e.g.: o jogo do cientista, o jogo do boleiro, o jogo dos executivos de marketing etc.), em que cada um deles seria parte de uma atividade, de uma forma de vida (IF §23). Mas Wittgenstein não se restringe à analogia do jogo, pois que esta talvez não seja o bastante para desvelar todas as implicações de sua articulação. Existe, nos jogos de linguagem, a idéia de que nossa prática lingüística encontra-se numa teia36 de relações, formando uma rede em que diferentes formas de vida articulam-se (IF §7). Isto se evidencia na apresentação de uma, digamos, “metáfora urbana”:

“Podemos ver nossa linguagem como uma velha cidade: uma rede de ruelas e praças, casas velhas e novas, e casas como remendos de épocas diferentes; e isto tudo circundado por uma grande quantidade de novos bairros, com ruas retas e regulares e com casas uniformes” (IF §18).

Com os jogos de linguagem, Wittgenstein estabelece a pluralidade das significações. Isto quer dizer que os significados são relativos a cada jogo de linguagem; não há, portanto, signos cujos significados sejam universais, estabelecidos aprioristicamente. É só quando usamos o signo que o significamos, daí ele poder se referir a objetos diferentes indefinidamente.

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Esta visão representa um golpe ao essencialismo. Wittgenstein aponta que assim como não existe nada essencial nos variados jogos, também não existe nada essencial na linguagem. Os jogos – e também os jogos de linguagem, portanto – são diferentes entre si e entre si carregam apenas semelhanças. A isto, o filósofo chamou “semelhanças de família”. Wittgenstein não defende que os diversos jogos não tenham nada em comum, mas que tenham apenas algumas semelhanças entre si, o que não constitui condições necessárias e suficientes para que exista um fundamento último interligando-os. Ele chega a brincar, com certa ironia, a este respeito:

“Tenho em mente os jogos de tabuleiro, os jogos de cartas, o jogo de bola, os jogos de combate, etc. O que é comum a todos estes jogos? – Não diga: ‘Tem que haver algo que lhes sejam comum, do contrário não se chamariam ‘jogos’’ – mas olhe se há algo que seja comum a todos. – Porque, quando olhá-los, você não verá algo que seria comum a todos, mas verá semelhanças, parentescos, aliás, uma boa quantidade deles” (IF §66). [Grifos do autor]

Sua nova analogia baseia-se na premissa de que os membros de uma família guardam traços distintos de vários outros membros ancestrais, podendo estes estarem próximos ou distantes em sua árvore genealógica, mas também podem trazer novos traços. Analogamente, ainda que o futebol guarde similaridades com o handebol e este com o basquete, tais jogos nada teriam de essencial entre si. Sequer os diferentes tipos de futebol teriam37.

Assim, para Wittgenstein a semelhança de família é tão inegável quanto a diferença (IF §76). Talvez esteja neste aspecto o mais importante da noção de parentesco proposta pelo filósofo. Ao invés de buscarmos a equivalência, deveríamos nos ater à diferença. Isto porque na semelhança nunca existirá total identidade.

Esta visão se apresenta, portanto, como rejeição ao dogma da exatidão e assume a possibilidade de que a imprecisão, ou mesmo a ambigüidade, sejam geradoras de sentido. Tal

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Sobre isto, uma observação empírica curiosa: Paulo Calçade, comentarista esportivo da ESPN Brasil, comentou, durante transmissão de jogo entre Portugal e Cazaquistão pelas eliminatórias da Eurocopa 2008, o que para qualquer boleiro é óbvio: que o futebol de campo, o de areia e o de salão são totalmente diferentes; “parecidos, mas diferentes”.

postura vai de encontro à determinabilidade do sentido, ou seja, à noção de que conceitos devam ter limites definidos, conforme defendido por Frege e pelo próprio Wittgenstein em sua primeira fase. “Donde esse determinar daquilo que ainda não está presente? Esta exigência despótica? (‘A dureza do ‘tem que’ lógico’)” (IF §437) [Grifo do autor] questionar- se-ia. Wittgenstein entende que nenhuma explicação contribui para a compreensão definitiva acerca de algo, posto que esta nunca seja a explicação derradeira (IF §87).

3.3 As regras do jogo: limites de um relativismo