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1 “Valor de marca” para quem?

4 Princípios para nossas investigações marcárias

4.1 No caminho para uma elaboração teórica sobre o valor de uso das marcas enquanto signos

Minha reflexão até o momento nos leva a uma visão antagônica daquela dominante na atual literatura de marketing sobre marcas, a qual discutimos no primeiro capítulo. Ali, fica evidente que se trata de uma perspectiva mentalista. É nítida a assunção de que haja uma imagem das marcas na “mente” das organizações e assessorias de comunicação que lhe apóiam (“identidade de marca”) que se supõe ser passível de reprodução na “mente” dos consumidores (“imagem de marca”).

Evidentemente, este é um pressuposto semântico sobre o significado das marcas. Afinal de contas, para que uma mesma imagem trafegue entre diferentes mentes e continue sendo a mesma, ela precisa de signos que a definam por um significado único e apriorístico, desde sempre. Além disto, ao se assumir este “significado” como estando em todas as características da marca e sendo maior que eles, chegamos ao ponto de reconhecer esta também como uma abordagem metafísica, em que as partes representam o todo e o todo é maior que a soma das partes.

Por trás de tudo isto está justamente a noção de comunicação sistêmica – e, com ela, a redução do homem a máquina, situação que mantém a perspectiva de relação sujeito-

objeto da filosofia da consciência, em que, evidentemente, é o homem o objeto: uma máquina cognitiva.

Mas uma maneira diferente de se assumir a comunicação pode ser simplesmente de que se trata de uma forma de interação entre pessoas (Koch, 2003). Aqui, estamos falando não de uma comunicação sistêmica, mas de uma comunicação humana, dialógica, em que as pessoas geram sentido em suas interações.

É, portanto, assumindo também uma noção de comunicação que desenvolvo minha reflexão, mas uma visão demasiada diferente. Se o significado de um signo só é definido em seu uso e as regras deste uso são convencionadas socialmente, então é na comunicação humana que está a geração de significado.

É justamente neste aspecto que proponho que exista valor nas marcas para as pessoas. E é neste mesmo aspecto que proponho que este seja um valor de uso, conforme pude já argumentar. Mas minha proposta de que, através na noção de consumo simbólico, possamos resgatar o valor de uso do consumo não pode ser visto como algo trivial. De fato, sob uma perspectiva humanista, é o valor de uso que deve ser considerado importante, não o de troca. Neste sentido, não é difícil realizar que foi justamente uma soberania da dimensão sistêmica do nosso mundo que impôs a supremacia do valor de troca sobre o valor de uso, num movimento que eu ousaria apontar como “antinatural”.

Por outro lado, se assumimos a marca como signo, e que elas venham a ganhar significado somente na medida em que sejam subordinadas ao seu uso pelos homens, então chegamos a refletir sobre como as marcas passam a ter valor para as pessoas: na própria significação por que são submetidas durante as interações humanas.

Ao assumir que nosso homo symbolicus assuma diferentes “eus” de acordo com as relações em que estejam envolvidos, e se o “eu”, na abordagem que assumo, só existe na alteridade e como uma construção lingüística – e, portanto, é nas interações que o “eu” é

construído – então este “eu” – e agora já assumindo uma perspectiva goffmaniana – fabrica impressões em suas interações, mas estas são coagidas socialmente, justamente por terem como função impressionar, no que se apresenta o outro. Entendo, assim, a marca como signo de uso nesta representação do “eu”, que é, outrossim, social. Em outras palavras, que a marca têm valor para as pessoas porque servem como recurso simbólico da definição que fazem de si e dos outros nas interações sociais.

Isto tudo pode levar à conclusão de que minhas idéias pressuponham que, na comunicação sistêmica, as mensagens não tenham significado. É evidente que não penso desta forma, senão sequer poderia conceber o homem-receptáculo aprisionado. O que estou propondo é que, assim como só podemos chegar à semântica por meio da pragmática, os signos transmitidos pela comunicação sistêmica só ganham significado quando são usados pelas pessoas em suas interações.

Mas isso poderia sugerir que meu pensamento se trata de uma tautologia sobre a semântica das marcas, já que se o uso é posterior à transmissão, então a transmissão vem antes do uso. Mas esta é uma forma também sistêmica de ver o problema. O que quero dizer é que, na comunicação humana, as mensagens do sistema, bem como qualquer outra coisa disponível no mundo, sirvam como base discursiva.

Isto não quer dizer que tais mensagens não sejam significadas no uso como o sistema que as concebeu gostaria que fossem. Mas, assim sendo, isto será um golpe de sorte, alguém poderia sugerir. Pode ser que sim. Mas pode ser que não. Talvez essas mensagens contenham signos já “usados”. Mas é evidente que, ao serem reutilizados, seriam ressignificados.

Alguém poderia deduzir disto que, ao se utilizarem de signos “usados” ao invés de criá-los, as organizações estariam lançando estímulos e esperando respostas da mesma forma, então o que acabo de supor seria apenas uma maneira diferente de se manipular as pessoas.

Mas isso não é verdade. Não é algo comum que o sistema se volte ao humano. Se é possível que as organizações se utilizem de signos já “usados” ou ainda que deixem seus signos mais abertos para o uso, então o que temos é uma abertura da dimensão sistêmica do nosso mundo à dimensão humana. A grande questão é se o uso dos signos será enfeitiçado ou não. Se for, então a comunicação humana estará trabalhando em prol do sistema. Mas, ao contrário, se os signos forem realmente manipulados de forma ativa pelas pessoas, então teremos um resgate para o vivido, ainda que em relação de mútua dependência com o sistema.

Quanto às organizações, elas não ocupam o foco de minha presente reflexão. No entanto, o que quero sugerir é que a visão atual que assumem para as marcas não é boa para ninguém. O problema é que a marca pode ser azul para a organização e seus assessores e verde para os consumidores – ou até verde para uns, púrpuro para outros e assim por diante – e, mesmo no caso de verificações, na descrição do verde (ou do púrpuro ou de qualquer outra cor que seja) pelos consumidores, os primeiros poderão “intencionar” nisto azul ou mesmo que aquele verde é um azul contaminado por um pouco de amarelo que deve ser removido.