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4.3 Negócio jurídico de sobrelevação

4.3.1 Aspectos constitutivos

O negócio jurídico de sobreelevação em direito de superfície é um ato constitutivo de direito real porque inaugura uma relação jurídica no plano do direito das coisas, com a criação de uma nova posição jurídica dispositiva, que é a do superficiário, diferentemente do negócio translativo de propriedade, onde o adquirente irá substituir o alienante em uma posição jurídica dispositiva preexistente, herdando, inclusive, as obrigações propter rem por sub-rogação legal. A própria transferência de propriedade superficiária não se enquadra na hipótese de negócio constitutivo porque representa uma troca de titularidade na relação jurídica inaugurada pelo superficiário originário; tal alteração não terá o condão de modificar os termos convencionados previamente sem incorrer em pacto obrigacional acessório ou extinção do direito constituído.

A relação jurídica constituída entre concedente e superficiário tem caráter complexo; significa dizer que é uma relação que não separa posições ativas e passivas entre os titulares, sendo estes credores e devedores recíprocos. Como já abordado, não há separação absoluta entre o plano obrigacional e o real; o denominado negócio constitutivo de direito das coisas, só produzirá seus efeitos no plano da realidade quando levado à registro.

Significa dizer que entre concedente e superficiário já existe, na concreção da declaração de vontade, uma relação complexa obrigacional, transmutando-se em real após o registro do ato porque esta passará a existir em função da titularidade do direito constituído e da relação com o alter, conforme discutido no primeiro capítulo.

O negócio jurídico de disposição em comento, portanto, só entra no plano do direito das coisas quando levado a registro no Cartório de Registro de Imóveis competente. Isto é, o ato negocial, na sua gênese, só produz efeitos no plano obrigacional, sendo o ato do registro elemento essencial à eficácia do negócio jurídico como constitutivo de direito real.

Como discutido oportunamente no subcapítulo que tratou da tipicidade dos negócios de natureza real e o auto regramento da vontade, quanto à constituição ou translação de direito real, restou evidente que, via de regra, é curto o espaço de disposição negocial conferido às partes em virtude do princípio da tipicidade e o sistema do numeus clausus dos direitos reais.

Apesar das regras cogentes em sede de direito das coisas, a disciplina legal do direito de superfície nos dois diplomas em que se encontra disposto, segue em contrário fluxo. A despeito das críticas realizadas à má técnica legislativa anteriormente, sem qualquer reserva, é preciso reconhecer que foi a mesma normativa simplória que conferiu às partes negociais uma liberdade incomum na definição dos elementos que comporão o núcleo do tipo.

Em outras palavras, a norma estipulou, para o direito de superfície, poucos elementos essenciais inderrogáveis, isto é, aqueles que definem a natureza jurídica do direito a ser constituído e cuja ausência implica em inexistência do negócio, deixando uma gama considerável de elementos nucleares a ser determinado pela conveniência do negócio.

Desta forma, os elementos inderrogáveis do tipo serão os mesmos para o negócio jurídico de concessão do espaço aéreo para fins de sobreelevação, para a concessão ad aedificandum, para a concessão ad plantadum e para a concessão por cisão; constituição do direito de construir e/ou manter ou plantar sobre coisa alheia, isto é, sobre propriedade de outrem e suspensão do princípio da acessão. Na ausência desses elementos, não existe negócio jurídico de superfície.

Na hipótese de não se haver respeitado os elementos essenciais do tipo, ainda assim, o negócio jurídico elaborado sob a nomenclatura de ser constitutivo de direito de superfície, poderá entrar no mundo jurídico; resta saber, entretanto, se os elementos presentes no negócio são completantes do suporte fático de outro direito real, hipótese em que, poderá existir como tal, independente da forma como foi denominado. Caso não o sejam, o negócio existirá apenas no plano obrigacional.

Conforme a análise do conteúdo do parecer elaborado pelo professor Ricardo Pereira Lira, realizada no capítulo que versou sobre a dogmática da sobrelevação como modalidade de concessão do direito de superfície, não é raro o exemplo de negócio intitulado de concessão do espaço aéreo em direito de superfície cujo conteúdo estabelece uma conduta negativa por parte do concedente.

Com o objetivo de preservar coluna de ar que garante acesso à determinada vista; afasta- se um elemento inderrogável do direito de superfície que é o direito de construir ou plantar. Desta forma, a constituição de negócio nesses moldes acarreta a inexistência do negócio como constitutivo de direito de superfície.

Não obstante, a depender da presença de outros elementos essenciais, o ato negocial poderia entrar no plano da existência como negócio jurídico constitutivo de servidão predial, figura jurídica mais adequada à preservação de vista cuja conduta negativa por parte do prédio serviente é compatível com o núcleo do negócio realizado.

Supondo que o negócio constitutivo de superfície atenda aos elementos pertinentes à natureza do tipo, deve-se então, modelar o conteúdo remanescente por meio da autonomia negocial, que determinará os elementos acidentais respeitando, obviamente, os elementos naturais cogentes decorrentes desse tipo, uma vez que as cláusulas que tenham como objeto a derrogação de elemento natural cogente serão anuladas de pronto.

Quanto ao prazo, a normativa do Estatuto da Cidade admite, especificamente para a modalidade urbana, a concessão também por prazo indeterminado, a despeito da regra civilista. Desta forma, a escolha do prazo, ainda que se faça nos termos do Estatuto da Cidade, é vinculativa ao agente negocial.

O mesmo pode-se dizer em relação à onerosidade ou gratuidade da concessão; os dispositivos legais que disciplinam o direito de superfície no Código Civil e no Estatuto da Cidade deixam a cargo da vontade negocial a escolha da natureza do negócio, de modo que não há norma que possa completar de forma cogente a ausência de disposição neste sentido.

Existem, obviamente, outros elementos pertinentes ao negócio jurídico superficiário, quanto ao seu conteúdo, que são igualmente impostos pela norma jurídica. Estes, entretanto, guardam com a autonomia negocial uma relação mais estreita; a delimitação do objeto da superfície urbana, por exemplo, é objeto de autonomia negocial.

A norma oferece o conteúdo padrão da concessão, a concessão do terreno, e logo em seguida deixa a critério das partes o acordo acerca da utilização das três dimensões da propriedade. Na hipótese de negociação de parcela destacada do solo, não havendo cláusula específica neste sentido, ainda assim existirá o negócio superficiário.

Significa dizer que, caso não se faça presente no ato negocial a especificação em relação ao objeto da concessão ser o espaço aéreo sobre edifício preexistente, não haverá impedimento à entrada do negócio jurídico de superfície no plano da existência; este não será apto, entretanto, a produzir os efeitos visados para um negócio jurídico de sobrelevação, porque não terá condições sequer de ultrapassar o plano da validade.

Nestes termos, haveria um conteúdo mínimo existencial do negócio jurídico superficiário: constituição de direito real de construir ou plantar sobre propriedade alheia com consequente suspensão da acessão, mediante escritura pública. Qualquer ato negocial que tenha por objeto a constituição do direito de superfície, deve conter necessariamente esses elementos. Os demais elementos que comporão o conteúdo do negócio jurídico superficiário, apesar de não essenciais à sua existência, serão os responsáveis por garantir que o negócio produza os efeitos visados pela autonomia negocial e dizem respeito à especificidade do negócio, como a delimitação da parcela da propriedade a ser utilizada, a finalidade da edificação, a forma de contraprestação se a concessão for onerosa, dentre outras minúcias.

Finda a elaboração do núcleo do direito de superfície a ser constituído, apesar da elasticidade do tipo superficiário, que permite a composição de um direito passível de adequação à vontade negocial, a estrutura do negócio constitutivo deste direito real demonstra serem possíveis diversas combinações entre elementos categoriais, cuja norma obriga alternativamente, que darão origem ao mesmo direito.

O negócio jurídico constitutivo de sobreelevação em direito de superfície é um negócio específico por derivação do negócio jurídico superficiário em cujo conteúdo se fazem presentes os elementos previamente caracterizados como essenciais e inderrogáveis do tipo, acrescida a disciplina estabelecida pela vontade negocial, que irá caracterizar o negócio em comento.