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3.1 Sobrelevação: concessão ad aedificandum

3.1.2 Sobrelevação e subsuperfície

A vinculação da concessão superficiária para fins de sobrelevação à existência de propriedade superficiária, quando colocada pela doutrina, levanta ao menos uma questão relevante à discussão, que é a presunção da constituição de subsuperfície, apesar de não haver regulação a seu respeito na legislação brasileira223.

Apesar de haverem bastantes opiniões tendentes ao reconhecimento da possibilidade de se constituir direito de superfície por meio de sobreelevação em direito de superfície, via de regra, mesmo os que a reconhecem, não lhe dedicam mais do que poucos parágrafos, insuficientes à compreensão do objeto em estudo, quando este não aparece representado incorretamente.

Na obra do professor Paulo Lôbo, o mesmo equipara a sobreelevação à superfície de segundo grau, ou subsuperfície224, que consiste em concessão de coisa que já é objeto de concessão superficiária. Este posicionamento vincula a modalidade de concessão derivada em estudo à existência prévia de propriedade superficiária, cujo prazo de extinção vincularia a propriedade sobrelevada.

Não obstante, também não é raro encontrar citações à sobreelevação em direito de superfície como sinônimo de subsuperfície ou superfície de segundo grau225, que em verdade,

caracteriza-se pela constituição de direito de superfície sobre objeto já concedido em superfície, criando-se uma relação superficiária entre o superficiário concedente e o novo superficiário.

222.MAZZEI, 2012. op.cit. p. 244

223 “Ao não ser regulada a subsuperfície como figura típica, não se admite a constituição desta forma de

propriedade horizontal”. TEIXEIRA, op.cit., p. 304.

224 A superfície de segundo grau subsiste até a ultimação do prazo do direito da superfície de primeiro grau”.

LÔBO, Paulo, op.cit. p. 244

225 “Ou seja, é possível a constituição de “sub-superfície” ou “ superfície de segundo grau” ou ainda, como prefere

o Código Civil Suíço “Direito de sobreelevação”? A resposta me parece positiva. A situação se configuraria com a presença de três personagens: o proprietário-concedente, o superficiário e o sub-superficiário, este último detentor do direito de sobreelevação”. REZENDE, op.cit. p. 79. no mesmo sentido, LOBO, op.cit. p.244

Vale ressaltar que a subsuperfície ou superfície de segundo grau não exclui a possibilidade de sobreelevação, mas a ela não é restrita; ou seja, a subsuperfície, ao menos em teoria, constitui-se sobre qualquer fração da propriedade superficiária.

Rodrigo Mazzei explica226:

No que se refere à subsuperfície, esta pode ter como objeto o direito de implantar e/ou sobre o implante que foi inicialmente remetido para o patrimônio jurídico do superficiário. No entanto, o concessionário pode não gozar pessoalmente, no todo ou em parte, o escopo da concessão, passando tal posição para terceiro – na qualidade de subsuperficiário – os direitos inerentes ao pacto

No entanto, o fato de não gozar da concessão como um todo e negociar esta posição com terceiro, caracteriza, na verdade, a transmissão do direito de superfície, enquanto que as outras situações propostas pelo autor poderiam, de fato, refletir a constituição de subsuperfície.

Ainda esclarecendo, para que houvesse a constituição de subsuperfície, seria necessário que a legislação brasileira elencasse, dentre os direitos do superficiário, o de constituir nova superfície, direito este que se limita ao proprietário, único habilitado pelo direito a conceder seu terreno em superfície. Ademais, a propriedade superficiária não possui sequer matrícula autônoma em relação à propriedade originária.

Embora não sejam evidentes ou por assim dizer, explicados, em um primeiro momento, os critérios que direcionam o referido posicionamento, o simples olhar lançado à figura da subenfiteuse parece revelar a origem da presunção. A subenfiteuse era um subemprazamento realizado na enfiteuse particular pelo foreiro com terceiro, a quem transmitia o domínio útil, sem envolvimento do senhorio direto.

Mesmo que o direito de superfície guarde com a enfiteuse algumas semelhanças, não se pode, no entanto, presumir que o mesmo regime lhe seja aplicável. É compreensível que a herança deixada pela prática negocial de subenfiteuses possa, eventualmente, contaminar o desenvolvimento da construção doutrinária acerca da dogmática do direito de superfície.

Ao vincular a sobreelevação à subsuperfície ou utilizá-las como sinônimos, está-se deixando de observar um importante fator de diferenciação entre elas. Enquanto a sobreelevação é uma modalidade de concessão derivada que recai especificamente sobre o espaço áereo, a subsuperfície consiste na concessão de direito de superfície por titular de

propriedade superficiária, não necessariamente abrangendo o ius aedificandum, podendo recair, inclusive, sobre o mesmo objeto.

Outro questionamento que surge, ainda relacionado à constituição de subsuperfície no que se refere à sobreelevação, toca a questão da titularidade do espaço aéreo sobre propriedade superficiária. Após a realização de construção superficiária ou destacamento do implante por meio de cisão, o espaço aéreo remanescente pode não estar na esfera de poder do superficiário, o que de pronto, já inviabilizaria a caracterização da sobreelevação como subsuperfície.

Não significa dizer que restaria impossibilitada de ocorrer a concessão para sobreelevação sobre propriedade superficiária; é necessário, entretanto, verificar a quem pertence a titularidade do espaço volumétrico imediatamente acima desta propriedade. Caso seja o superficiário, este não pode conceder o espaço aéreo para fins de sobreelevação.

Em termos práticos, como citado pela doutrina que vincula sobreelevação à subsuperfície, não haveria grandes problemas na constituição de nova superfície pelo titular da propriedade superficiária, uma vez que o termo da concessão seria obrigatoriamente compatível com o da primeira superfície.

Ocorre que, não sendo contemplada a subsuperfície no ordenamento brasileiro, isto é, não havendo previsão, dentro dos poderes do superficiário, o de constituir nova superfície, esta apresenta-se inviável, uma vez que não seria possível o cumprimento do primeiro requisito para constituição do direito real, o seu registro no Cartório de Imóveis.

Entretanto, na hipótese em que o titular do espaço volumétrico sobre edifício objeto de propriedade superficiária seja o proprietário do terreno, em tese não haveria impedimento à concessão de sobreelevação, uma vez que a nova construção não implicaria em qualquer vínculo com a primeira, nem sequer em relação ao prazo de concessão, pois, ao término de qualquer deles, a propriedade será revertida ao proprietário do terreno.

Em termos de registro, também não haveria qualquer inviabilidade, uma vez que o registro do direito de superfície é realizado na matrícula do imóvel concedido. Isto é, sendo o imóvel previamente gravado com direito de superfície, não haveria óbice ao registro de novo direito de superfície em parcela diversa da propriedade imobiliária, no caso em comento, do espaço aéreo.

Em síntese, a possibilidade de se constituir novo direito de superfície sobre espaço aéreo de propriedade superficiária está restrita ao titular do direito de propriedade, que é o único legitimado pela legislação urbanística e pelo Código Civil a constituir direito de superfície, o

que de pronto já elimina a existência da subsuperfície no direito brasileiro. Não obstante, tal limitação possui reflexos na legislação registral, já que a propriedade superficiária não possui matrícula autônoma.

Quando da constituição de direito de superfície, este será registrado na matrícula referente ao imóvel gravado. Apesar do implante se tornar uma propriedade superficiária, esta não possui registro independente da propriedade de origem, o que não oferece qualquer possibilidade à existência de subsuperfície, uma vez que o mesmo imóvel não pode ser gravado pela superfície na mesma proporção em que já tenha sido gravado anteriormente.