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3.1 Sobrelevação: concessão ad aedificandum

3.1.3 Sobrelevação positivada

Esta modalidade não é estranha à uma parte dos ordenamentos estrangeiros que disciplinam o direito de superfície, a exemplo do Código Civil Português, o Código Civil de Macau, e a ley de suelo da Espanha.

O Código Civil Português prevê a sobreelevação em seu art. 1526227 quando trata do direito de construir sobre edifício alheio, determinando que após realizada a construção, serão aplicáveis as regras destinadas à propriedade horizontal, passando o construtor a ser condômino nos termos do art. 1421 do supracitado diploma.

O Código Civil de Macau, nesta matéria, se assemelha ao Código Civil Português, quando também trata de sobreelevação sob a denominação de direito de construir sobre edifício alheio, em seu art. 1420, dispondo apenas que este será regido pelas disposições referentes à construção de obra em propriedade horizontal, presentes no artigo anterior.

Na Espanha, a ley de suelo de 2008, prevê, em seu artigo 53, que se atribui ao superficiário o poder de edificar no solo de outrem, bem como sobre ou sob ele, mantendo a posse temporária sobre os edifícios ou construções realizadas. O mesmo artigo prevê, ainda, que poderão ser objetos de concessão de direito de superfície, edifícios preexistentes ou construções de outra natureza já realizadas, casas ou lojas, atribuindo propriedade superficiária sobre tais, sem prejuízo da propriedade do solo do imóvel separado.

227 Código Civil Português.

O ordenamento espanhol, apesar de sucinto quando dispõe sobre direito de superfície, é bastante claro acerca das possíveis modalidades de concessão, admitindo a modalidade clássica, de construção sobre o solo, bem como as modalidades derivadas de concessão do subsolo, espaço aéreo e cisão. Inclusive, a sua previsão legal se dá na legislação urbanística, não havendo dispositivo neste sentido no Código Civil espanhol.

A possibilidade de constituir sobreelevação surge no direito espanhol quando da reforma do Reglamento Hipotecário, ainda em 1959, afim de se adequar à Ley de Suelo, de 1956, que instituiu o direito de superfície naquele país. O art. 16, §1º instituiu que para a eficaz constituição do direito de superfície, deveria ser inscrito em favor do superficiário o direito de construir edifícios em solo alheio e o de levantar novas construções sobre o espaço aéreo ou sob o solo de terrenos alheios228.

Entretanto, há na doutrina quem distinga claramente o direito de superfície e o direito de sobreelevação, ou derecho de vuelo, este último instituído pelo Reglamento Hipotecário. Enquanto o direito de superfície constituiria propriedade separada do solo, sendo o ius aedificandi um elemento a mais na sua constituição, o derecho de vuelo é essencialmente voltado à edificação229.

O sistema que rege os direitos reais na Espanha é o numerus apertus, isto é, novos direitos reais podem ser criados. Por tal razão, ao ser disposto no Reglamento Hipotecário que a sobreelevação poderia ser negociada independente do direito de superfície, aquele alcançou o status de direito real.

Apesar disso, não há impedimentos à concessão do espaço aéreo em direito de superfície. O que ocorre, é que a concessão deste direito de vuelo propõe a sua utilização sem dependência do direito de superfície.

O Código Civil Italiano, por sua vez, dispõe em seu Art. 952 que o proprietário pode constituir o direito de fazer e manter acima do chão um edifício em favor outrem. No mesmo

228 MONJE, Maria Isabel de la Iglesia. El derecho de edificación sobre fundo ajeno. Aspectos civiles y

registrales. p. 81. Importante registrar, que o mesmo regramento hipotecário instituiu o derecho de sobreedificacion ou derecho de vuelo, independente da concessão de direito de superfície, tendo dado origem a novo direito real (segundo a autora, devido ao regime de direito das coisas ser numerus apertus), o que não exclui a possibilidade de sobrelevar em direito de superfície no direito espanhol.

229LACUVE, Chantal Moll de Alba. El derecho de superficie y el derecho de vuelo en el código civil de cataluña.

dispositivo, admite a alienação da propriedade de edifício preexistente, em regime de direito de superfície, separadamente da propriedade do solo.

O art. 1227 do Codice Civile prevê que o proprietário do imóvel no último plano do edifício tem o direito de construir sobre ele, podendo o condomínio se opor ao exercício deste direito, quando houver prejuízo à estética arquitetônica do edifício ou prejuízo na iluminação ou ventilação dos pisos inferiores.

Isto é, só há no ordenamento italiano, ao menos expressamente, disciplina acerca da constituição de superfície por meio de cisão. Não obstante, a doutrina italiana parece interpretar o supracitado artigo, por extensão da possibilidade de cisão, no sentido de que o direito de superfície poderá recair sobre o espaço aéreo.

As primeiras interpretações da doutrina colocaram em perspectiva que o art.1127 faria menção à uma transferência consensual, operando no momento da constituição de condomínio e que se concretizaria na renúncia preventiva de usufruto e exploração, por parte de todos condomínios, proprietários dos andares abaixo, da coluna de ar acima do edifício230.

Tal posicionamento, entretanto, não perdura. Essa interpretação do supracitado artigo não goza de suporte legal, tendo sido aparentemente importada da redação do art. 564 do Código Civil Italiano de 1865, que trazia expressamente a condição de haver consentimento prévio dos outros proprietários dos planos inferiores para o exercício do direito de sobreelevação pelo proprietário do piso superior, isto é, dependia o titular do direito da realização de uma transação legal que lhe permitiria a exploração da coluna de ar sobrejacente231.

Outro posicionamento a se destacar é justamente aquele que chegou a considerar a sobreelevação como uma modalidade de direito de superfície, tendo seu próprio conteúdo econômico, devendo ser avaliado separadamente dos outros planos do edifício. Alguns apontam que o direito se baseia no princípio da acessão, tal como o condomínio seria a soma de muitos direitos de superfície sobrepostos232.

Não há, no Código Civil de 2002, vedação à concessão do direito de superfície com a finalidade de sobrelevar, há apenas vedação à concessão do subsolo quando este não for inerente à obra a ser realizada na superfície. Porém, se não há vedação clara, também não há

230 COCCHIARA, Alessandro. La sopraelevazione degli edifici in condomínio. Archivio delle locazioni e del

condomínio, pags 547-559. Núm. 4-2000, Agosto 2000 p. 5

231 Ibid., p.5 232 Ibid., p.6.

autorização expressa no art. 1.369. Quanto à redação do art. 21, §1º, o professor Rodrigo Mazzei diz que “parece autorizar a sobreelevação, quando arrola o espaço aéreo como possível objeto do direito de superfície233”.

Nota-se o cuidado do referido autor em afirmar a possibilidade de se praticar a sobreelevação em direito de superfície no ordenamento brasileiro. Não se pode elogiar a técnica legislativa no que toca ao direito de superfície. Entretanto, a cautela na interpretação dos dispositivos que o disciplinaram é imprescindível, uma vez que o silêncio da norma em pontos específicos pode levar à utilização de modalidades derivadas de concessão, como a sobreelevação, de forma equivocada, como será discutido a posteriori.

O Código Civil Brasileiro traz, em seu art. 1343, situado no título que prevê as normas pertinentes ao condomínio edilício, disposição segundo a qual, a construção de outro pavimento destinado a conter novas unidades imobiliárias depende da aprovação da unanimidade dos condôminos. Isto é, a figura da sobreelevação está expressamente prevista no referido diploma, o que não existe, porém, são dispositivos que a disciplinem especificamente em direito de superfície.

A parte da doutrina que defende a possibilidade de sobreelevação em direito de superfície no Brasil, o faz utilizando o art. 1229 do CC como fundamentação para a interpretação dos arts. 1369 do CC e 21, §1º do Estatuto da Cidade234. Isto é, o posicionamento favorável à admissão

deste modelo derivado de concessão parte da utilização do método sistemático na intepretação dos dispositivos legais.

A interpretação sistemática busca, através do estabelecimento de uma cadeia lógica entre o dispositivo de lei a ser interpretado e outros da mesma lei, do mesmo campo do direito ou ainda, do ordenamento jurídico como um todo. Isto é, a interpretação normativa não se dá isoladamente, mas dentro de um contexto que pode partir da utilização de norma geral dentro da mesma lei como elemento hermenêutico, bem como da contextualização de dispositivos de leis diversas sob a égide de um sistema comum235.

Desta forma, não parece imprudente admitir, aprioristicamente, que a legislação brasileira fornece os mínimos elementos necessários para que a sobreelevação seja praticada em direito

233 MAZZEI, 2012, p. 249.

234 MAZZEI, 2012, p. 252.

235 CANARIS, Claus-Wilhelm; CORDEIRO, A. Menezes. Pensamento sistemático e conceito de sistema na

de superfície, no âmbito da propriedade urbana, sob regência do Estatuto da Cidade e do Código Civil de 2002 conjuntamente.

Apesar de haver tal permissibilidade, ao menos em tese, a execução da sobreelevação em superfície ou até mesmo da sua modalidade prevista em condomínio edilício, pode ser limitada ou não permitida de acordo com a zona urbana em que se localize o edifício, de acordo com o disposto em plano diretor municipal.

Da mesma forma, a concessão para fins de sobreelevação não se restringe à existência prévia de propriedade superficiária, não havendo óbice à constituição do direito de superfície através desta modalidade ad aedificandum de forma originária, isto é, inaugurando a relação jurídica superficiária entre proprietário do edifício-base e o concessionário do espaço aéreo em superfície.

Depois de finalizada a sobreelevação sobre edifício, a construção realizada no espaço aéreo, pertencerá, de pronto, ao concessionário, constituindo propriedade superficiária sobreposta. A dúvida que surge, entretanto, é em relação ao regime jurídico que deverá ser aplicado ao edifício, que teve sua configuração alterada para comportar propriedades distintas, sendo uma ou ambas em concessão de superfície.