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Aspectos curriculares da educação ambiental na formação inicial de professores de

CAPÍTULO 2 O NECESSÁRIO DIÁLOGO UNIVERSIDADE EDUCAÇÃO

2.3 Aspectos curriculares da educação ambiental na formação inicial de professores de

A EA tem fixado suas raízes, ou seja, tem se configurado de duas formas na formação inicial de professores de biologia: a partir da transversalidade da temática ou da inserção de uma disciplina específica. Segundo Ferraro (2004), a inserção parece ser a forma mais adotada até então.

Em pesquisa realizada por Andrade (2008) com educadores ambientais, professores de IES e pesquisadores da ANPEd sobre a inclusão de disciplinas específicas nos currículos da educação superior, percebemos que os resultados encontrados foram divergentes. Em outras palavras, as recomendações de leis, como a de nº 9795/99, sugerem a não inclusão da EA como disciplina, mas não há consenso sobre a pertinência ou não de incluí-la como disciplina

no currículo. Na seção II da referida lei, há algumas diretrizes para a inserção da EA no ensino formal. Vejamos algumas particularmente importantes ao nosso estudo:

Art. 9º Entende-se por educação ambiental na educação escolar a desenvolvida no âmbito dos currículos das instituições de ensino públicas e privadas, englobando: I – educação básica:

a) educação infantil; b) ensino fundamental e c) ensino médio; II – educação superior; III – educação especial; IV – educação profissional; V – educação de jovens e adultos

Art. 10º A educação ambiental será desenvolvida como uma prática educativa integrada, contínua e permanente em todos os níveis e modalidades do ensino formal.

§1º A educação ambiental não deve ser implantada como disciplina específica no currículo de ensino.

§ 2º Nos cursos de pós-graduação, extensão e nas áreas voltadas ao aspecto metodológico da educação ambiental, quando se fizer necessário, é facultada a criação de disciplina específica.

Art. 11º A dimensão ambiental deve constar dos currículos de formação de professores, em todos os níveis e em todas as disciplinas.

Parágrafo único: Os professores em atividade devem receber formação complementar em suas áreas de atuação, com o propósito de atender adequadamente ao cumprimento dos princípios e objetivos da Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA, 1999; grifos nossos).

Nas diretrizes trazidas para este trabalho, destacamos: a necessária inserção da EA na educação superior, o que fortifica o indispensável diálogo EA-universidade; a recomendação de a EA não se constituir em disciplina nos cursos de graduação, a menos que se objetive trazer diferentes metodologias que auxiliem os futuros professores a trabalhar com ela na educação básica e a necessidade de a EA constar nos cursos de formação de professores.

Isso põe a universidade diante do desafio de refletir sobre as mudanças exigidas na atualidade. A produção de conhecimentos, a docência e as atividades de extensão continuam como preocupações inerentes à universidade, mas não se pode esquecer um compromisso: formar para a cidadania em uma era planetária. Por conseguinte, o quefazer docente na universidade, independente do componente curricular lecionado, pode ser inovado a fim de ele atuar na formação de homens e mulheres comprometidos em auxiliar na qualidade de vida local, regional, nacional e global.

Mesmo com o que foi explicitado na Lei nº 9795/99, a pesquisa de Andrade (2008) mostrou que disciplinas de EA são oferecidas como eletivas, obrigatórias e optativas nas diferentes licenciaturas – entre as quais ciências biológicas - e as ementas trazem bibliografias diferenciadas conforme o curso, porém alguns autores são recorrentes. Em relação à

metodologia utilizada, o autor identificou a prevalência da exposição oral e do uso de vídeos. Quanto ao conteúdo trabalhado, o autor identificou a abordagem de problemas ambientais locais nas aulas. Entretanto, pensamos que disciplinas de EA não garantem a ideia da mesma como prática educativa integrada, contínua e permanente; como preconiza o artigo 10º da Lei 9795/99. São as concepções dos professores e suas práticas docentes, assim como as metas definidas pelas universidades que podem garanti-la como recomenda a lei.

Embora aqui nosso objetivo não seja analisar a inserção da EA como disciplina na formação inicial do professor de biologia, trata-se de discussão pertinente, já que estamos investigando a prática docente com a EA crítico-humanizadora em cursos de licenciatura. E, pelo exposto, ela pode ocorrer na forma de disciplina de EA ou de outras que tragam a EA de forma transversal ou interdisciplinar. Como afirmam Cunha e Tavares Jr. (2010, p. 62),

[...] a inserção de uma disciplina de EA na formação inicial dos professores garante a abordagem da temática, mas sua legitimidade e sua influência nos cursos de graduação, dependerá de uma conjuntura de fatores os quais, a seu tempo, serão merecedores de outras escutas sensíveis.

Em busca de escutas sensíveis sobre a EA na formação de professores de biologia recorremos às Diretrizes curriculares nacionais para os cursos de ciências biológicas, aprovadas pelo Ministério da Educação, parecer 1301/2001. Lá encontramos que a biologia é a “ciência que estuda os seres vivos, a relação entre eles e o meio ambiente, além dos processos e mecanismos que regulam a vida”. Notamos assim que o meio ambiente é visto como algo apartado dos seres vivos e o estudo das relações destes com o meio ambiente sugere estudos ecológicos que não são, necessariamente, ambientais.

As Diretrizes apontam para um perfil de formandos que contempla a responsabilidade como educador apto a atuar multi e interdisciplinarmente, consciente da necessidade de atuar com qualidade e responsabilidade em prol do meio ambiente, dentre outras coisas. Porém, em nenhum momento, o documento apresenta referenciais que demonstrem qual a dimensão atribuída ao meio ambiente.

Na impossibilidade de reconhecermos esta dimensão na forma como o documento está redigido, há poucos subsídios para o planejamento de currículos de cursos de formação de professores. Ademais, de forma geral, a redação das Diretrizes não estabelece e não garante a identidade própria aos cursos de bacharelado e licenciatura, o que também dificulta o planejamento de currículos.

Na parte referente aos conteúdos curriculares, as Diretrizes nos dizem que estes devem englobar conteúdos básicos e específicos. Os conteúdos básicos lá elencados são: biologia celular, molecular e evolução; diversidade biológica; ecologia; fundamentos das ciências exatas e da terra e fundamentos filosóficos e sociais. Já os conteúdos específicos contemplam os necessários à formação pedagógica, considerando-se as Diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da educação básica18.

Percebemos assim que as Diretrizes curriculares nacionais para os cursos de ciências biológicas não explicitam e não dão pistas à compreensão da EA no currículo dos cursos de formação de professores de biologia, o que dá margem a compreensões distintas da mesma. Porém, como este documento abre vistas às Diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da educação básica, decidimos recorrer a estas na busca por um melhor posicionamento de documentos oficiais em relação à EA no currículo.

Nas referidas Diretrizes encontramos eixos estruturadores importantes à organização dos currículos dos cursos de formação de professores como: a pesquisa, a articulação disciplinaridade e interdisciplinaridade, a articulação das dimensões teóricas e práticas e outros. Contudo, as Diretrizes não auxiliam no dever que foi instituído ao Estado (artigo 225 da Constituição) de promover a EA em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente, pois não abordam a EA, não trazem sequer indícios de como a temática pode inserir-se nos cursos de formação de professores.

Verificamos, desse modo, que há um perigoso silenciar nos documentos que regem os cursos de formação de professores de biologia, ficando a cargo do bom senso das instituições a inserção da EA nos currículos em uma era de enfrentamento de desafios socioambientais que, por serem complexos e emergenciais, exigem adequações na organização das matrizes curriculares que garantam a formação de professores aptos a atuarem com a EA na educação básica. Este é um dos motivos que levou-nos, neste trabalho, a analisar os projetos político- pedagógicos dos cursos de licenciatura em ciências biológicas estudados.

Em busca de escutas sensíveis sobre a EA na formação de professores de biologia no estado de Pernambuco, encontramos a pesquisa realizada pela Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) sob a coordenação da professora Solange Fernandes Soares Coutinho. Intitulada A inserção da educação ambiental nas faculdades de formação de professores, ela foi realizada com alunos concluintes de cursos de licenciatura no ano de 2005, professores da educação

18

As Diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da educação básica constituem-se de um conjunto de princípios, fundamentos e procedimentos a serem observados na organização institucional e curricular de cada estabelecimento de ensino e aplicam-se a todas as etapas e modalidades da educação básica (resolução do Conselho Nacional de Educação, nº 1, de 18 de fevereiro de 2002).

superior, chefes ou gerentes de departamentos, diretores de IES ou chefes de centros acadêmicos dos cursos de formação de professores.

A pesquisa teve como objetivo geral avaliar como a EA estava sendo trabalhada na formação de professores no estado de Pernambuco, uma vez que as leis e as diretrizes da educação básica no Brasil têm recomendado a transversalidade da EA no ensino formal, independente da disciplina lecionada. Foram analisados os cursos de formação de professores em letras, história, geografia, matemática, pedagogia, biologia, física, química e educação física.

Para alcançar esse objetivo, estabeleceram-se os seguintes objetivos específicos: verificar, por segmento da comunidade universitária e curso, a percepção da necessidade de inserção da EA na formação de professores; identificar o grau de conhecimento dos diversos grupos pesquisados sobre os fundamentos da EA; detectar o conhecimento e a compreensão dos diversos atores pesquisados sobre a PNEA e conhecer a expectativa do(a) aluno(a) concluinte quanto à sua capacidade de inserir a EA nas suas futuras práticas pedagógicas a partir da formação que está obtendo nos cursos de licenciatura.

No relatório final da pesquisa, concluída no ano de 2007, consta que a motivação para se fazer a pesquisa nasceu da constatação de que graduandos e egressos dos cursos de formação de professores “[...] apresentavam insegurança para inserir a educação ambiental nas suas práticas pedagógicas, quando havia uma série de instrumentos legais que lhes garantiam a inserção da educação ambiental nas suas formações acadêmicas” (COUTINHO, 2007, p. 8).

Cento e sessenta e sete alunos concluintes e 35 representantes dos docentes e gestores educacionais de IES localizadas na região metropolitana do Recife, na zona da mata pernambucana e sertão de Pernambuco foram entrevistados. As instituições campo da pesquisa foram: a Universidade Federal de Pernambuco; a Faculdade de Formação de Professores de Nazaré da Mata (FFPNM), unidade de ensino superior da Universidade de Pernambuco (UPE), e a Faculdade de Formação de Professores de Petrolina (FFPP), unidade de ensino superior da UPE.

A análise dos dados primários obtidos nas respostas aos 167 questionários dirigidos aos alunos concluintes dos diversos cursos mostrou que 98,2% julgaram necessário obter conhecimentos sobre a EA durante a formação acadêmica, apesar de somente 53,3% terem tido oportunidade de discutir temas ambientais durante a graduação; 85,6% gostariam que a EA fosse destacada no seu curso; e 34,1% julgaram-se preparados para inseri-la em suas práticas docentes.

Os concluintes dos cursos de biologia e geografia aparecem como aqueles que mais tiveram oportunidade de discutir temas relacionados às questões ambientais, 96,1% e 95,6% respectivamente; já os alunos do curso de física não tiveram essa oportunidade. Percentuais baixos também foram verificados nos cursos de letras, 8,3%, e educação física, 20%.

No relatório de Coutinho (2007), encontramos outros dados importantes referentes aos cursos de formação de professores de biologia. Por exemplo: a EA foi considerada importante para a formação de professores por 100% dos concluintes; 96,1% gostariam que a EA fosse destacada em seu curso e 50% deles julgaram-se preparados para trabalhá-la no exercício da profissão, enquanto 42,3% não se consideram preparados e 7,7% não responderam.

Esses dados sugerem que investigações devem ser feitas quanto à prática docente da EA nos cursos de formação de professores, pois, embora a EA esteja sendo trabalhada, não vem preparando-os efetivamente para o trabalho com a EA na escola. Este fato é comprovado pela insegurança demonstrada pelos concluintes na resposta aos questionários.

A pesquisa coordenada por Coutinho (2007), então, explicita que nosso trabalho no doutorado pode contribuir para o preenchimento dessa lacuna na formação inicial dos professores de biologia. Convém destacar também que a UFRPE, uma das universidades definidas como campo de nossa pesquisa, não foi investigada pela Fundaj, embora conte com quantidade expressiva de cursos de licenciatura.

Outro dado relevante encontramos na referida pesquisa: o conceito vago e frequentemente equivocado de EA dos alunos pesquisados. Cerca de 60% deles dizem ser o modo pelo qual o homem deverá preservar o meio ambiente ou algo semelhante. A minoria, porém, demonstrou maior conhecimento ao relacionar a EA à sustentabilidade, ao manejo adequado na utilização dos recursos naturais, à interferência no meio ambiente com base na organização social e à conexão da vida humana com os fatores ecológicos. Esses dados revelam que os concluintes dos cursos de licenciatura levam consigo uma concepção preservacionista do meio ambiente a qual tem repercussões em sua prática docente.

A referida pesquisa revelou, ainda, que dos 78,3% dos gestores e professores que afirmaram ser a EA trabalhada no curso de graduação, nas suas respectivas unidades de ensino superior, 18,2% disseram ter ocorrido por meio de disciplina obrigatória ou eletiva; o mesmo percentual de pesquisados alegou que o trabalho é feito por meio de projetos, palestras, oficinas e mini-cursos; e 22,7% afirmaram ser de forma transversal e interdisciplinar. O restante não soube precisar, mas disse acreditar que a EA estivesse inserida nos cursos de geografia, biologia e química.

Agora, convém lembrar, a inserção da EA como disciplina não é recomendada pela PNEA, porém o fato de muitas pessoas que trabalham em instituições de ensino ainda não a conhecerem pode favorecer sua implantação como disciplina tanto na educação superior quanto na educação básica.

O desconhecimento da PNEA contribui para significativo entrave à inserção da EA na formação de professores. A esse respeito, o estudo da Fundaj demonstrou que 46,9% dos gestores e professores sujeitos da pesquisa admitiram não conhecer a PNEA, e, de acordo com o relatório, analisando-se as respostas abertas, tal percentual aumenta para mais de 60%, pois

Equívocos conceituais e discordâncias entre a alegação de conhecer a Política Nacional de Educação Ambiental, mas não saber destacar seus principais pontos também foram constatados nas respostas de alguns professores e gestores educacionais (COUTINHO, 2007, p. 60).

Com efeito, o fato de a EA não estar sendo introduzida plenamente na formação de professores de biologia, conforme recomenda a PNEA, responde pela necessidade de novas formações quando eles iniciam sua prática profissional, uma vez que na mesma lhes são requeridas a transversalidade e a interdisciplinaridade da EA nas disciplinas a serem lecionadas, o que produz custos pessoais ou aos cofres públicos, para remediar lacunas advindas das formações iniciais.

Outro estudo que coopera no entendimento da EA na formação inicial de professores de biologia em Pernambuco é o realizado por Silva (2009). Seu objetivo foi analisar a representação social de natureza no contexto da EA, envolvendo professores e alunos da educação superior e do ensino médio. Os professores da educação superior sujeitos da pesquisa somaram 235 e pertenciam às seguintes áreas do conhecimento: biologia, geografia, matemática, português e sociologia.

A autora relata que as representações sociais dos professores da educação superior evidenciaram os seguintes elementos centrais: ecologia, homens, florestas, mar, água e vida; entre os quais vida e homem apareceram com maior frequência. Os resultados da pesquisa apontam que os sujeitos compartilharam quatro significados atribuídos à natureza: como provedora da vida humana; como biodiversidade; como fator de interação homem-natureza e no contexto da preocupação com o futuro.

Dentre os resultados obtidos, a pesquisadora percebeu, ainda, que os professores de geografia e de sociologia apresentavam maior preocupação com as interações sociedade- natureza, enquanto os da área de biologia centravam-se no conceito de biodiversidade. Isso reforça nosso interesse em pesquisar práticas docentes na formação inicial de professores de

biologia que abracem a humanização e a criticidade, já que EA não é ecologia e, consequentemente, vai além dos limites de estudos sobre conceitos ecológicos, como o de biodiversidade.

O estudo de Silva (2009) também revela que na prática docente do professor de ensino médio emergem ideias, valores, crenças e atitudes que muitas vezes não estão “sintonizados com o que está cientificamente proposto para a educação ambiental” (p. 270). Daí as dificuldades encontradas para o trabalho com a EA na escola.

Dificuldades que a princípio estão na relação com a formação do professor para o exame da questão ambiental, numa perspectiva integrada que considere a interdisciplinaridade, o envolvimento com a comunidade e o encaminhamento de soluções para as questões ambientais concretas (Ibidem, p. 270).

Pelo exposto, a EA, além de não estar plenamente inserida nos cursos de formação de professores de biologia estudados, quando ocorre a inserção, é acolhida na disciplinaridade e no não envolvimento das questões socioambientais com a comunidade. Tal situação cria dificuldades à decifração e à interpretação crítica e analítica da realidade socioambiental, ou seja, compromete a leitura do mundo.

Freire (2002), ao referir-se à necessária leitura do mundo feita por professores, infere que ela envolve a compreensão de sua própria presença no mundo. E é essa “[...] leitura do mundo exatamente a que vai possibilitando a decifração cada vez mais crítica da ou das situações-limites” (FREIRE, 1996, p. 106). Entretanto, o silêncio mantido a respeito do mundo é muitas vezes característico da escola e da universidade.

Quando a formação do professor de biologia dicotomiza a formação científica e a pedagógica da leitura do mundo, dos fatos e da vida, compromete a prática docente e a postura humanizadora e crítica do futuro professor como profissional e pessoa. A humanização e a criticidade dependem de tal leitura para pronunciá-las. Essa leitura pode ser estimulada pela inserção dos licenciandos no mundo da vida não apenas como seres de ação, mas também como seres pesquisadores deste mundo em razão da própria compreensão de que somos inconclusos. Assim, vemos que o quefazer docente da EA crítico-humanizadora constitui raízes inovadoras e necessárias à formação do professor de biologia.