• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 5 RESULTADOS E DISCUSSÕES: A COLHEITA DOS FRUTOS

5.1 A educação ambiental crítico-humanizadora nos PPP: frutos verdes

O PPP do curso de licenciatura em ciências biológicas da UFPE foi reformulado em 2010 e no mesmo encontramos que um dos objetivos específicos do curso é “disseminar

conhecimentos sobre a natureza e o meio ambiente, visando à melhoria da qualidade de vida” (p. 8). Tal melhoria é expressa também no perfil do profissional formado no curso. Segundo consta no PPP,

O futuro professor de biologia deve ser um mediador capaz de orientar o processo de aprendizagem de seus alunos, consciente do seu papel na formação de cidadãos críticos e da sua contribuição e responsabilidade na transformação da realidade, na busca da melhoria da qualidade de vida da população. Sua atuação deverá ser preponderante na preservação do meio ambiente (p. 9; grifos nossos).

Entretanto, a formação do professor que visa à formação de cidadãos críticos não tem correspondência direta com o fato de este profissional atuar preponderante na preservação do meio ambiente. A transformação da realidade e a busca pela melhoria da qualidade de vida passam por outras questões que extrapolam a preservação ambiental e a resolução de problemas que advenham desta não preservação. Promover tal correspondência direta é reduzir as lentes, ao invés de ampliá-las para ver o todo e as partes, ou seja, ver o mundo como um cidadão socioambiental.

A redução das lentes pôde também ser encontrada no documento quando são definidas as competências, as atitudes e as habilidades do profissional formado na IES. Dentre as principais citadas no PPP encontramos: “Ser capaz de trabalhar em grupos interdisciplinares para a resolução de questões ambientais” (Ibidem, p. 10). Essas questões, exatamente por ultrapassarem o ambiental, o natural, é que exigem equipes inter e transdisciplinares atuando na sua resolução dentro da universidade e assim promovendo a formação de professores e de cidadãos capazes de levar adiante tal formação diferenciada.

Isto porque, a nosso ver, ser cidadão é apropriar-se da realidade socioambiental no e com o mundo para nela intervir. Assim, cidadania e meio ambiente caminham de mãos dadas, formando uma cidadania que é socioambiental e que se constrói a partir da EA. Entretanto, não encontramos no documento nenhuma referência à EA. Dissociar o ambiental do social e estes da EA é dissociar as partes que formam o todo, é ver com lentes que fragmentam, o que fere a compreensão de complexidade, de um mundo que é complexo e cujos problemas não são isolados de um todo, da teia da vida.

Seguindo este pensamento podemos inferir que o próprio processo de apropriação de ser cidadão e de cidadania vai sofrendo ajustes ao longo do tempo para acompanhar o contexto histórico vivenciado. Cidadania é um conceito que por vezes pode receber conotações que a desviam deste contexto, talvez, como evidenciam Pequeno e Silva (2010, p. 1), pela própria história da cidadania que “desde os primórdios da humanidade confunde-se

com a história da luta das gentes pelos direitos humanos básicos” como liberdade, justiça e dignidade, dentre outros. Nos tempos atuais, cidadania é socioambiental, sociedade e meio ambiente como direito e como dever de todos e todas.

O PPP do curso de licenciatura em ciências biológicas da UFRPE foi reformulado no ano de 2008 e nele encontramos que o mesmo foi uma construção coletiva de professores e alunos de forma que “a interação refletida no projeto foi resultante de um processo exaustivo de análise dos conteúdos curriculares visando a sua adequação às Diretrizes Curriculares para os Cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas” (p. 2).

Porém, como discutido no item 2.3 deste trabalho, tais Diretrizes não explicitam qual dimensão é atribuída ao meio ambiente, contribuindo pouco para o planejamento de currículos; além disso, o documento não apresenta subsídios que garantam identidades diferenciadas à licenciatura e ao bacharelado. Deste modo concluímos que a adequação às Diretrizes não garante a inserção da EA no PPP.

Na abordagem das habilidades pessoais e profissionais do licenciado em ciências biológicas na UFRPE, encontramos que é imprescindível que o licenciado manifeste ou reflita, na sua prática como profissional e como cidadão, a seguinte habilidade: “Compreender e avaliar criticamente os aspectos sociais, tecnológicos, ambientais, políticos e éticos relacionados às aplicações da biologia na sociedade” (p. 27). Este é o único ponto do documento no qual encontramos referência à questão ambiental, mas sem trazer, em sua essência, a EA e, muito menos, a EA crítico-humanizadora.

Entretanto, o documento aponta que uma das habilidades profissionais do licenciado em ciências biológicas é “assumir conscientemente a tarefa educativa, cumprindo o papel social de preparar pessoas para o exercício consciente da cidadania” (p. 28). Se entendermos cidadania como exercício pleno de cidadão que tem direitos e deveres para com a história de determinada sociedade, e, para além disso, compreendermos que a história é tempo de possibilidades, não de estagnação, como nos lembra Freire (apud FREIRE, A., 2001), percebemos que o conceito de cidadania não pode correr o risco de ser utilizado sem sentido e significado bem definidos em um PPP.

Para que um professor eduque pessoas para o exercício da cidadania, convém não faltar a ele a vivência da EA na perspectiva da humanização e da criticidade, pois a cidadania é também socioambiental em uma era em que falamos de cidadania planetária, em dimensão planetária. Tal dimensão exige uma tomada de consciência socioambiental que se reflete em atitudes e valores em favor da vida, em favor de um mundo socioambientalmente melhor. Gutiérrez e Prado (2000) ao pensarem em um plano de ação que assegure as mudanças

necessárias para construirmos caminhos que levem a uma cidadania planetária trazem como meta a formação de pessoas capazes de desenvolver formas de vida consoantes “com a nova cultura social do desenvolvimento sustentável” (p. 40).

Desenvolvimento sustentável e EA estão intimamente ligados, pois, segundo Carvalho (2006), a EA faz parte de uma tentativa de responder aos sinais de falência de todo um modo de vida, a qual já não mais sustenta as promessas de felicidade, progresso e desenvolvimento. Para tal resposta, cabe associar desenvolvimento econômico ao desenvolvimento socioambiental. Aí está a união necessária e garantidora da vida, a semente que pode tornar-se árvore frutífera produtiva.

Compreendemos que urge uma visão socioambiental que corresponde a uma EA crítico-humanizadora que implica “uma visão de educação como processo de humanização socialmente situado” (CARVALHO, 2006, p. 155). Nessa perspectiva, a educação consiste na formação do indivíduo em relação com o mundo no qual ele vive e pelo qual é responsável e, dessa forma, rompe com a visão de educação determinante da difusão e do repasse de conhecimentos para assumir uma postura crítica.

Essa postura é necessária para a formação de cidadãos que pensem e ajam criticamente, que sejam questionadores e transformadores da sua própria realidade, que disseminem novas e boas sementes. Enfim, que tenham consciência crítica, aqui compreendida no sentido proposto por Freire (1987), que implica o movimento dialético entre o desvelamento crítico da realidade e a ação social transformadora, segundo o princípio de que os seres humanos se educam reciprocamente e mediados pelo mundo.

Entretanto, nos PPP dos cursos de licenciatura investigados, identificamos que a temática ambiental é pouco discutida, pouco abordada. Neste sentido, pensamos, torna-se fundamental a compreensão de que o projeto político pedagógico de um curso de licenciatura situa seus protagonistas em um horizonte de caminhos possíveis, imprimindo direções oriundas do refletir coletivo sobre que educação, que cidadão, que semente se deseja plantar e cultivar na sociedade. A abordagem superficial ou negligenciada da EA nos PPP indica-nos sua necessária revisão diante dos problemas socioambientais que se constituem demandas e/ou necessidades socioambientais atuais, pois a semeadura continua e a colheita necessita ser farta.

Garantir a EA crítico-humanizadora no PPP dos cursos de licenciatura em ciências biológicas é garantir nos mesmos diretrizes concretas que fundamentam a prática pedagógica e os colocam a serviço da sociedade, na qual urge o desenvolvimento sustentável que tem a vida como centro e razão. Como nos fala Lampert (2010, p. 39), “cabe à universidade

contribuir no desenvolvimento sustentável [...] tendo sempre presente que somente através de formação humanizada ter-se-á um homem humano, condição para redimensionar a sociedade”.

É na universidade que são formados recursos humanos que atuarão em toda a sociedade, que podem mudar ou reconstruir sua história, criar oportunidades de ações de EA crítico-humanizadora que melhorem as condições de vida das presentes e futuras gerações. Contudo, Zabalza (2004, p. 43) destaca que há um “esvaziamento progressivo de tudo que significa enriquecimento pessoal e melhora da qualidade de vida das pessoas”; tal autor ainda complementa que é como se isso “não tivesse relação com a formação universitária e com a forma de realizá-la” (Ibidem, p. 43).

No caso dos PPP estudados, como estes não norteiam o quefazer docente nos caminhos de uma EA crítico-humanizadora, mas que encontramos nos relatos dos licenciandos, refletimos que tal quefazer emerge da iniciativa pessoal dos docentes, o que explicita o descompromisso nestes documentos com a sustentabilidade socioambiental. Explicita também que há um descompasso com os próprios documentos que regem as duas IES estudadas (o PDI e o PPPI), pois, como analisado em nosso estudo exploratório, ambos trazem indícios de trabalho com a EA crítico-humanizadora.

As análises feitas levam-nos a considerar que os PPP estudados constituem-se frutos verdes, frutos que podem ser repensados, reelaborados, rediscutidos por uma equipe interdisciplinar. Afinal, o PPP não é um documento estanque, ele pode ser modificado para atender demandas sociais, educacionais, políticas e ambientais da comunidade acadêmica e da sociedade de forma mais ampla. É um processo de amadurecimento necessário que tem a possibilidade de dar origem a frutos maduros, doces e suculentos, como os encontrados em árvores frutíferas do Recife.

5.2 Quefazer da educação ambiental crítico-humanizadora que norteia a formação de