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CAPÍTULO 2 O NECESSÁRIO DIÁLOGO UNIVERSIDADE EDUCAÇÃO

2.2 Formação de professores de biologia na universidade: raiz primeira

Não existe formação momentânea, formação do começo, formação do fim de carreira. Nada disso. Formação é uma experiência permanente, que não pára nunca (FREIRE apud FREIRE, A., 2001, p. 245).

Em plantas como a mangueira, o sistema radicular encontrado é o pivotante ou axial, em que há uma raiz principal correspondente à primeira raiz que surge na germinação da semente. Pois bem: a formação de professores de biologia representa essa raiz principal, porque no cenário da formação é que encontramos diversas práticas docentes, dentre as quais nos interessa as referentes à EA crítico-humanizadora. Tal quefazer corresponde às raízes

possibilitar que cada sujeito tenha o poder e a responsabilidade de introduzir mudanças em escala global.

servir ao bem público, tendo o compromisso social como base. ampliar o sentido e o significado de aula, pois a atual sala de aula tem que ser o mundo.

considerar a complexidade, questionar as racionalidades e ensinar ética centralizada no humano.

universidade – EA crítico- humanizadora

inovadoras nas laterais da raiz primeira que também penetram no solo, do qual absorvem nutrientes e água.

Para acompanharmos o crescimento da raiz primeira, consideramos pertinente tecer algumas considerações sobre o conceito de formação. Para Donato (2002), formar como verbo transitivo significa dar forma e como verbo intransitivo significa colocar-se em formação. Já conforme Veiga (2006), formar é dar forma a algo, ter a forma, pôr em ordem, fabricar, educar. Porém, quando pensamos em formação humana, torna-se inviável dar forma a alguém ou fabricá-lo. A formação humana requer caminhada pessoal, pois esta não se faz por meio do consumo de conhecimentos, atitudes e valores, mas sim da construção desses em um processo que não para nunca.

Convém tecermos também algumas reflexões acerca do conceito de formação de professores para posteriormente expormos como o entendemos. Encontramos em Veiga (2006), que a formação de professores constitui o ato de formar o docente, educar o futuro profissional para o exercício do magistério, ela envolve ação a ser desenvolvida com sujeitos que vão desempenhar a tarefa de educar, de ensinar, de aprender, de pesquisar e de avaliar.

Tardif (2008), ao refletir sobre o ensino como ofício moral, entende que a formação para o ensino não pode limitar-se a conhecimentos e competências; deve envolver também valores, compromissos normativos e convicções éticas, já que o professor trabalha “[...] com, sobre e para seres humanos em desenvolvimento e aprendizado. Trata-se, no sentido forte, de um trabalho de interações humanas” (p. 41).

Ampliando ainda mais tal conceito, Cunha (2010b) a considera um processo na trajetória do professor que agrega elementos pessoais, profissionais e sociais na sua constituição profissional. Sob essa égide, o professor é visto como profissional e pessoa que vai formando-se permanentemente, ao longo da vida. A autora também nos traz que a formação do professor é uma conquista feita com muitas ajudas, como a dos professores formadores, das aulas, dos livros e outras, mas dependente de investimento pessoal.

Aqui, consideramo-la, na sua essência, um compromisso com a educação consciente, crítica, reflexiva e comprometida com a realidade do mundo. Tal compromisso não pode ser passivo, mas “[...] práxis – ação reflexão sobre a realidade” (FREIRE, 1983, p. 21). E ainda: a formação de professores, tanto a inicial quanto a continuada15, é processo, pois estamos permanentemente nos educando com outros humanos com os quais partilhamos o mundo com responsabilidades e compromissos socioambientais. Nessa perspectiva, parece-nos acertado

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Entendemos que a formação continuada tem como pressuposto a consciência de inconclusão do ser (FREIRE, 2002) e constitui-se direito garantido por lei ao professor.

concluir que a universidade não se constitui no único lugar de formação; há muitos espaços de aprendizagem da docência, mas ali, institucionalizada, ela deixa marcas epistemológicas e representações de docência significativas na vida pessoal e profissional do futuro professor.

Para Imbernón (2006), na formação inicial ocorre a aquisição do conhecimento profissional básico, estágio durante o qual, segundo o referido autor, os professores atuam como um currículo oculto por meio de suas condutas socioculturais, políticas, profissionais, pessoais e valorativas explícitas ou implícitas. Leite (2004) com sua pesquisa sobre a formação de professores de ciências e biologia corrobora esse pensamento, ao descobrir que os ex-alunos de um curso de licenciatura16 esquecem os conteúdos de muitas disciplinas, mas mantêm a lembrança de atitudes e valores adquiridos no convívio e no exemplo de seus professores de graduação. Quanto a tal assunto, Cunha (2008, p. 469) nos diz: “as pesquisas na área da formação de professores têm sido recorrentes ao apontar que os docentes reconhecem nos seus ex-professores a inspiração mais forte da sua configuração profissional”. Podemos encontrar ainda nos estudos da autora (2001) que as experiências de aprendizagens consideradas mais significativas por alunos concluintes de cursos de licenciatura de uma universidade pública são, na maioria, as que favorecem ao licenciando situações de contato com a realidade sócio-profissional.

As contribuições dos mencionados autores acerca do currículo oculto representado pelos professores formadores e as vivências propiciadas no campo de inserção sócio- profissional do licenciando levam-nos a destacar a necessária integração entre a formação docente em relação aos conteúdos acadêmicos e disciplinares e a formação pedagógica dos futuros professores. Garcia (1999) refere-se a essa integração como conhecimento didático do conteúdo, uma espécie de amálgama de pedagogia e conteúdo que consideramos essencial no trabalho com EA crítico-humanizadora para que esta se materialize na prática docente do futuro professor.

Do mesmo modo, os dados levantados por Imbernón (2006), Leite (2004), Tardif e Lessard (2007) e Cunha (2001, 2008) ajudam-nos a perceber a sala de aula como espaço de interações humanas no qual o conhecimento específico dos docentes é importante, mas também suas atitudes e seus valores constituem referenciais marcantes. No caso dos cursos de licenciatura, a aula influencia diretamente a formação do futuro profissional, pois nela os

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A licenciatura é a licença, ou seja, trata-se da autorização, permissão ou concessão dada por autoridade pública competente para o exercício de uma atividade profissional, em conformidade com a legislação vigente. O diploma de licenciado pelo ensino superior é o documento oficial que atesta a concessão dessa licença. No caso em questão, trata-se do título acadêmico obtido em curso superior que faculta ao portador o exercício do magistério na educação básica dos sistemas de ensino (Despacho do ministro em 17/1/2002, publicado no Diário Oficial da União de 18/1/2002, Seção 1, p. 31).

formadores passam ainda suas visões de homem, de mundo e das relações nele estabelecidas com outros homens ou com o ambiente natural. Assim, dados de pesquisa ajudam-nos também a reconhecer que os limites físicos da sala de aula podem ser extrapolados, espaços sócio-profissionais precisam ser explorados, o que significa que novas racionalidades são possibilidades à formação do professor no contexto contemporâneo (CUNHA, 2008).

Essas novas racionalidades não mais condizem com modelos como o encontrado nos estudos de McDermott (1990), segundo os quais a formação de professores de física e de outras ciências afins seria a soma de conteúdos específicos - ministrados pelos departamentos de ciências correspondentes - e de cursos sobre educação ministrados para prepará-los para a carreira docente. Tal modelo, muito comum nas licenciaturas desde a década de 1930, é conhecido como “3+1”, porque consiste em três anos de estudo de conteúdos específicos e um ano de componentes curriculares voltados à educação. Para Pereira (1999) e Goedert, Leyser e Delizoicov (2006), esse modo de conceber a formação docente é consoante com o modelo denominado racionalidade técnica.

De acordo com essa concepção, o professor é visto como um técnico, “[...] um especialista que aplica com rigor, na sua prática cotidiana, as regras que derivam do conhecimento científico e do conhecimento pedagógico” (PEREIRA, 1999, p. 111). Assim, a base para a formação docente está no conteúdo específico e o conteúdo pedagógico assume papel secundário. Alguns componentes curriculares responsáveis pela formação pedagógica do professor de biologia são: didática, metodologia do ensino da biologia e prática de ensino da biologia.

Então, o modelo de racionalidade técnica é insuficiente para responder aos dilemas e às ambiguidades do processo educativo; daí a relevância da multiplicidade que compõe a dimensão humana. Neste sentido, conforme Santos (2000) e Cunha (2008), a racionalidade técnica mostra sinais claros de esgotamento, assim como não se cumprem as promessas de desenvolvimento e felicidade anunciadas pela modernidade. A crítica ao paradigma da ciência moderna ajuda no delineamento de novas formas de fazer ciência, ou seja, considerar, pelo menos, que o diálogo epistemológico está associado ao diálogo afetivo, haja vista razão e emoção integrarem o humano. Os novos diálogos permitem novas compreensões da prática do professor e, consequentemente, do seu processo formativo.

Tal discussão permeia atualmente as decisões tomadas em relação à quantidade de horas destinadas ao contato do licenciando com o caráter pedagógico da formação inicial. Nesse contexto, estabeleceram-se 300 horas de estágio supervisionado como o mínimo necessário para se atender às exigências de qualidade na formação pedagógica do professor.

Então, tornou-se procedente acrescentar ao tempo mínimo já estabelecido em lei (300 horas) mais um terço (1/3), perfazendo um total de 400 horas de estágio supervisionado17.

As Diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da educação básica e as leis e resoluções que delas advêm, como a Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008, dispõem sobre o estágio de licenciandos. A referida lei nos diz em seu artigo primeiro que

O Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.

O estágio supervisionado é, portanto, fundamental à formação do professor e deve perpassar o processo formativo, criando relação efetiva entre a formação inicial e o espaço do trabalho profissional, sob a supervisão e orientação de professores da universidade e das escolas campo de estágio. Nesse sentido, conforme assegura Röhr (2006), a tarefa educacional não se esgota na aquisição de conhecimentos; abrange também as ações, o lado afetivo, as posturas, as convicções e tudo o que as sustenta. Logo, acreditamos, o aumento da carga horária destinada ao pedagógico na formação docente pode não ser suficiente para provocar melhorias no processo formativo.

No entendimento de Freire (1983), na educação, o amor é fundamental para que homens e mulheres, seres inacabados e em constante aperfeiçoamento, possam aprender. Segundo ele, “Não há educação sem amor. [...] Não há educação imposta, como não há amor imposto. Quem não ama o próximo, não o respeita” (Ibidem, p. 29).

Outra crítica lançada ao modelo de racionalidade técnica diz respeito à separação entre teoria e prática. De acordo com Gatti (2000), muitas deficiências apontadas na literatura quanto à formação dos professores se devem à ausência da concepção de unidade nas relações teoria-prática. Na visão da autora, qualquer teoria se origina na prática social humana, em que estão sempre explícitos pressupostos teóricos.

Nessa perspectiva, Freire (2000b) nos chama a atenção para o fato de que não é possível prática sem sua programação, que pode ser refeita durante o processo permanente de avaliação: “Praticar implica programar e avaliar a prática. E a prática de programar, que se alonga na de avaliar a prática, é uma prática teórica” (p. 109). E prática teorizada, refletida e ressignificada é práxis.

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Fonte: parecer do Conselho Nacional de Educação em 17/1/2002, publicado no Diário Oficial da União de 18/1/2002, Seção 1, p. 31).

Diante das considerações tecidas acerca da insuficiência do modelo da racionalidade técnica na formação de professores e de nossa trajetória como docentes da educação superior compreendemos que novas racionalidades, visões inovadoras ganham força nas universidades. Percebemos isso não somente na ação docente, no quefazer docente, mas também nos sentidos que os docentes atribuem a suas práticas, aos valores que constroem, o que nos faz entender que o pedagógico não se reduz ao ensino, mas se liga a uma concepção de educação. Esta, como grãos de pólen, fertiliza o quefazer docente levando-o à inovação. Por este motivo, no presente trabalho, ao olharmos para o quefazer docente interessa-nos: a concepção de educação e de educação ambiental, a interdisciplinaridade, a relação professor-aluno, a unidade teoria-prática, a relação educação-sociedade, a relação ensino-pesquisa e a relação sujeito-mundo. Estes se configuram, como já trazido na introdução, como os nossos fios condutores.

Os fazeres inovadores na formação inicial podem alicerçar a prática do professor com a construção de conhecimentos, mas, também, favorecendo as aprendizagens da experiência, da reflexão, das tensões e das contradições existentes no contexto educacional. A sociedade está requerendo profissionais aptos a atuar na docência que enfrenta tensões no campo do trabalho docente, o que exige conhecimentos aliados ao compromisso profissional, que é também social.

A formação do professor, nesta perspectiva, voltar-se-ia à atividade profissional; pois, “deve servir para melhor preparar os professores para o exercício de seu trabalho cotidiano e oferecer-lhe saberes e competências para a ação” (TARDIF, 2002, p. 92). Talvez por esse motivo as reformas educacionais estejam tão empenhadas em garantir a inserção do futuro professor no ambiente escolar desde a segunda metade dos cursos de graduação, o que tem trazido aumento na carga horária dos estágios supervisionados.

Outro ponto destacado pelo autor é que a formação do professor está ainda estruturada em torno de construções e territórios disciplinares por vezes muito rígidos e sem relações entre si. Neste contexto, ele sugere que as disciplinas devem unir-se para tratar as realidades escolares e contribuir para explicá-las. Só assim, os futuros professores teriam subsídios para melhor entender seu campo profissional e desenvolver seu trabalho.

Problemas como o fracasso escolar, a violência, as drogas, a exclusão, os desastres socioambientais que atingem vários dos alunos das escolas – por exemplo, os ocorridos todos os anos, na época das chuvas, e outros - são temáticas cotidianas, realidades do dia a dia. Porém, além de recorrentes, são complexos, difíceis de resolver. Os professores, no entanto, preparados ou não, os enfrentam diariamente nas escolas.

Para dar conta dessas especificidades profissionais, convém compreender que o exercício da docência

[...] não pode se resumir à aplicação de modelos previamente estabelecidos, devendo dar conta da complexidade que se manifesta no contexto da prática concreta desenvolvida pelo professor, posto que o entendemos como um profissional que toma as decisões que sustentam os encaminhamentos de suas ações (ALMEIDA, 2008, p. 477).

A formação do professor é, desse modo, um campo profissional movido por muitas necessidades formativas no sentido de preparar pessoas com conhecimentos e atividades profissionais específicas. Todavia, em nossa sociedade, testemunhamos todos os dias a situação de pouco poder e prestígio profissional dos professores da educação básica, o que provoca tensões na sua formação inicial. Não raro, encontramos licenciandos que confidenciam sua antipatia pela docência e o desejo de não exercê-la.

Recorremos a Leite (2004) com o intuito de identificar mais uma necessidade formativa do professor de biologia: ter habilidades para estabelecer relações significativas entre a biologia e os problemas socioambientais relevantes. E Santos (2000) parece corroborar tal pensamento ao destacar que todo conhecimento científico-natural é científico-social; daí, propõe uma ruptura com a distinção entre ciências naturais e ciências sociais, entre natureza e cultura. Nesse sentido, a temática ambiental merece ser abordada nos cursos de licenciatura em ciências biológicas, pois significa elo fundamental entre o científico e o social - assunto sobre o qual nos debruçamos na próxima seção.

2.3 Aspectos curriculares da educação ambiental na formação inicial de professores de