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CAPÍTULO 4 A ABORDAGEM METODOLÓGICA: CAULE DA PLANTA

4.4 Os etnométodos: transportando a seiva

Segundo Macedo (2006), a etnometodologia é uma teoria do social que se concentra em compreender como a ordem social se realiza mediante as ações cotidianas e, desse modo, consubstancia-se numa teoria dos etnométodos. Para o referido autor, as elaborações de Garfinkel sobre os etnométodos nos fazem concluir que a constituição social do saber e os contextos da atividade institucionalizada que o produz e mantém não podem ser analisados de forma independente.

Concordamos com o autor no sentido de que os etnométodos lutam pelo acolhimento da natureza do mundo empírico habitado por seres humanos culturalmente situados e situantes. Assim, buscamos neste trabalho de pesquisa aqueles que refletissem esse acolhimento e nos permitissem sermos fiéis aos objetivos aqui determinados.

Ademais, orientadas pelos princípios da etnometodologia, buscamos etnométodos que permitissem a coleta e a análise de dados com sentido e significado para a pesquisa. Há intencionalidade na escolha dos etnométodos, pois estes garantem a construção e a reconstrução “[...] do caminhar e do proceder metodológico, sem, contudo, perder a coerência, a lógica e a radicalidade científica” (FRANÇA, 2003, p. 98).

Um dos etnométodos utilizados foi a análise dos PPP dos cursos de licenciatura estudados para perceber a valorização e o compromisso com a EA e com a EA crítico- humanizadora. Outro etnométodo que utilizamos foi a entrevista narrativa. De acordo com Macedo (2006), a entrevista, na etnopesquisa, ultrapassa a simples função de coleta instrumental de dados. Ela é considerada uma forma de entrevista estruturada, de profundidade, na qual a influência do entrevistador deve ser mínima e um ambiente deve ser preparado para possibilitar tal redução da influência do pesquisador (JOVCHELOVITCH; BAUER, 2007). Assim, a entrevista narrativa supera o esquema de entrevistas baseado em pergunta-resposta, ao se empregar o contar e o escutar história a fim de alcançar objetivos.

A entrevista narrativa foi realizada com os professores-atores nos meses de maio e junho de 2011. Para realizarmos a entrevista fizemos contato prévio com os professores, explicamos nossa pesquisa, os ciclos etnometodológicos da mesma e, neste contexto, o modo como chegamos até eles. Após eles concordarem em participar da pesquisa, procedemos ao agendamento. Todos os professores optaram por serem entrevistados nas universidades nas quais trabalham. As entrevistas foram gravadas e transcritas após obtermos de nossos professores-atores autorização por escrito para gravar, descrever, analisar, interpretar e tornar

públicas suas palavras, resultantes da entrevista narrativa (apêndice C). As mesmas duraram em média trinta e sete minutos.

Buscamos aproximação mais efetiva no quefazer da EA crítico-humanizadora por meio da observação participante nas aulas dos docentes nos componentes curriculares citados no estudo exploratório. Minayo (2007b, p. 70) define este tipo de observação como um processo “[...] pelo qual o pesquisador se coloca como observador de uma situação social [...] com a finalidade de colher dados e compreender o contexto da pesquisa”. Assim, a observação participante é importante na investigação do quefazer docente, pois permite a aproximação do pesquisador da realidade concreta, no chão da sala de aula, no local onde docente e discente agem, pensam, inserem-se como sujeitos históricos.

Foram observadas quatro aulas de cada professor-ator e, para as mesmas, utilizamos um quadro que garantiu o registro sistemático (apêndice D) dos dados observados. O objetivo foi garantir uma parte descritiva e outra reflexiva nas observações e assim assegurar o accountability. Na descritiva, pensamos ser importante descrever: o modo de agir dos professores-atores nas aulas; a reconstrução de diálogos por meio de frases ou gestos; o espaço físico onde se realizam as aulas e as atividades desempenhadas pelo docente ao abordar a EA. Na reflexiva, constaram observações pessoais da pesquisadora, impressões e sentimentos.

Na construção reflexiva do caminho metodológico, optamos por promover um círculo de cultura33, após a entrevista narrativa e a observação participante. O mesmo foi promovido em novembro de 2011, para favorecer o diálogo entre os professores-atores das duas IES acerca de seu quefazer. Neste diálogo foi possível aprofundar nossas análises sobre os indícios de processo de humanização e de formação de cidadãos críticos no quefazer da EA crítico-humanizadora. Para Freire (2000a), círculo de cultura é um ambiente no qual, em lugar do professor, há o coordenador de debates; em lugar de aula discursiva, há o diálogo; em lugar de pessoas com tradições passivas, há o participante de grupo.

Em Cartas à Cristina, Freire retoma sua concepção de círculo de cultura e explica que se tratava de

[...] espaços em que dialogicamente se ensinava e se aprendia. Em que se conhecia em lugar de se fazer transferência de conhecimento. Em que se produzia conhecimento em lugar da justaposição ou da superposição de conhecimento feitas

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Lima (1981) destaca que Paulo Freire identificava o círculo de cultura com “o contexto teórico, em oposição ao contexto concreto”. De acordo com aquele autor esse posicionamento de Freire é influência da obra de Karel Kosik intitulada Dialética do concreto. Os círculos de cultura nasceram do trabalho de Freire realizado no Sesi e na Universidade do Recife. Nos círculos, quais os temas a serem debatidos eram estabelecidos pelo grupo, mas outros podiam ser sugeridos pelo mediador para esclarecer ou iluminar a temática sugerida.

pelo educador [...] Em que se construíam novas hipóteses de leitura do mundo (FREIRE, 2003, p. 155).

No círculo de cultura há, mediante o diálogo, novas descobertas individuais e coletivas que preparam e contribuem para “a vida crítica em sociedade” (PADILHA, 2004, p. 171). A partir do encontro e do confronto consigo próprio e com o outro, o ator enxerga melhor a si mesmo e as situações que a ele se colocam, podendo, com base nesse diálogo, intervir criticamente na realidade.

Durante o trabalho com o círculo de cultura, os professores-atores dos cursos de graduação estudados forneceram dados para pesquisa em um ambiente onde a própria pesquisadora foi membro do grupo, pois fez parte do círculo. Nesse sentido, há o que Macedo (2006) chama de “envolvimento deliberado do investigador na situação da pesquisa”. Além do mais, tal participação no círculo de cultura colocou os professores em contato com a realidade do outro e das práticas com EA nos cursos de formação estudados, permitindo aprender e ensinar a criação e a recriação de quefazeres. Esse espaço privilegiado favoreceu o encontro para troca, conhecimento, reconhecimento e superação, configurando-se, portanto, como espaço que potencializa mudanças. Segundo Padilha (2004, p. 250), os círculos

[...] Transformam-se em espaços privilegiados de encontros culturais e educacionais,

potencializando a realização de pesquisas, de eventos populares e comunitários dos mais variados, de reuniões de confraternização reflexivas, de decisões coletivas [...] é justamente nessas ocasiões citadas, em que as pessoas buscam aprender, ensinar, reconhecer as suas subjetividades e objetividades [...] (grifos nossos).

Seguindo as orientações que são dadas aos coordenadores dos círculos de cultura, realizados durante os Colóquios Internacionais Paulo Freire, promovidos pelo Centro Paulo Freire da UFPE, o círculo de cultura foi organizado em momentos distintos (apêndice E), quais sejam: acolhimento, problematização (elaboração da questão problematizadora), diálogo sobre a questão problematizadora e momento de síntese. Neste sentido, destacamos que compreendemo-los como momentos que se complementam e que, portanto, não seguem lógica linear ou etapista.

O referido círculo aconteceu na Oficina Brennand34 e foi uma decisão tomada junto com os professores-atores, pois se trata de um local propício ao contato com a natureza, à

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Descobrimos que houve estreita relação entre Paulo Freire e Francisco de Paula Coimbra de Almeida Brennand, proprietário da oficina. Eles se conheceram no Colégio Osvaldo Cruz, em Recife. Francisco Brennand, como é conhecido, é ceramista, pintor e escultor reconhecido internacionalmente e transformou a oficina de cerâmica de seu pai em local privilegiado de exposição de suas esculturas. Segundo Vale (2005), Francisco Brennand produziu, a pedido de Paulo Freire, pinturas que foram utilizadas por ele nos círculos de cultura para alfabetização de adultos.

reflexão perante a beleza natural e cultural e sua localização próxima às duas universidades estudadas favoreceu o deslocamento dos professores ao mesmo.

O local foi devidamente agendado para a realização do círculo e os convites aos professores-atores para a participação no círculo de cultura foram feitos por telefone e por e- mail. Apenas um dos professores atestou estar em coleta de dados em outra região do país, o que impossibilitaria sua participação. Apesar disso, no dia do círculo – dia 22 de novembro de 2011 – outros dois professores não puderam comparecer por motivos profissionais inesperados. Dessa forma, quatro professores-atores participaram do círculo de cultura: Folha de Mangueira, Folha de Cajueiro, Folha de Umbuzeiro e Folha de Pitangueira. Estes professores deram-nos autorização (apêndice F) para utilizar suas imagens em fotografias resultantes do círculo de cultura. O registro do círculo foi feito também em gravador e em computador, no qual a professora orientadora da tese fez anotações das falas dos professores- atores.

No primeiro momento promovemos o acolhimento dos professores-atores através de recepção carinhosa com a preparação do ambiente/auditório com músicas que traziam sons da natureza e cartolinas que continham os indícios de processo de humanização do humano e de formação de cidadãos críticos no quefazer da EA crítico-humanizadora na formação inicial de professores de biologia – identificados nas entrevistas narrativas e nas observações realizadas (figuras 20 e 21). Neste primeiro momento também explicamos o planejamento do círculo de cultura entregando-o a cada professor-ator (apêndice E).

Figuras 20 e 21 – cartazes utilizados no círculo de cultura Fonte: A autora

Consideramos importante que, desde o momento inicial, os professores-atores tivessem um retorno do trabalho de pesquisa através dos indícios identificados em cada fio condutor, quais sejam: relação professor-aluno, unidade teoria-prática, relação sujeito-mundo,

relação educação-sociedade, relação ensino-pesquisa e interdisciplinaridade. Todos os indícios podem ser encontrados no capítulo que traz os resultados do presente trabalho. Assim, a análise dos dados coletados na entrevista e na observação foi levada aos professores- atores durante o círculo de cultura.

Através da dinâmica do barbante (figura 22), os professores-atores apresentavam-se e diziam uma palavra que os remetesse aos quefazeres da EA crítico-humanizadora. Em tal dinâmica, o professor, após dizer a palavra, jogava o barbante e mantinha uma das extremidades consigo, o que promoveu, ao final da dinâmica, que todos os participantes estivessem conectados, dando a ideia de complexidade, de que o quefazer da EA crítico- humanizadora está tecido junto, por todos eles.

Figura 22 – Dinâmica do barbante no círculo de cultura Fonte: A autora

No decorrer do círculo de cultura a problematização foi sendo construída pelos professores-atores que, em dois pequenos círculos/grupos, elaboraram uma questão/problematização sobre a materialização da EA crítico-humanizadora no seu quefazer docente na formação inicial de professores de biologia. Entretanto, os quatro professores, após diálogo, identificaram-se com uma problemática única e propuseram que o diálogo para

elaboração da problematização ocorresse em um único círculo. Para tanto, optaram por sentar- se no chão para dialogar (figura 23). A problematização eleita pelo grupo foi:

O que garante a materialização da EA crítico-humanizadora no quefazer docente?

Figura 23 – Momento da problematização Fonte: A autora

O momento de problematização constituiu-se como momento de reflexão acerca do que os professores detectaram em suas falas iniciais sobre a EA crítico-humanizadora e também daquilo que fazem como pessoas e como professores, o que permitiu o repensar da realidade pessoal-profissional na forma de problema. De acordo com Freire (1992, p. 82-83): “No fundo, em seu processo, a problematização é a reflexão que alguém exerce sobre um conteúdo, fruto de um ato, ou sobre o próprio ato, para agir melhor, com os demais, na realidade”.

Após o momento da problematização fizemos um intervalo de quinze minutos para café e conversa/diálogo informal (figuras 24 e 25), com o objetivo de aproximar mais os professores-atores antes do momento de diálogo amoroso e construtivo acerca da problematização eleita. Segundo Maturana e Verden-Zöller (2004, p. 187), “Nós humanos existimos na linguagem, e todo o ser e todos os afazeres humanos ocorrem, portanto, no conversar – resultado do entrelaçamento do emocionar com o linguajar”.

Figuras 24 e 25 – Intervalo para café e diálogo Fonte: A autora

No momento do diálogo e síntese sobre a problematização, mais uma vez os professores-atores optaram por acomodar-se no chão (figura 26) para elaborar uma síntese escrita com: texto crítico-reflexivo, poema, cordel, desenho, paródia e/ou outras formas de linguagens. Escolheram a construção de um cartaz em cartolina na qual foram colocados desenhos e palavras que expressavam a materialização da EA crítico-humanizadora no quefazer docente.

Figura 26 – Momento de diálogo e síntese Fonte: A autora

A articulação final foi realizada durante o momento de diálogo e síntese. Nesta foi explicitado o processo de construção do cartaz síntese – ver figura 27 - havendo, na sequência, a avaliação final do círculo de cultura, no qual foi possível que os professores- atores expressassem como se sentiram fazendo parte do mesmo.

Figura 27 – cartaz síntese do círculo de cultura Fonte: a autora

Após o rico e produtivo círculo de cultura, houve mais uma vez a oportunidade de estreitar laços profissionais e pessoais durante um almoço de confraternização no restaurante da Oficina Brennand.

Entendemos que o círculo de cultura veio a contribuir com a tese pela possibilidade de substanciar a coleta de dados na materialização de uma pesquisa crítico-humanizadora. O próprio caminhar etnometodológico apontou-nos que, na pesquisa, para garantirmos a coerência no processo de construção de conhecimento socializado seria oportuno trazer o círculo de cultura como fechamento de um ciclo para continuidade de outros.