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Práxis docente para a formação em educação ambiental crítico-humanizadora: tropismo

CAPÍTULO 3 QUEFAZER DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICO-HUMANIZADORA

3.3 Práxis docente para a formação em educação ambiental crítico-humanizadora: tropismo

Diante dos fatos da inconclusão do ser humano e de sua vocação de ser mais, como os entende Paulo Freire, a práxis pedagógica está desafiada a buscar cotidianamente sua própria renovação, sua refundamentação, sua reinvenção (SOUZA, 2007, p. 211).

Ao aceitarmos o desafio de buscar e investigar a prática docente para formação em EA crítico-humanizadora, buscamos uma práxis renovada, reinventada na qual “[...] ação e reflexão, solidárias, se iluminam constante e mutuamente [...]” (FREIRE, 1992, p. 80) com a participação de gestores, discentes e docentes mediados pelo conhecimento. Desse modo, vemos a prática docente como vertente da prática pedagógica encontrada em escolas e universidades (na figura 8, esquematizamos a concepção de prática docente adotada neste trabalho).

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Tropismo é um movimento da raiz da planta durante o crescimento que pode ser provocado e orientado pela terra (geotropismo) ou pela água (hidrotropismo).

Figura 8

Vertentes da prática pedagógica Fonte: Souza (2007, p. 201).

A prática docente refletida e teorizada é práxis que tem por finalidade última contribuir para a formação de humano mais humanizado e crítico, inserido em uma sociedade que tem problemas socioambientais diversos. Assim, a práxis pedagógica na formação de professores que traga a EA crítico-humanizadora é fundamental para eles se tornarem multiplicadores dessa formação nas instituições de ensino nas quais atuarem.

Os professores em formação, quando provocados a refletir sobre as bases de práxis docente e pedagógica, ajudam na construção e na disseminação da EA crítico-humanizadora. Reflexão e ação juntas podem dar nova direção ao quefazer docente, fazendo-o voltar-se ao natural e ao social, ao local e ao planetário, a si mesmo e ao outro. A intervenção no cotidiano e no mundo qualifica-se nessa perspectiva. Concordamos com Souza (2009, p. 82) no sentido de que isso “exige disciplina, rigor e persistência”, mas garante crescimento pessoal e profissional ao professor. prática pedagógica instituição prática gestora sujeito docente/ prática docente sujeito discente prática discente conhecimento/ conteúdo pedagógico

Professores, alunos e gestores são projetos a serem construídos “[...] cuja realização depende de nossas opções axiológicas. O problema central do ser humano é a sua construção humana ou a sua desumanização” (SOUZA, 2009, p. 90). Eis aí um dilema central na formação de professores que possam atuar com a EA crítico-humanizadora. Professores formadores humanizados, críticos e sensibilizados com as questões socioambientais podem assumir e/ou construir concepções diferenciadas em relação à EA e trabalhar na formação de professores de forma inovadora.

Encontramos na obra de Paulo Freire contribuições significativas à compreensão da práxis docente para formação em EA crítico-humanizadora: a própria concepção de educação trazida pelo autor possibilita-nos encará-la como processo de humanização de um sujeito histórico, que vai criticamente inserindo-se no e com o mundo e neste intervém.

Santiago (2006) afirma que a contribuição do pensamento de Paulo Freire para o currículo pode ser visualizada em um esquema conceitual25 “no qual a relação das categorias gerais e fundantes do pensar freireano” (p. 79) pode ser mostrada em um mapa teórico. O esquema elaborado pela autora (ver figura 9) mostra três dimensões do pensamento freireano que podem contribuir para a estruturação do currículo e para o desenvolvimento de práticas pedagógicas: a dimensão relacional, a dinâmica e a utópica (Ibidem, p. 80).

O campo conceitual do pensamento freireano construído pela autora possibilita-nos compreender que a categoria relação é o centro da dimensão relacional. De acordo com a autora, essa categoria

[...] aproxima e explica os termos sujeito-mundo, educação-sociedade, teoria-prática, docente-discente com a intenção de ajudar na sistematização de uma construção teórica útil à seleção, à discussão e à decisão de princípios e de conteúdos educacionais, escolares e de ensino, para a orientação de currículo, que partindo do significado conceitual promova formulações e práticas que respondam aos desafios da diversidade cultural (SANTIAGO, 2006, p. 80).

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A teoria dos campos conceituais advém de Vergnaud (1991). Segundo Santiago (2006, p. 79), em um campo conceitual, “esquemas e conceitos que mostram relações e conexões” contribuem para a elaboração de um mapa teórico. Para mais informações sobre mapas conceituais, podemos consultar: VERGNAUD, G. La théorie dês camps conceptuels. Recherches em Didactique des Mathématiques. Grenoble: Editions La Pensée Sauvage, Cedex, 1991, p. 133-169.

Figura 9 - Mapa conceitual da pedagogia freireana Fonte: Santiago (2006, p. 80)

A práxis docente com EA crítico-humanizadora encontra na dimensão relacional do pensamento freireano algumas pistas que nos levaram aos fios condutores consideráveis no processo de coleta e análise de dados deste trabalho. Percebemos, por exemplo, que a relação professor-aluno merece análise, porque, nessa práxis, professor e alunos constroem conhecimento juntos; logo, rompe-se com a postura do professor detentor de conhecimentos e de alunos passivos. Cunha (2005), ao analisar professores universitários com práticas inovadoras, constatou que a relação estabelecida entre eles e seus alunos se baseava no respeito, na aceitação e na valorização do conhecimento prévio dos alunos.

Os achados da autora, ao analisar a sala de aula, levam-nos a perceber que o respeito, a aceitação e a valorização dos conhecimentos prévios dos alunos os incentivam à participação. Além disso, outro ponto fundamental que contribui para uma práxis em EA crítico- humanizadora é o exemplo dado pelo professor.

O respeito, a aceitação e a valorização do conhecimento do outro são elementos que muitas vezes estão ausentes na compreensão de questões socioambientais e na busca por soluções. Assim, palavras sobre EA crítico-humanizadora podem convencer alunos, mas exemplos de atitudes não só convencem, mas também geram a perspectiva de seguir um

RELAÇÃO Humanização Criticidade Autonomia Criatividade DIÁLOGO RELAÇÃO Sujeito-mundo Docente-discente Teoria-prática Educação-sociedade

exemplo positivo e vivo. A propósito disso, Freire (2002, p. 72) nos diz: “a prática docente, especificamente humana, é profundamente formadora [...]”.

A unidade teoria-prática também deve ser considerada na práxis com EA crítico- humanizadora, pois não há como dissociar a apropriação do conhecimento ambiental de questões socioambientais reais. A discussão e a análise dessas questões contribuem para a formação de um sujeito humanizado e crítico - sujeito consciente da realidade ambiental e social, da indissociabilidade entre essas e da sua condição de ser transformador, que pode nelas intervir. Uma das formas de propiciar a imersão na realidade socioambiental é a pesquisa.

A práxis em EA crítico-humanizadora na qual a relação professor-aluno é diferenciada e a unidade teoria-prática aborda questões socioambientais reais traz consigo, implicitamente, duas outras categorias: a relação sujeito-mundo e a relação educação-sociedade.

Quanto à primeira, o sujeito está no e com o mundo - nele o homem vive, busca, sonha, realiza projetos e, na condição de ser inacabado, vê-se também como projeto. No mundo, o sujeito se humaniza ou desumaniza; nele também, as questões socioambientais podem ser lidas de forma crítica ou ingênua. Então, a tarefa do professor é a de “[...] problematizando a seus alunos, possibilitar-lhes o ir-se exercitando em pensar criticamente, tirando suas próprias interpretações do porquê dos fatos” (FREIRE, 2000b, p. 52-53).

Quanto à segunda (relação educação-sociedade), nessa perspectiva, é mola mestra na formação de sujeitos críticos e humanizados. A educação interfere e influencia na sociedade e a recíproca também ocorre. A práxis docente com EA crítico-humanizadora problematiza as questões socioambientais de forma que a realidade dessa sociedade é refletida, é exposta, é pesquisada. Portanto, é uma práxis comprometida com a educação problematizadora.

Mais uma vez, a pesquisa surge como norteadora da práxis docente com EA crítico- humanizadora. A relação ensino-pesquisa é, pois, mais uma categoria a ser investigada na práxis inovadora. Segundo Cunha (2005, p. 84), as práticas encontradas em professores inovadores que atuam na educação superior

[...] estimulam os alunos a fazerem de cada trabalho, de cada texto construído, pequenos processos de investigação, não apenas no sentido de descrição da realidade, mas principalmente no sentido de duvidar, de perguntar para a realidade, tentando ultrapassar as visões mais superficiais.

Considerando as relações professor-aluno, teoria-prática, sujeito-mundo, educação- sociedade e ensino-pesquisa como fios condutores e categorias analisáveis com base em

nossas construções teóricas nesta seção do trabalho, vislumbramos outra categoria implícita em todas as anteriores: a concepção de educação e de EA do professor – conforme a concepção, a práxis docente com EA crítico-humanizadora ocorrerá ou não.

Em tal práxis não se transfere conhecimento, de forma mecânica, do professor aos licenciandos, porque ele é construído através das relações professor-aluno, teoria-prática, sujeito-mundo, educação-sociedade e ensino-pesquisa. A propósito, Freire (2000b, p. 27) nos adverte: “[...] Conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos. E é como sujeito e somente enquanto sujeito, que o homem pode realmente conhecer”.

Terminado nosso mergulho na dimensão relacional do campo conceitual do pensamento freireano e nas suas contribuições para a definição de categorias a serem analisadas neste estudo, iniciemos novo mergulho, desta vez na dimensão dinâmica da pedagogia freireana. Esta é instituída pela categoria diálogo, pois ele “vai sendo concretizado enquanto intencionalidade, atitude de pessoas, opções e responsabilidades coletivas. Essa categoria mediatiza a relação sujeito-sujeito e sujeito-contexto” (SANTIAGO, 2006, p. 80- 81). A autora complementa seu pensamento atestando que a categoria relação “[...] é traduzida na dinâmica do diálogo” (Ibidem, p. 81).

O diálogo em Paulo Freire é ato amoroso, mas não como tática para tornar os alunos amigos dos professores. Na verdade, ele impulsiona o pensamento crítico-problematizador. Na práxis docente com EA crítico-humanizadora, o diálogo permite ver as questões socioambientais na perspectiva da práxis social, que é o compromisso entre a reflexão, que permite ver a sociedade e o mundo, e a prática transformadora.

O autor, em Pedagogia da autonomia, fala-nos sobre a importância da postura dialógica do professor na educação humanizadora. Tal postura precisa estar corporificada no exemplo. Para o mesmo, “testemunhar a abertura aos outros, a disponibilidade curiosa à vida, a seus desafios, são saberes necessários à prática educativa” (FREIRE, 2002, p. 153).

As relações sujeito-sujeito e sujeito-contexto mediadas pelo diálogo são fundamentais para se compreender a práxis docente com EA crítico-humanizadora, porque nos levam a identificar nova categoria a ser analisada neste trabalho: a interdisciplinaridade, o diálogo necessário entre áreas e disciplinas diferentes que favorecem o pensamento sistêmico, a leitura mais globalizada da realidade socioambiental.

Na pesquisa realizada por Cunha (2005), a interdisciplinaridade, mesmo quando não estava presente na proposta inicial dos professores universitários que planejavam seus componentes curriculares com foco disciplinar, constituía-se condição de trabalho. Nesse sentido, de acordo com a autora, a interdisciplinaridade ”[...] é fator e produto do ensino e da

aprendizagem e mostra, claramente, que a disciplinaridade decorre de uma visão de mundo, de ciência e de controle da distribuição do conhecimento” (Ibidem, p. 95).

No trabalho da referida autora, percebemos algumas dificuldades citadas pelos professores para implementar a interdisciplinaridade: falta de recursos, de oficinas, de livros e outros, porém a principal relacionava-se aos currículos, à forma de se organizar o conhecimento dentro de cada curso e na universidade de modo geral. Assim, o diálogo, como categoria da dimensão dinâmica no mapa conceitual da pedagogia freireana traz contribuições efetivas ao currículo e à prática pedagógica.

A dimensão utópica do campo conceitual do pensamento freireano oferece bases teóricas para o currículo e a prática pedagógica na medida em que traz a humanização como finalidade da educação. Conforme nos diz Santiago (2006, p. 82), “a dimensão utópica do currículo corresponde à intencionalidade da ação educativa [...] Na verdade, é o projeto social de homem e de mulher que se deseja para uma nação, que se persegue com o trabalho educativo”.

Autonomia, criatividade, criticidade e humanização como categorias teóricas e posturas éticas contribuem para a formação de sujeitos humanizados e críticos que consigam refletir e agir sobre questões socioambientais reais. Entretanto, cabe-nos ressaltar, tais categorias inseridas na aludida dimensão utópica não significam que são irrealizáveis; o sentido é o de esperança crítica, que não é jamais pura espera.

O exercício de reinventar o ser humano, que é projeto, e, como tal, não o é, mas está sendo, implica o desenvolver da autonomia, da criatividade, da criticidade e da humanização. Porém, neste trabalho com a práxis docente na formação de professores de biologia para a EA crítico-humanizadora, debruçamo-nos sobre as categorias humanização e criticidade, não por considerarmo-las mais importantes que as outras duas, mas sim por vivenciarmos, na atualidade, exemplos constantes de questões socioambientais que exigem sujeitos mais humanizados e críticos.

Esses sujeitos precisam ser formados e, para tal, vemos na humanização e na criticidade, como categorias da dimensão utópica do pensamento freireano, uma forma de “[...] diminuir a distância entre o sonho e sua materialização” (FREIRE, 2000b, p. 126). Em busca dessa diminuição é que estamos investigando não qualquer prática docente, mas sim experiências inovadoras na formação de professores de biologia que tragam a EA crítico- humanizadora como possibilidade de formação de sujeitos socioambientais, comprometidos com o entendimento e a solução de questões socioambientais e com a formação de novos sujeitos.