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1 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS ORIENTADORES NA

2.1 Aspectos da execução penal na Antiguidade e Idade Média

Desde o surgimento do Direito Penal, nos primórdios da civilização humana, até o período da Idade Média, não existia uma fase de execução penal definida. Portanto, a história da execução das penas confunde-se com a própria história da pena, visto que a mesma ideologia que inspirava a aplicação de uma sanção penal também regia sua execução. Assim, a execução penal possui, desde os primórdios, uma ligação intrínseca à definição e aplicação das penas.

A doutrina mais aceita, segundo estabelece Bitencourt (2007), tem adotado a divisão histórica da evolução da pena e execução na Antiguidade em três fases, definidas como vingança privada, vingança divina e vingança pública.

Segundo Bitencourt (2007), o Direito Penal, a pena e consequentemente a execução penal na Antiguidade, originaram-se através da chamada vingança privada, regida pelo impulso de alcançar a compensação individual e retribuição à pessoa que cometeu a infração. Nessa concepção, a pena era aplicada essencialmente como forma de vingança, sem que houvesse qualquer proporcionalidade entre o mal praticado e a punição instituída.

Nesse sentido destaca Cleber Rogério Masson (2010, p. 47):

Desse modo, imperava a lei do mais forte, a vingança de sangue, em que o próprio ofendido ou outra pessoa de seu grupo exercia o direito de voltar- se contra o agressor, fazendo “justiça pelas próprias mãos”, cometendo, na maioria dos casos, excesso e demasias, o que culminava com a disseminação do ódio e consequentes guerras entre os grupos. [gripo do autor]

Portanto, nesse período, a definição e execução da pena eram feitas pelo ofendido, de acordo com seu próprio arbítrio e geralmente de maneira desproporcional ao delito praticado.

A fase seguinte da evolução penal na Antiguidade, denominada como vingança divina, segundo Hauser (2006), era definida basicamente pelo pensamento religioso ou mágico, de forma que os povos primitivos atribuíam os fenômenos ou acontecimentos que fugiam do seu entendimento à entes sobrenaturais, os quais premiavam ou castigavam a comunidade pelo seu comportamento. Desse modo, criavam-se séries de proibições, as quais quando desrespeitadas ocasionavam o castigo. Assim, nesse período, o homem punia porque acreditava que assim se defenderia da ira divina provocada por comportamentos humanos inadequados.

Conforme Masson (2010, p. 46), devido ao fato de que a lei tinha origem divina e sua violação consistia numa ofensa aos deuses, “punia-se o infrator para desagravar a divindade, bem como para purgar o seu grupo das impurezas trazidas pelo crime.” Portanto, castigava-se com rigor e crueldade, pois “o castigo deveria estar em consonância com a grandeza do deus ofendido.”

Diferentemente, na fase da vingança pública, conforme estabelece Masson (2010, p. 49) “as penas ainda eram largamente intimidatórias e cruéis, destacando-se o esquartejamento, a roda, a fogueira, a decapitação, a forca, os castigos corporais e amputações, entre outras.”

Entretanto, com o surgimento da vingança pública, mantiveram-se as características da crueldade e da severidade, conforme assevera Bitencourt (2007):

De qualquer sorte, em nenhuma dessas fases de vingança houve a liberação total do caráter místico ou religioso da sanção penal, tampouco se conheceu a responsabilidade penal individual, que somente a partir das conquistas do Iluminismo passou a integrar os mandamentos mais caros do Direito Penal.

Portanto, em todas as fases de vingança no período da Antiguidade havia a existência, por vezes menores ou maior, da influência religiosa na edificação do Direito Penal e, consequentemente, na instituição das penas e sua execução. Nesse sentido dispõe também Gomes da Silva (2012 apud Noronha, 1991, p. 22) que ao lado da vingança pública ainda permaneciam as formas anteriores da vingança privada e da vingança divina.

Assim, são consideradas fases que foram se desenvolvendo para atender às necessidades de seu tempo, não podendo ser distinguidos seus estágios. Portanto, embora exista uma divisão doutrinária que explique a evolução das penas e sua forma de execução na Antiguidade, observa-se que tais fases não possuem uma divisão de nexo temporal exata que determine a passagem de uma para outra, ao passo que uma fase deteve influência na outra e todas uma influência em comum, qual seja, de índole religiosa. Assim, tal divisão é considerada apenas de cunho didático, haja vista que uma fase se interligava com a outra durante os tempos primitivos (MASSON, 2010).

Importante destacar que, conforme expõe Gomes da Silva (2012), com o surgimento da Lei de Talião, o castigo passou a ser delimitado, de modo que a vingança não mais seria arbitrária e desproporcional. Portanto, a instituição da Lei de Talião é considerada como o marco inicial do repressivismo.

Por volta dos anos 500 d. C., período marcado pela transição da Antiguidade para a Idade Média, a determinação das penas deixou de ser classificada pela vingança. Entretanto, o Direito Penal no período medieval não se distanciou muito do estabelecido na Antiguidade, no que tange à predominância da religião como maior influência na determinação das leis e instituição das penas. Assim, durante a Idade Média vigorou o Direito Canônico, no qual a Igreja Católica detinha o poder de instituir penas de acordo com seus próprios ideais.

Conforme Silva (2012), a execução, nesse período, era basicamente voltada às penas de penitência ou restritivas de direito na qual os condenados eram obrigados a trabalhar ou lutar em cruzadas. As penitenciárias da época eram imundas e desumanas, não havia a concessão de direitos aos condenados, obrigados às condições precárias, pois segundo os inquisitores só assim seriam propícias à penitência. Além disso, a punição àqueles considerados hereges era a morte na fogueira.

Nessa linha, Oswaldo Duek Marques (2008) ressalta que as penas durante a Idade Média eram marcadas pelas superstições e crueldade, sem chances de defesa para os acusados, os quais raramente escapavam das punições.

Dessa forma, o sistema penal medieval, como um todo, é definido por meios desumanos tanto de processar os acusados quanto de punir e executar as penas, justificado na religião e imposto pela Igreja, marcado por penas cruéis cumpridas de forma desumana, sem concessão de direto algum aos condenados.

Armida Bergamini Miotto (1975) citada por Maria Cristina Vidal Cardoso (2006), expõe que durante a Idade Média, a partir do momento em que a Igreja resgata o Direito Romano, são desenvolvidas as penitenciárias da época, lugares para cumprimento da pena privativa de liberdade, sendo que

Nesses lugares, sempre procurou tratar os “penitentes” dentro dos princípios cristãos para que os condenados pudessem se sentir estimulados a ter espírito de penitência, ou seja, voltar-se sobre si mesmo, com atitude de arrependimento, reconhecer sua falta (seu pecado) e dispor-se a não reincidir. Eram impostos aos condenados “atos de penitência” tais como oração, martirização do corpo e exercícios próprios para estimular o “espírito penitente”. [...] Esses locais eram chamados de penitenciários. [...] Os “Penitenciários” ao longo dos anos se constituíram em prisões eclesiásticas e passaram a ser local de depósito de pessoas, onde aconteciam mortes, mutilações, infestação de doenças, promiscuidades, atrocidades em nome da fé para constituição do Direito Canônico.

Portanto, as penitenciárias surgiram a partir de uma ideologia religiosa, na qual acreditava-se que diante da exclusão em local privado da liberdade, o criminoso poderia ser capaz de refletir sobre sua conduta delituosa, bem como regenerar sua índole, tornando-se disposto a não reincidir.

Assim, cumpre observar que tanto na Antiguidade quanto na Idade Média, a pena visava o corpo do condenado, sendo que apenas a partir da instituição das prisões eclesiásticas, as quais visavam a meditação e reflexão do condenado, passou a constituir como uma das finalidades da pena o arrependimento do infrator e sua recuperação.

Marques (2008), destaca que nessa construção da finalidade penal de recuperação do infrator, teve papel de grande importância ao cristianismo, o qual ganhou força ainda durante

a Idade Média, influenciando diretamente nas práticas penais ao promover a reconstrução dos valores humanos.

Com o fim da Idade Média, a passagem à Idade Moderna e o surgimento do Iluminismo, instituiu-se um novo marco para o Direito Penal, conhecido como período humanitário, onde, segundo Masson (2010), Beccaria antecipa as ideias que posteriormente seriam consagradas na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, clamando, especialmente, pela proporcionalidade das penas e o fim da pena de morte.

Conforme destaca Hauser (2006, p. 8), os castigos desumanos que tiveram ampla aceitação no decorrer na história da humanidade entraram em declínio a partir do século XVIII, quando, por força do movimento iluminista, que propugnou pela humanização das sanções, as penas corporais passaram a ceder espaço à outras espécies de sanções, estre as quais a pena privativa de liberdade.

Portanto, a Idade Moderna marcou o surgimento das primeiras ideias no sentido de estabelecer penas e uma execução penal mais humanitária, com respeito à direitos inerentes aos indivíduos, os quais não se modificam nem podem ser ignorados com justificativa na prática de um delito.