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1 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS ORIENTADORES NA

2.4 Função da pena na execução penal

Conforme disposto anteriormente, a discussão referente à finalidade das penas é extensa, de modo que várias teorias se desenvolveram na tentativa de justificar a imposição e execução penal. Entretanto, cumpre identificar quais as vertentes utilizadas pelo legislador pátrio.

Através do texto do artigo 59 do Código Penal, o qual dispõe que o juiz estabelecerá a pena conforme necessário e suficiente para reprovar e prevenir o delito, podemos dizer que o direito penal brasileiro optou uma concepção mista em relação à finalidade da pena, abordando tanto a necessidade de retribuição quanto prevenção do delito.

Outrossim, embora o texto legal que regula a definição e aplicação das penas tenha previsto uma função utilitária mesclando retribuição e prevenção, percebe-se que na instituição de normas reguladoras da execução penal o legislador foi mais além, impondo a finalidade de reintegração social do delinquente, conforme se verifica através do texto do artigo 1º da Lei de Execução Penal: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.” Assim, observa-se que a ressocialização do condenado é instituída pela própria LEP como função da pena na fase de execução.

Portanto, no momento de definição e aplicação, a pena possui tanto a função de retribuição quanto prevenção do delito. Porém, em sua execução ela adotará também uma finalidade de reinserção social, filiando-se à teoria da prevenção especial positiva e visando a progressão pedagógica do condenado.

Segundo estabelece Anjos (2009), essa definição fornece sustentação teórica aos diversos institutos da execução, definindo o próprio conteúdo finalístico da execução penal como um todo e influenciando o sistema de execução tanto no seu aspecto teórico quanto na sua aplicação prática.

Portanto, embora nosso Código Penal tenha recepcionado a concepção de retribuição, o legislador fez constar tanto na Lei de Execução Penal, quanto na Exposição de Motivos da

Lei 7.210/843 que a imposição da pena almeja mais que a simples punição, abrangendo também a necessidade de reintegração do condenado. Deixa claro, assim, que deve haver a construção de meios para que essa finalidade se sustente dentro das penitenciárias.

Assim, conforme interpretação majoritária da doutrina do texto legal, a finalidade precípua da pena durante a execução penal é a ressocialização do criminoso. Entretanto, Anjos (2009) ressalta, ainda, que há também na doutrina uma concepção de ressocialização extremada, a qual refere que o objetivo da ressocialização seria a principal ou até mesmo a única finalidade da pena, de modo que a intensidade da pena seria graduada de acordo com esse objetivo.

Ocorre que, conforme dispõe Figueiredo Dias (2006, apud Anjos, 2009), o objetivo da ressocialização, não pode servir como finalidade única ou primordial da pena, visto que, se assim fosse, a pena teria de durar o tempo necessário para lograr a ressocialização do indivíduo, e portanto, durar enquanto persistisse a perigosidade social deste, o que acabaria levando à aplicação de penas desproporcionais e até mesmo à pena perpétua, no caso de o delinquente permanecer incorrigível.

Desse modo, na visão de Anjos (2009), verifica-se a impossibilidade jurídica de justificar a aplicação penal baseando-se unicamente na finalidade da ressocialização, visto que, conforme ressalta o autor, a ressocialização como finalidade principal da pena não é capaz de limitar o poder de punir estatal, deixado os particulares vulneráveis à ilimitada intervenção estatal, sendo impossível estabelecer, portanto, suas consequências em um Estado Democrático de Direito.

Assim, embora parte da doutrina sustente que a ressocialização não pode ser considerada a única ou principal função da pena, a doutrina majoritária atualmente sustenta

3 A Exposição de Motivo nº 14 da LEP dispõe que “A manutenção da redação do art. 1º que estabelece como objetivo da execução penal não apenas efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal, mas também ‘proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado’, funda-se em entendimento segundo o qual o dispositivo foi recepcionado pela Constituição de 88, com fulcro no princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI, CRFB). Sua conjugação, porém, com o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB), aponta para a impossibilidade de se pretender regulamentar a introjeção de valores ou de um determinado perfil no sujeito preso, devendo a meta de ‘integração social’ ser alcançada precipuamente sob um escopo de redução de danos e, portanto, através de mecanismos de escolarização e inserção no mercado de trabalho.”

que a ressocialização deve ser sim a finalidade precípua da sanção penal, sendo considerada sinônimo de execução ressocializadora da pena.

Nesse sentido é a interpretação de Elionaldo Fernandes Julião (2012, p. 18):

Analisando a Lei de Execução Penal (LEP) e o Código Penal dos países do Ocidente, bem como o seu discurso prisional predominante, podemos supor que o objetivo de recuperação enfaticamente é primordial, ainda que não se abandone a meta punitiva.

É correto dizer, portanto, que se o Estado não consegue reunir estrutura e elementos para reeducar o infrator, que ao menos se dedique à não deseducá-lo, ou seja, se a pena não consegue efetivar função ressocializadora, não deverá também exercer função corruptora.

Nessa linha, Boschi (2004) acrescenta:

Se a ressocialização, no sentido da radical transformação, não é, filosoficamente sustentável, em face do direito que tem as pessoas de serem diferentes, e ainda pela adversidade do cárcere, pela falta de tratamento, etc., há, entretanto, que se buscar, com a pena privativa de liberdade, reservada aos casos de absoluta necessidade, a ressocialização possível, no sentido de que ao Estado incumbe criar as condições mínimas para que o condenado, espontaneamente, avalie aa situação em que se encontra e decida, se quiser, redirecionar sua vida ao mundo sem traumas e sem crimes.

Por outro lado, importante ressaltar que para sustentar um programa de reinserção social do criminoso, esse deve ser o interesse de toda a sociedade. Anjos (2009) ressalta que, inclusive, é isso que dispõem as Regras Mínimas para Tratamento do Recluso, desenvolvidas pela ONU, que, em sua regra número 584 “liga expressamente a proteção da sociedade contra o crime com a ressocialização do delinquente, suscitando o respeito à lei.” Assim, segundo entendimento da própria ONU, o tratamento penitenciário deveria propiciar a ressocialização do indivíduo por interesse da própria sociedade.

Ocorre que, conforme destaca Oswaldo Henrique Duek Marques (2008), embora os sistemas penais atuais busquem alicerçar-se, teoricamente, em limites traçados por princípios

4 A Regra nº 58 para Tratamento do Recluso assim dispõe: “O fim e a justificação de uma pena de prisão ou de uma medida semelhante que prive de liberdade é, em última instância, de proteger a sociedade contra o crime. Este fim só pode ser atingido se o tempo de prisão for aproveitado para assegurar, tanto quanto possível, que depois do seu regresso à sociedade, o criminoso não tenha apenas a vontade, mas esteja apto a seguir um modo de vida de acordo com a lei e a sustenta-se a si próprio.”

fundamentais de direitos humanos, do ponto de vista prático eles ainda amparam-se em fundamentos de vingança e castigo.

Nesse sentido, verifica-se a existência da concepção popular de que a aplicação das penas está voltada à vingança e justifica-se pela retribuição. Essa ideia solidifica-se por meio da influência da mídia, que reforça a necessidade de que deve existir a vingança social em relação ao delinquente, devendo este pagar pelo mal cometido através do sofrimento.

Diante disso, cumpre observar que, segundo Boschi (2004, p. 112)

[...] aceitando-se que a sociedade é criminógena, que a criminalidade sempre existirá, como já afirmava Durkheim, não teríamos, então, que deslocar o eixo de nossas preocupações com o criminoso para a fonte de produção do crime, ou seja, para a sociedade?

Assim, incontestável é a responsabilidade estatal no dever de pugnar pela reintegração do apenado e conceder as oportunidades de trabalho e estudo, conforme prevê a LEP. Da mesma forma, não deve ser de menor relevância papel da sociedade na reinclusão do ex- condenado, concedendo-lhe as mesmas oportunidades que possuem todos os cidadãos, sem preconceitos.

No tocante ao papel do Estado na efetivação da finalidade penal de ressocializar, ressalta-se que a própria Lei de Execução Penal trouxe em seu texto, a instituição do trabalho como atividade necessária durante a execução penal, com o fim de fomentar a reinclusão social.

Portanto, importante observar que, ao adotar a posição de que a função da pena na fase de execução é a de proporcionar condições para a integração social do apenado, a Lei de Execuções Penais vêm no sentido de propor um conjunto de estratégias que objetivam a reeducação do condenado, como se verifica através da previsão do instituto da remição penal. Conforme o artigo 126 da LEP: “O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.” Esse instituto denominado remição penal, possui, portanto, mesmo que não diretamente, o condão de instigar o trabalho e o estudo dos apenados, fomentando, consequentemente, a finalidade buscada na fase de execução penal.

3 O INSTITUTO DA REMIÇÃO PENAL

Conforme destacado anteriormente, a pena não pode mais ser vista como uma vingança social ou purificação da alma, como pregava-se na Antiguidade e na Idade Média, mas sua aplicação deve promover, minimamente, propostas ou formas de ressocialização do condenado.

Assim, a Lei de Execuções Penais à luz dos princípios constitucionais e penais, especialmente o da dignidade da pessoa humana, estabelece a necessidade de implantar o trabalho e o estudo nas penitenciárias, como ferramentas para proporcionar a melhor integração dos encarcerados, quando retornarem à sociedade e, assim, diminuir a reincidência.

Nesse contexto, o instituto da remição penal constitui inciativa criada pelo legislador no sentido de propor ao condenado que estude e trabalhe e em troca tenha sua pena diminuída, como uma forma de incentivar a prática de tais atividades e desenvolver indivíduos mais capacitados para a vida fora das penitenciárias.