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1 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS ORIENTADORES NA

3.1 O instituto da remição penal a partir da Lei de Execuções Penais

3.1.1 A remição da pena pelo trabalho

Historicamente, o trabalho foi associado à pena privativa de liberdade no sentido de promover castigo e sofrimento ao apenado, como ocorria, por exemplo, no Início do Período Imperial brasileiro, com a execução de trabalhos forçados. Contudo, verifica-se que, posteriormente, o trabalho foi instituído nas prisões brasileiras pelas Casas de Correção, com o objetivo de reformar o delinquente, como segue sendo utilizado até hoje, nas penitenciárias atuais.

Assim, atualmente, o trabalho não constitui uma agravação da pena, mas sim, um mecanismo capaz de possibilitar a sua readaptação, preparando-o para o mercado de trabalho.

Resta instituído, portanto, como um meio de promover a reinserção social dos apenados, conforme dispõe Mirabete (2004, p. 89-90)

Na moderna concepção penitenciária, o momento da execução da pena contém uma finalidade reabilitadora ou de reinserção social, assinalando-se o sentido pedagógico do trabalho. Entenda-se hoje por trabalho penitenciário a atividade dos presos e internados, no estabelecimento penal ou fora dele, com remuneração equitativa e equiparado ao das pessoas livres no concernente à segurança, higiene e direitos previdenciários e sociais.

Portanto, o trabalho é um direito dos apenados, garantido pela Constituição Federal como direito fundamental de todos os cidadãos, e que deverá ser exercido com a devida dignidade, higiene, segurança e remuneração, conforme visa assegurar a LEP. Não obstante, o trabalho é expressamente estabelecido também como dever do apenado, conforme dispõe o texto do artigo 31 da LEP: “o trabalho, devidamente remunerado, é obrigatório ao preso na medida de sua aptidão e capacidade.” Portanto, o trabalho prisional é visto tanto com um direito quanto como um dever do apenado. Nesse sentido ainda nos explica Avena (2015, p. 259):

Tendo em vista a sua função ressocializadora e a circunstância de que o trabalho se apresenta como fator de recuperação, disciplina e aprendizado para a futura vida profissional, sua realização é revista como um direito (art. 41, II da LEP) e ao mesmo tempo um dever do condenado no curso da execução da pena (ar. 39, V, da LEP).

Outrossim, verifica-se que a LEP reforça a finalidade do trabalho prisional como ferramenta educativa e produtiva, ou seja, como um meio de propiciar o crescimento do apenado, seu aprendizado e desenvolvimento social e profissional. Dessa forma, destaca-se a importância do trabalho prisional ter sentido profissionalizante, conforme ressalta Ariovaldo Figueiredo (1985), citado por Mirabete (2004, p. 91)

É preparando o indivíduo pela profissionalização (mão-de-obra qualificada), pela segurança econômica que vai adquirindo, pela ocupação integral de seu tempo em coisa útil e produtiva e, consequentemente, pelo nascer da razão de viver, pelo reconhecimento dos direitos e deveres, das responsabilidades e da dignidade humana que se obterá o ajustamento ou reajustamento desejado.

Ademais, exercendo a atividade laboral, tanto dentro das penitenciárias quanto extramuros, o apenado terá direito à redução de sua pena, na razão de um dia de pena a cada três dias de trabalho, conforme o que dispõe o artigo 126, parágrafo 1º, inciso II da LEP.

Destaca-se que, poderão utilizar-se da remição pelo trabalho os apenados que cumprem pena em regime fechado e semiaberto, bem como o que cumpre pena em prisão cautelar, como o preso provisório, excluindo-se os que cumpre em regime aberto, livramento condicional, que estejam internados em hospital de custódia ou cumprindo pena restritiva de direitos de serviços à comunidade (AVENA, 2015).

Entende-se que o condenado que cumpre pena em liberdade condicional não pode remir a pena pelo trabalho por interpretação do texto legal do artigo 126, parágrafo 6º da LEP, o qual estabelece que “O condenado que cumpre pena em regime aberto ou semiaberto e o que usufrui liberdade condicional poderão remir, pela frequência a curso de ensino regular ou de educação profissional, parte do tempo de execução da pena ou do período de prova [...]” ou seja, refere que aquele que estiver em liberdade condicional poderá remir pena, entretanto, apenas pelo estudo.

Ademais, de acordo com a doutrina e jurisprudência majoritárias, entende-se que o trabalho externo, qual seja realizado fora de estabelecimento prisional, também pode ser contabilizado para remir pena, visto que não há na LEP dispositivo que faça distinção quanto ao local de trabalho para fins de remição. Assim, aquele apenado que cumpre pena em regime semiaberto, também poderá remir sua pena pela realização de atividade laboral em estabelecimentos particulares, sem que seja feita distinção entre o trabalho externo e interno.

Ressalta Avena (2015, p. 260), que somente poderão ser considerados para remição os dias efetivamente trabalhados, excluindo-se os de descanso obrigatório, conforme estabelece o artigo 33 da LEP: “A jornada normal de trabalho não será inferior a 6 (seis) nem superior a 8 (oito) horas, com descanso nos domingos e feriados.” Entretanto, tratando-se de serviços de manutenção ou conservação do estabelecimento penal, o preso poderá trabalhar em dia de descanso, folgando em outro dia.

Há quem entenda, ainda, que a contagem para fins de remição deva ser feita no seguinte sentido: a cada 3 dias de trabalho, independentemente de ser observado o número de

6, 7 ou 8 horas trabalhadas, o apenado fará jus a remir 1 dia de pena, visto que a LEP estabelece expressamente que a contagem de tempo a ser remido deverá ser feita com base em dias. Entretanto, outra corrente entende que ao completar 18 horas trabalhadas – que equivalem à 3 dias de trabalho com jornada mínima de 6 horas por dia – o apenado terá direito de remir 1 dia de pena, pois não seria justo tratar da mesma forma quem trabalha 6 e 8 horas por dia (AVENA, 2015).

O entendimento que predomina no Supremo Tribunal Federal é o de que a contagem será feita com base nos dias trabalhados e não em horas, conforme se verifica:

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO DE PENA. JORNADA DE TRABALHO. PRETENSÃO DO CÔMPUTO DA REMIÇÃO EM HORAS, E NÃO EM DIAS TRABALHADOS: IMPROCEDÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. Para fins de remição de pena, a legislação penal vigente estabelece que a contagem de tempo de execução é realizada à razão de um dia de pena a cada três dias de trabalho, sendo a jornada normal de trabalho não inferior a seis nem superior a oito horas, o que impõe ao cálculo a consideração dos dias efetivamente trabalhados pelo condenado e não as horas. 2. Ordem denegada (BRASIL, 2013).

Entretanto, não é qualquer atividade que pode ser desenvolvida para fins de remição. Além de ser lícita, segundo Avena (2015) a atividade laboral a ser desenvolvida deve ter condições de cumprir a função ressocializadora, além de ser devidamente fiscalizada pelos órgãos de execução. Assim, na visão do doutrinador, tarefas como a de faxina na própria cela não pode ser computada para deferimento do benefício.

O posicionamento jurisprudencial nesse sentido é divergente. No entanto, prevalece nos Tribunais o entendimento de que é possível a remição por faxina e artesanato, desde que realizada a devida comprovação de horas trabalhadas, bem como a supervisão de autoridade competente. Nesse sentido, decidiu a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná:

RECURSO DE AGRAVO EXECUÇÃO PENAL REMIÇÃO DA PENA ARTESANATO ATESTADO DE REALIZAÇÃO DE ATIVIDADE LABORAL E CONTAGEM DE TEMPO PELO DIRETOR DO PRESÍDIO LEGITIMIDADE DA DECLARAÇÃO PELA PRESUNÇÃO IURIS TANTUM DE FÉ PÚBLICA EFEITOS RESSOCIALIZADORES DO TRABALHO CARCERÁRIO ALEGAÇÃO DE DESVIO NA EXECUÇÃO PELA CONCESSÃO DE PRISÃO DOMICILIAR IMPOSIÇÃO DAS CONDIÇÕES DO REGIME ABERTO PARA

CUMPRIMENTO DO SEMIABERTO ENQUANTO AGUARDA REMOÇÃO PARA A COLÔNIA PENAL AGRÍCOLA CORRETA A CONCESSÃO PELO JUÍZO "A QUO" DECISÃO MANTIDA RECURSO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO (PARANÁ, 2012).

Na referida decisão os desembargadores manifestaram entendimento de que “O atestado fornecido pelo diretor da cadeia é meio idôneo a comprovar a atividade laboral do detento, haja vista a presunção de fé pública.”

Nessa concepção, Avena (2015) defende que a realização de artesanato sem qualquer controle por parte do estabelecimento não viabiliza a remição. Entretanto, entende que a confecção de artesanato pode e deve ser viabilizada pelas penitenciárias, com o devido acompanhamento, qual seja, o controle da atividade e períodos trabalhados a ser comprovado pela autoridade responsável, principalmente nos casos do estabelecimento não possuir infraestrutura para oferecer outro tipo de qualificação profissional ao apenado.

No entendimento de Mirabete (2004, p. 97), na atribuição do trabalho para fins de remição devem ser levadas em conta a habilitação, condição pessoal, necessidades futuras do preso e oportunidades oferecidas pelo mercado. Por esse motivo deveria ser limitada, tanto quanto possível, o artesanato sem expressão econômica, salvo nas regiões turísticas. Entretanto, o autor concorda que essa proibição não deve ser absoluta, devendo ser permitida a realização de trabalho artesanal se não for possível a execução de outros serviços diante da impossibilidade de recursos materiais da administração.

Dessa forma, nos casos em que seja realizado trabalho extramuros, permitido e previsto pela LEP, para viabilizar a remição da pena a supervisão da atividade laboral fica à cargo do patrão do apenado, competindo à administração do estabelecimento prisional a supervisão sobre a regularidade do trabalho.

Ainda, cumpre ressaltar que, na prática, a falta de alternativas para a realização de trabalho penitenciário faz com que os apenados acabem realizando serviços de manutenção dos estabelecimentos, como atividades de cozinha, retirada das celas e condução dos demais presos, faxina, entre outros. Portanto, grande parte dos trabalhos exercidos nas penitenciárias deixa de atender ao caráter de profissionalização e pedagógico estabelecido pela LEP.

Dessa forma, verifica-se que apesar de o trabalho configurar um direito e um dever dos apenados e possibilitar a remição da pena, são muitos os obstáculos que permeiam sua concessão na realidade prática. Portanto, a fim de suprir essa ineficiência estatal e garantir o direito à remição pelo trabalho àqueles apenados que manifestem interesse, o judiciário possibilita a redução da pena pela realização de atividades laborais como a faxina e o artesanato, mesmo que não compreendam a finalidade do trabalho prisional, a qual seria de conter sentido profissionalizante e pedagógico.