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1 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS ORIENTADORES NA

2.3 A função da pena na contemporaneidade

2.3.1 Teorias da retribuição

As teorias da retribuição, também chamadas de absolutas, segundo Hauser (2006, p. 10) já estiveram presentes na tradição hebraica e se consolidaram na tradição cristã ocidental, bem como nas ideologias de Kant, para o qual a pena seria uma retribuição ética pela violação da lei moral, e Hegel, que sustentava ser a pena uma retribuição jurídica diante da necessidade de restauração do direito.

Nos ensinamentos de Bitencourt (2011), para Kant, quem não cumpre as disposições legais não é digno do direito de cidadania, de forma que é obrigação do soberano castigar aquele que transgrediu a lei, com o intuito de promover justiça. Assim, a justificativa para a aplicação penal possui fundamentação de ordem ética e considera que o infrator deve ser castigado unicamente por ter delinquido, sem fazer qualquer consideração da utilidade da pena para ele ou para a sociedade. A teoria de Kant nega, portanto, qualquer função preventiva da pena. Ainda segundo o autor, diferente da teoria kantiana, na visão de Hegel a imposição da pena deve servir para restabelecer a ordem jurídica violada pelo delinquente.

Portanto, essas teorias, essencialmente, sustentam que a pena tem como fim apenas a punição propriamente dita, a penalidade no seu sentido estrito, dando como resposta ao ato criminoso praticado e aos prejuízos que a conduta do criminoso causou à sociedade, outro mal que deverá ser sofrido pelo delinquente.

Conforme dispõe Luige Ferrajoli (2001, p. 205) citado por Hauser (2006, p. 10), “As doutrinas absolutas ou retributivas fundam-se todas na expressão de que é justo transformar o mal em mal.” Assim, as teorias da retribuição apenas buscam retribuir o mal causado pelo criminoso, punindo-o como uma espécie de vingança pelo ato que cometeu e as consequências que este ato causou à sociedade. Porém, não visa nenhum objetivo além da retribuição/punição, ou seja, não busca trazer à sociedade uma consequência positiva derivada

da sanção penal, qual poderia ser a utilização do encarceramento para fomentar o aprendizado do apenado na tentativa de uma posterior reinserção social, colocando-o em uma posição melhor na sociedade do que a que tinha antes de ser preso, o que consequentemente seria também positivo à própria sociedade.

No mesmo sentido, Déa Carla Pereira Nery (2005) destaca: “A Teoria retributiva considera que a pena se esgota na ideia de pura retribuição, tem como fim a reação punitiva, ou seja, responde ao mal constitutivo do delito com outro mal que se impõe ao autor do delito.”

Portanto, a teoria retributiva pretende apenas que o ato injusto cometido pelo criminoso seja retribuído através do mal que a pena constitui. Nessa linha, continua a autora:

Enfim, a pena retributiva esgota o seu sentido no mal que se faz sofrer ao delinquente como compensação ou expiação do mal do crime; nesta medida é uma doutrina puramente social-negativa que acaba por se revelar estranha e inimiga de qualquer tentativa de socialização do delinquente e de restauração da paz jurídica da comunidade afetada pelo crime. Em suma, inimiga de qualquer atuação preventiva e, assim, da pretensão de controle e domínio do fenômeno da criminalidade.

De tal modo, a teoria da retribuição se finda na finalidade punitiva, ou seja, apenas objetiva punir o condenado, restando contrária à qualquer teoria que pregue a necessidade de reintegração social do mesmo. Portanto, verifica-se que esta teoria não se coaduna com os princípios constitucionais instituídos pela Constituição Federal de 1988, que visam garantir a tutela dos direitos humanos dos condenados, nem aos objetivos da Lei de Execução Penal, a qual estabelece a necessidade de instituir condições para a reinserção social dos apenados.

Assim, em um Direito Penal pautado em princípios fundamentais seria incabível a adoção de uma justificativa penal baseada apenas na teoria retributiva, visto que apenas retribuir o mal pelo mal não se adequa às necessidades perseguidas por uma constituição humanitária.

Ainda cumpre destacar que, ao contrário do que defende a teoria retribucionista, na realidade prática, a aplicação de penas por sí só não é capaz de garantir segurança jurídica. Não é novidade que as penitenciárias estão longe de produzir o efeito almejado de segurança

da população. Entretanto, aumentar a repressão penal ou a segurança dos presídios não traz solução para esse problema, que deve começar a ser tratado nas instâncias de origem, nos problemas sociais.

Nesse mesmo sentido, Anjos (2009) dispõe que

Sendo assim, não parece racional ou apropriado à dignidade humana (Fundamento do Estado Democrático de Direito) que a pena seja tão somente um mal, desprovido de qualquer utilidade. Tal constatação, por si só já é suficiente para afastar a finalidade retributiva, sobretudo em sua concepção pura, do ordenamento jurídico brasileiro, por ofensa ao artigo I, inciso III, da Constituição Federal. Como se não bastasse, a legislação infraconstitucional ainda prevê expressa finalidade preventiva para a pena no artigo 59 do Código Penal, tornando insustentável justificar a teoria absoluta em nosso ordenamento.

Entretanto, na atualidade, conforme destaca Luiz Regis Prado (2004), a ideia de retribuição significa que a pena deve ser proporcional ao delito praticado e, portanto, não corresponde a um sentimento de vingança social, mas sim a um princípio limitador, de acordo com o qual o delito deverá operar como fundamento e limite da pena, que deverá ser proporcional à culpabilidade e magnitude deste delito.

Dessa forma, a retribuição utilizada para justificar a punição no nosso sistema penal, apesar de objetivar a aplicação penal apenas como punição ao delito praticado, compreende também a ideia de proporcionalidade à gravidade do crime praticado, visando a aplicabilidade de penas que representem uma resposta adequada ao crime.