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Esta seção divide-se em duas subseções: atendimento satisfatório e integração dos/as profissionais de saúde.

5.2.1 ATENDIMENTOSATISFATÓRIO

O atendimento satisfatório é um dos pontos apresentados pelos/as participantes como fator positivo no atendimento de saúde em Sobral. Para este item, analiso dois trechos. O trecho C01, originado por meio da pergunta “Para você, qual é o profissional mais fácil de conversar?”, retirado da fala da paciente Andressa, qualifica o atendimento proporcionado por ACSs. Isso se dá, primeiramente, pelo uso do processo mental cognitivo; em segundo lugar, pela ativação dela mesma como ator social do processo; e, por último, pelo uso do intensificador “mais”, na oração (24). Já na oração (25), em que ela explica o porquê de sua fala, ela modaliza, por meio do processo mental cognitivo, que, ao contrário do anterior, não possui a carga semântica esperada para um processo mental. Na verdade, a expressão “eu acho” é um típico modalizador com efeito atenuador. Portanto, esse processo mental dirime o impacto da afirmação de que as ACSs “são mais humanas”.

78 No CSF Oswaldo Cruz, o número máximo de atendimentos diários é respeitado. Em outras localidades, durante pesquisa do macroprojeto, observamos, eu e a outra bolsista de Iniciação Científica, que isso não acontecia, chegando o/a médico/a a atender mais de 50 (cinquenta) pacientes em dias mais movimentados, especialmente quando visitava localidades rurais uma vez por semana.

Já a oração (26) configura-se como uma razão para a afirmação presente na oração (25). Cabe observar o processo que foi escolhido: processo material transformativo, formado por um verbo bitransitivo (“dar”), que permite que haja, além do Ator e da Meta, um Beneficiário. Apesar de “elas” e “a gente” serem formas generalizadas de marcar atores sociais, sua fala não deixa de ter um peso, haja vista que poderia ter sido dita de forma apassivada, omitindo o Ator ou ainda por meio de uma oração relacional. Isso quer dizer que a paciente marca quem faz o quê e porquê, em sua fala, de forma predominantemente categórica.

Para finalizar a análise do trecho C01, “dar atenção”, de acordo com as observações participantes e as transcrições, é conversar, ouvir e relacionar-se de forma igual para com os/as pacientes. Por isso, sugiro a leitura dos trechos de apoio D05, D07, D08, D12, D13 e D14, que contêm relatos de profissionais de saúde sobre suas relações com pacientes. De antemão, esclareço que os trechos corroboram com a fala da paciente. A seguir, as orações (24), (25) e (26).

Eu acho (considero) mais fácil conversar com as agentes de

saúde

Experienciador Processo mental cognitivo Circ. de modo (grau) Atributo Oração projetada

(24) Fala da usuária Andressa, trecho C01

(Eu) acho que elas são mais humanas

Experienciador Processo mental cognitivo Oração projetada

(25) Continuação da fala da usuária Andressa, trecho C01

Quando a gente chega ali, elas dão mais atenção à gente

Circ. de localização (tempo) Ator Processo material

transformativo (operação) Circ. de modo (grau) Meta Beneficiário

(26) Continuação da fala da usuária Andressa, trecho C01

A fala, a seguir, é retirada do trecho C02, que a ACS Laís responde à seguinte pergunta: “Na sua opinião, que fatores são precisos para que o vínculo terapêutico aconteça?”. Para melhor observação da progressão das orações, faço a introdução das análises após as orações (27) e (28), que estão a seguir:

Você tem que aberto aaaa ouvir o que eles têm a dizer

Verbo auxiliar modal (obrigação) Verbo principal

Portador Processo relacional atributivo Atributo

(27) Fala da ACS Laís, trecho C02

Você tem que se tornar parte deles

Verbo auxiliar modal (obrigação) Verbo principal

Portador Processo relacional atributivo Atributo

(28) Continuação da fala da ACS Laís, trecho C02

Nas orações anteriores, há a presença de ator social impersonalizado por meio de abstração, em que “você” representaria qualquer profissional de saúde que trabalhasse na atenção básica, construção essa que não necessariamente a inclui. Esse tipo de representação, nesse contexto, parece-me diminuir a força da modalidade deôntica trazida por meio da expressão modal “tem que”. Essa estrutura também aparece nos trechos de apoio D03, D04 e D10. Em seguida, as orações (29) e (30), que dão continuidade à progressão da fala da ACS Laís.

Eles querem que a gente escute e aconselhe

Experienc iador

Processo mental desiderativo Oração projetada

(29) Continuação da fala da ACS Laís, trecho C02

Então, isso eu faço na medida do possível

Elem. textual Meta Ator Processo material Circ. de extensão (frequência)

(30) Continuação da fala da ACS Laís, trecho C02

Na oração (29), há a presença de uma representação das expectativas dos/as pacientes quanto ao serviço dos/as ACSs, marcada pelo processo mental desiderativo “querem”, bem como pela oração projetada, que se relacionam com o dito nas orações (27) e (28). Já acerca da oração (30), faço duas considerações: a primeira, referente ao aspecto semântico conclusivo presente nela, marcado pelo elemento textual “então”. Tal elemento, junto do Ator “eu” do Processo material “faço” determinam a ação da ACS Laís com relação às expectativas no atendimento, ou seja, ela está ciente da postura que ela “tem que ter”, bem como dos anseios da população, e declara como ela procede. Logo, a segunda consideração sobre a oração (30) é quanto à forma como ela faz essa declaração. Tomando-se ambos o Ator “eu”, incluído por ativação, como o Processo material “faço”, no presente do indicativo, indicariam uma sentença categórica. No entanto, o elemento circunstancial “na medida do

possível” diminui o comprometimento da ACS Laís com o conteúdo de sua fala. Portanto, temos uma modalização epistêmica subjetiva.

Foi possível observar que um atendimento satisfatório, em que o/a profissional de saúde escute, dê atenção, converse e esteja aberto não só é um desejo da população, como um propósito presente na prática dos/as profissionais de saúde, em especial os/as ACSs e a enfermeira Priscila. Retomarei esse aspecto na última seção. Passo, então, para a descrição dos dados referentes à integração de profissionais de saúde.

5.2.2 INTEGRAÇÃODEPROFISSIONAISDESAÚDE

O segundo aspecto mais relevante para a consolidação do vínculo terapêutico, não só pela presença recorrente nos dados, mas também pelos objetivos da ESF e pela literatura na área de Saúde Coletiva (veja capítulo 2), é a integração de profissionais de saúde, como equipe multiprofissional coesa, eficiente. Sobre esse assunto, a fala do médico Roberto, trecho C03,79 a seguir:

Hoje em dia, sabe-se muito bem que é éé uma equipe

multidisciplinar que facilita melhor do o-o-o a melhora do paciente

Circ. de localização (tempo) Processo mental cognitivo Circ. de modo (grau)

Atributo Oração projetada

(31) Fala do dr. Roberto, trecho C03

Na oração (31), o dr. Roberto constrói seu pensamento recorrendo a um senso comum recente,80 que legitima a instituição e o exercício de uma equipe multiprofissional para o atendimento básico à saúde no Brasil. Ele faz isso utilizando uma Circunstância de tempo e um Processo mental cognitivo, cujo experienciador ele omite. Usa também o Atributo bem, junto da Circunstância de modo (grau), que realça o processo mental cognitivo. Portanto, essa construção oracional reguarda-o e legitima o que é dito na oração projetada (que seria o “Fenômeno” do Processo mental cognitivo).

A fala da ACS Laís,81 trecho C04, corrobora com o que dr. Roberto disse:

79 Pedi maiores esclarecimentos sobre um comentário que o dr. Roberto havia feito em momento anterior na entrevista. Esse pedido gerou o trecho C03.

80 Uso o termo recente, tendo em vista que a ESF surgiu apenas em 1994 e que foi ela que instituiu a equipe multiprofissional para atendimento da população.

81 Pergunta geradora: “Além do seu trabalho como ACS, que outros fatores você acha que é preciso tendo em vista as outras as outras profissões que atendem no posto?… outras especialidades.

Tem que ter uma parceria

Verbo auxiliar modal (obrigação) Verbo principal

Processo existencial Existente

(32) Fala da ACS Laís, trecho C04

Por conta do uso da expressão modal de obrigação “tem que”, a fala (32) da participante parece ser enfática, por meio de uma modalização deôntica. No entanto, a construção da oração por meio de um processo existencial diminui seu comprometimento, haja vista que, nos processos existenciais, o “objeto ou evento que está sendo dito que existe é rotulado, simplesmente, de EXISTENTE” (HALLIDAY, 1994, p. 142, tradução minha, grifo no original).82 Dessa forma, o participante da oração (existente) é um fenômeno,83 posto como dado, sem que haja ação a ser exercida nem atores ativos para exercerem-na.

Sob outra perspectiva, para além da forma como foi enunciada a informação, é significativo comentar sobre a consciência que se tem sobre a necessidade de haver uma integração da equipe multiprofissional, para que o trabalho seja efetivo e eficaz. Essa consciência se apresenta tanto na continuação do trecho C04, em que a ACS Laís comenta “todo mundo trabalhando junto, eu acho, que… consegue alç/ alcançar o objetivo de um bom vínculo”, como no trecho de apoio D04, da enfermeira Priscila.

Considerando o que foi apresentado acerca das questões que auxiliam na consolidação do vínculo terapêutico, parece-me justo afirmar que há uma responsabilização ativa dos/as profissionais, advinda dos órgãos de saúde (municipal a nacional) por meio das metas a serem cumpridas, e dos/as pacientes, que exigem um bom atendimento, principalmente por ser o SUS, na maioria das vezes, o único serviço de saúde disponível à população sem plano de saúde privado. O próximo tópico de análise é sobre os aspectos desfavoráveis para a construção do vínculo terapêutico com a comunidade atendida.

5.3 ASPECTOS DESFAVORÁVEIS PARA A CONSOLIDAÇÃO DO VÍNCULO