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3.5 CATEGORIAS ANALÍTICAS

3.5.1 D ISCURSO COMO R EPRESENTAÇÃO : TRANSITIVIDADE

3.5.1.1 Orações materiais

As orações materiais desenrolam as ações no mundo material apresentando mudanças no decorrer dos eventos; são definidas como orações de “fazer e acontecer”; e os participantes comuns são o Ator e a Meta. O Ator é aquele que investe energia para que o desenrolar do processo aconteça e é cativo nas orações, mesmo que esteja oculto. Depois que o processo acontece, um dos participantes é modificado, seja o próprio Ator ou o outro participante: a Meta. Nas orações intransitivas, o Ator sempre será o atingido pela ação do processo. Já nas orações transitivas, que podem se apresentar na forma passiva, a Meta é que sofrerá alterações (HALLIDAY;MATTHIESSEN, 2004; FUZER;CABRAL, 2014). Seguem exemplos para ilustração:

A formiga caiu.

Ator Processo material intransitivo

Exemplo de oração material intransitiva

O vento fechou a porta.

Ator Processo material transitivo Meta

Exemplo de oração material transitiva ativa 33 Texto original: “On the borderline between ‘material’ and ‘mental’ are the behavioural processes: those that

represent the outer manifestations of inner workings, the acting out of processes of consciousness (e.g.

people are laughing) and physiological states (e.g. they were sleeping). On the borderline of ‘mental’ and

‘relational’ is the category of verbal processes: symbolic relationships constructed in human consciousness and enacted in the form of language, like saying and meaning (e.g. the ‘verbal’ clause we say, introducing a report of what was said: that every fourth African is a Nigerian). And on the borderline between the ‘relational’ and the ‘material’ are the processes concerned with existence, the existential, by which phenomena of all kinds are simply recognized to ‘be’ — to exist, or to happen (e.g. today there’s Christianity

A porta foi fechada pelo vento.

Meta Processo material Ator

Exemplo de oração material transitiva passiva

As orações materiais se dividem também em criativas e transformativas. As orações materiais criativas têm como consequência, o surgimento de um participante ao mundo. Exemplo: Renata fundou uma empresa. Nesse exemplo, o participante “uma empresa” passou a surgir a partir do processo “fundar”, executado por “Renata”. As orações transformativas, por outro lado, apresentam alteração em algum aspecto de um participante existente no processo. No exemplo apresentado anteriormente, a porta sofreu modificação, passando de aberta para fechada.

As orações materiais podem ter outros participantes além do Ator e da Meta, tais como Beneficiário, que se divide em Beneficiário Recebedor e Beneficiário Cliente, Escopo, Escopo-entidade e Escopo-processo. Como alguns desses participantes apareceram apenas uma vez nos dados que analiso no capítulo 4, preferi deixar para descrevê-los pontualmente quando aparecerem no corpo das análises.

3.5.1.2 Orações mentais

Ao passo que as orações materiais se relacionam com o mundo externo e material, as orações mentais se desenrolam dentro da consciência dos participantes do processo (HALLIDAY;MATTHIESSEN, 2004). Sempre há dois participantes nas orações mentais, um Experienciador e um Fenômeno. O Experienciador precisa ser dotado de consciência (HALLIDAY;MATTHIESSEN, 2004), ou seja, normalmente são humanos, mas nos casos das fábulas, por exemplo, as personagens também poderiam ser Experienciador, haja vista que elas costumam ser animais com características cognitivas humanas. De acordo com Fuzer e Cabral (2014), o Fenômeno possui como características: ser aquilo que é conhecido, sentido, percebido ou desejado; ser uma coisa ou entidade materializado por grupos nominais; ou ser um fato ou ato realizado por orações (projetadas); ou ainda ser metafórico.

Os processos mentais são divididos em quatro: cognitivos, afetivos, perceptivos e desiderativos. Os cognitivos se relacionam com a consciência e a capacidade de aprender do Experienciador; os afetivos expressam emoções e sentimentos; os perceptivos baseiam-se nos cinco sentidos humanos (paladar, tato, olfato, visão e audição); e os desiderativos

expressam o querer, os desejos e as vontades. A seguir, apresento um exemplo de cada tipo de oração mental.

Eu decidi começar uma nova carreira.

Experienciador Processo mental cognitivo Oração projetada

Exemplo de oração mental cognitiva

Os pacientes gostam muito do atendimento.

Experienciador Processo mental afetivo Circunstância Fenômeno

Exemplo de oração mental afetiva

A médica viu o paciente no hospital.

Experienciador Processo mental perceptivo Fenômeno Circunstância

Exemplo de oração mental perceptiva

Daniel planeja contar histórias de terror no dia das bruxas.

Experienciador Processo mental desiderativo Oração projetada Circunstância

Exemplo de oração mental com oração projeta

Com base nos dados desta pesquisa, muitas orações mentais cognitivas, tais como “eu acho”, “penso”, podem expressar modalidade subjetiva em vez de um pensamento cognitivo, especialmente quando o fenômeno é realizado por uma oração projeta. Isto é, nesta pesquisa alguns processos mentais foram mais relevantes para a análise da modalidade e da oração projetada do que eles mesmos enquanto processo.

3.5.1.3 Orações relacionais

As orações relacionais servem para caracterizar e identificar (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004), estabelecendo uma ligação entre dois participantes da oração. Logo, é obrigatória a existência de dois participantes nesse tipo de processo, mesmo que um deles esteja omitido, desde que seja recuperável. Há três tipos de orações relacionais: intensiva,

possessiva e circunstancial. Cada uma delas pode ser ainda atributiva ou identificativa

(FUZER;CABRAL, 2014)

Por uma questão de organização, começarei explicando as atributivas e as identificativas. As orações são atributivas quando estabelecem uma característica indefinida (chamada de Atributo) ao participante Portador; quando é possível fazer as perguntas “o quê?”

ou “como?”; e quando não são reversíveis semanticamente. Note, semanticamente, pois muitas vezes a gramática tradicional não apontaria como desvio padrão, mas não é aceitável para a língua portuguesa. As orações são identificativas quando o Identificado possui uma característica definida (Identificador); quando é feita a pergunta “quem?”; e quando são reversíveis semanticamente (HALLIDAY;MATTHIESSEN, 2004; FUZER;CABRAL, 2014).

Em termos dos tipos de orações, as intensivas caracterizam uma entidade, em que os verbos típicos são “ser” e “estar”; podem ter tanto Portador e Atributo, como Identificador e Identificado como participantes. Já as orações possessivas indicam posse de um participante por outro, em que os verbos típicos são “ser de” e “ter”. Nesse tipo de oração, os participantes são Possuidor e Possuído. Por fim, as circunstanciais ocorrem quando um dos participantes estabelece uma relação de tempo, lugar, modo (ou outra circunstância) com o outro participante da oração; os participantes normalmente são Portador e Atributo Circunstancial ou Identificado e Identificador Circunstancial. A seguir, apresento o Quadro 3, baseado no quadro apresentado por Fuzer e Cabral (2014), no qual combino os tipos e os modos de Processos relacionais:

Quadro 3: Tipos e modos de Processos relacionais

Atributiva “x é um atributo de A” Identificativa “x é a identidade de A” Intensiva x é A

Darwin era um cientista. Darwin foi o cientista da evolução. ≈ O cientista da evolução foi Darwin.

Possessiva x tem A

Diego tinha um livro. O livro da capa rosa é de Diego. ≈ Diego tem o livro da capa rosa.

Circunstancial x é/está em A

O Dia das Mães é num domingo. O Dia das Mães é no segundo domingo do mês de maio. ≈ No segundo domingo do mês de maio é o Dia das Mães. Fonte: Da autora, baseado em Fuzer e Cabral (2014).

Nos dados analisados, houve grande recorrência de processos relacionais, especialmente do tipo possessivo e os de modo atributivo.

3.5.1.4 Orações existenciais

De acordo com Halliday e Matthiessen (2004), as orações existenciais representam algo que existe ou acontece. Em português, os verbos típicos desse processo são “haver”, “existir” e “ter”, muitas vezes complementado por circunstâncias. O único participante da oração é o Existente, que pode ser “qualquer tipo de fenômeno (…) construído

como uma ‘coisa’: pessoa, objeto, instituição, abstração; mas também [como] qualquer ação ou evento” (HALLIDAY;MATTHIESSEN, 2004, p. 258, tradução minha).34

Apresento a seguir, um exemplo de oração existencial:

cotas raciais para ingresso no ensino superior.

Processo existencial Existente Circunstância

Exemplo de processo existencial

As orações existenciais, apesar de serem secundárias e pouco comuns, se comparadas com as materiais e as relacionais, apresentaram grande incidência nos dados gerados em campo, que, como mostrarei no capítulo de análises foram relevantes para a identificação de estratégias linguísticas ideológicas.

3.5.1.5 Orações verbais

As orações verbais são relacionadas ao dizer, em que os participantes mais comuns são o Dizente (aquele que diz), a Verbiagem (aquilo que é dito pelo Dizente), o Receptor (aquele que recebe a Verbiagem) e o Alvo (aquele que é atingido pela Verbiagem) (HALLIDAY;MATTHIESSEN, 2004, FUZER;CABRAL, 2014). Os Processos verbais podem ainda conter Citação ou Relato, que são orações que substituem a Verbiagem. A seguir, dois exemplos de Processos verbais.

Bárbara contou a verdade para sua mãe.

Dizente Processo verbal Verbiagem Receptor

Exemplo de oração verbal com Verbiagem e Receptor

O jornalista disse que a campanha de vacinação contra a Febre Amarela começaria hoje.

Dizente Processo verbal Relato

Exemplo de oração verbal com Relato

Por este processo não ser muito recorrente nos dados desta pesquisa, não o detalharei.

34 No original: “any kind of phenomenon (…) construed as a ‘thing’: person, object, institution, abstraction; but also any action or event”.

3.5.1.6 Orações comportamentais

As orações comportamentais representam comportamentos fisiológicos e psicológicos, normalmente relacionados aos modos de agir dos seres humanos. Verbos como “tossir”, “sonhar” e “chorar” podem ser considerados como representantes desse tipo de oração. Os processos comportamentais normalmente pedem apenas o Comportante como participante, podendo haver também o Comportamento (HALLIDAY;MATTHIESSEN, 2004). Este tipo de oração não teve ocorrência nos dados desta pesquisa, portanto, encerro esta seção com um exemplo, a título de ilustração.

A criança bocejou.

Comportante Processo comportamental

Exemplo de oração comportamental

A seguir, discorro sobre a Teoria da representação de atores sociais, de van Leeuwen (1997; 2008).