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5.1 DEFINIÇÕES DE VÍNCULO TERAPÊUTICO

5.1.1 P OSTURA PROFISSIONAL

Nas falas dos/as participantes, a definição do vínculo terapêutico, na maioria dos casos, está relacionada diretamente à postura profissional recomendada (com base no que eles/as disseram) na prática profissional do dia a dia. Apesar de ser capcioso pensar em como a postura profissional define o vínculo, muitos/as profissionais de saúde utilizam desse artifício para defini-lo, pois, sabendo que vínculo terapêutico tem relação espessa com “confiança”, eles/as precisam explicar como conquistá-la, e fazem-no por meio de definição da postura profissional recomendada.

71 O website <wordclouds.com> não reconhece locuções, nomes compostos ou termos como sendo apenas uma palavra; por isso, estão interligados por hífen.

No trecho A01, retirado do grupo focal com profissionais de saúde, há a presença significativa de muitos aspectos linguísticos relevantes. Começo, então, com a análise das primeiras duas orações, a seguir. Todas as falas presentes no trecho A1 são respostas à pergunta: “Para vocês, o que é vínculo terapêutico?”.

(O

vínculo)72 Deve ser a a relação, né, que entra/ que tementre o usuário, o profissional,

Verbo auxiliar modal

(probabilidade) Verboprincipal

Identificado Processo relacional identificativo Identificador Elem.

textual Identificador Elem.textual

(1) Fala do ACS Carlos, trecho A01 (o vínculo) (deve) (ser) essa relação recíproca de de criar mesmo um vínculo, o

afeto

de conseguir, né, se abrir pro profissional, expor os problemas, dizer exatamente o que ele tá sentindo, sem ter aquele receio, nesse sentido

Verbo auxiliar modal

(probabilidade) Verboprincipal

Identificado Processo relacional identificativo Identificador Atributo Circunstância de causa (finalidade)

(2) Continuação da fala do ACS Carlos, trecho A01

O ACS Carlos utiliza-se da modalidade, com sentido de probabilidade, para definir o vínculo terapêutico. De acordo com Fairclough (2003), esse tipo de modalidade é epistêmica objetiva, dado o distanciamento, no texto, entre o locutor (ACS Carlos73) e a informação. Para além disso, na oração (2), ele indica a finalidade de se ter o vínculo terapêutico, relacionado à prática de saúde no CSF. Sua fala é complementada pela da enfermeira Priscila (orações (3) a (6)), que explicita dificuldade em se conseguir alcançar esses objetivos elencados pelo ACS Carlos. Além disso, novamente, há a presença da modalidade epistêmica, que, neste caso, enfatiza a dificuldade e obtém um valor de condicionalidade entre “a longo prazo” e “vínculo”. Outro aspecto relevante de destacar é a estrutura da sentença, que está na voz passiva, ocultando o Ator do Processo material. Van Leeuwen (1997) aponta que a estrutura passiva de orações é um dos meios que as pessoas utilizam para excluir um ator social da oração, seja por meio de supressão ou encobrimento, que significa que um ator social está excluído na oração, mas que é recuperável pelo/a leitor/a

72 Palavras ou conjunto de palavras entre parênteses indicam elementos recuperáveis. 73 Como explicitado no capítulo 4, todos os nomes são fictícios.

em outros momentos do texto (VAN LEEUWEN, 1997). Como conseguimos recuperar que se trata dos/as profissionais de saúde, de forma geral, temos uma exclusão por meio de encobrimento. A seguir, as orações (3) a (6).

O vínculo ele… a part/ ele só é construído a longo prazo

Adjunto modal de temporalidade (tempo)

Meta Elem. Interp. Processo

material criativo

Circ. de extensão (duração)

Marca da oralidade

(3) Fala da enf. Priscila, trecho A01

O… profissional ele

também tem que ter uma

habilidade

pra conversar

pra dialogar éé pra explicar, né, (para) o paciente

Verbo auxiliar modal (obrigação) Verbo principal Possuidor Circ. de acompanhamento (adição)

Processo relacional possessivo Possuído Elem. textual

Oração

circunstancial de finalidade

(4) Fala da enf. Priscila, trecho A01

(eu) Acho que o vínculo basicamente é a confiança, né, que o paciente tem com o profissional

Experienciador Processo mental cognitivo Oração projetada

(5) Fala da enf. Priscila, trecho A01 que o vínculo basicamente é a confiança que o paciente tem com o profissional

Elem. textual Identificado Circ. de modo (grau)

P. relacional identificativo

Identificador

(6) Oração projetada da fala da enf. Priscila, trecho A01

As orações (4), (5) e (6) não só dão continuidade à fala de Priscila,74 como possuem, entre si, uma relação de condição, visto que, em (6), temos um processo relacional identificativo, que “x é A”, uma caracterização do vínculo. Assim, vínculo é confiança (verifique trechos B01 a B04, que sustentam essa afirmação). A confiança, por consequência, viria da “habilidade” de “conversar”, “dialogar” e “explicar” (oração (4)). Ainda na oração (4), há uma modalidade deôntica expressando obrigação, por meio da expressão “tem que”.

74 Informo, de antemão, que muitas das falas analisadas são da enfermeira Priscila e do ACS Gustavo. Isso se deu por conta de esses participantes serem muito engajados no trabalho, por serem mais comunicativos e por apresentarem mais detalhes e explicações a respeito dos elementos da prática social.

Contudo, a escolha do ator social, “o profissional”, enfraquece a modalidade. Isso ocorre pois há uma categorização (VAN LEEUWEN, 1997) do participante da oração, cujas características são a não inclusão do falante, a não determinação de quem são os atores sociais que formam a categoria estabelecida, bem como a diminuição do poder de agência. Ainda, quanto à oração (5), a modalidade fica marcada por conta do uso do “eu acho”, que caracteriza-se como modalidade epistêmica subjetiva, com proximidade entre o autor da sentença e a informação. Portanto, o processo é mental no sistema de transitividade, mas ele configura-se como uma marca típica de modalidade.

Nas próximas três orações – (7), (8) e (9) –, a enf. Priscila faz o mesmo percurso, mudando apenas a característica do vínculo, que deixa de ser confiança e passa a ser ética.

uma coisa que o profissional tem que ter em mente e tem que ter muitooo muitooo/ praticar

no seu dia a dia é a ética

Atributo Circ. de localização

(tempo) Processo relacionalatributivo (intensivo) Portador

(7) Fala da enf. Priscila, trecho A01

que o profissional tem que ter em mente (a ética)

Verbo auxiliar modal

(obrigação) Verbo principal

Elem. Textual

Possuidor Processo relacional possessivo Circ. de modo (qualidade)

Possuído

(8) Oração encaixada da fala da enf. Priscila, trecho A01 (O profissional) (tem que) praticar (a ética)

Verbo auxiliar modal

(obrigação) Verbo principal

Ator Processo material transformativo Escopo-processo

(9) Oração encaixada da fala da enf. Priscila, trecho A01

A relação condicional entre ética, confiança, vínculo e saúde, materializa-se nas orações (10), (11), (12), dispostas a seguir, pois a enfermeira usa estruturas típicas de circunstâncias de extensão (tempo), como circunstância de causa (finalidade). Logo, parece- me correto dizer que a ética, mais do que um objetivo da profissional, é o meio do qual os/as profissionais de saúde lançam mão para obterem informações sobre a saúde dos/as pacientes e executarem suas funções. Desse modo, a ética mais do que uma postura é uma prática a ser trabalhada no dia a dia, durante atendimentos dentro ou fora dos CSFs.

Quando a gente tem o vínculo a gente tem a confiança

Circ. de contingência (condição) Possuidor Processo relacional possessivo Possuído

(10) Fala da enf. Priscila, trecho A01 Quando a gente tem a

confiança, a paciente VAI falar da vida pessoal, né, dasparticularidades

Circ. de contingência (condição) Dizente Processo verbal Verbiagem Elem. textual Verbiagem

(11) Continuação da fala da enf. Priscila, trecho A01 e a gente precisa ter a ética também pra poder tá recebendo tudo isso e tá mantendo sigilo, né, e agindo de uma maneira IMPESSOAL, né, onde a ge/ onde a gente vá ter uma impessoalidade, né, não não vá ter juízo de valor, né, daquela pessoa

Verbo auxiliar modal (obrigação)

Verbo principal

Elem. textual Possuidor Processo relacional possessivo Possuído Elem. textual Circ. de causa (finalidade)

(12) Continuação da fala da enf. Priscila, trecho A01 No trecho A2, o ACS Gustavo é perguntado sobre sua relação com os/as pacientes. Sua fala, expressa nas orações (13) e (14), apresenta outra realidade: a dos/as ACSs. Em que além de ter a ética, precisam ter amizade. Isso se observa com a circunstância de contingência (condição) na oração (13), que produz uma relação condicional com os outros componentes da oração, bem como por meio da circunstância de contingência (falta/omissão), na oração (14). Outro aspecto que corrobora com o exposto é a frase “Olha, como eu sou agente de saúde, a gente tem que ser no mínimo amigo deles, porque a gente precisa adquirir o vínculo, senão eles não se abrem”, do ACS Gustavo, trecho A02. A seguir, as orações (13) e (14).

Se NÃO for amigo, ela não fala

Adjunto modal de polaridade (negação)

Circ. de contingência (condição) Dizente Elem. Interpessoal Processo verbal

(13) Fala do ACS Gustavo, trecho A02

Sem o v-vínculo de amizade, não existe o serviço

Adjunto modal de polaridade (negação)

Oração circunstancial condicional Elem. Interpessoal Processo existencial Existente

Para finalizar a subseção, a fala da ACS Camila, gerada por meio da mesma pergunta feita ao ACS Gustavo, concretiza ainda mais o que ele comentou a respeito da ética e da amizade, tendo em vista que, nas orações encaixadas na oração (15), a ACS Camila se inclui no processo, ao fazer uso de inclusão por ativação (VAN LEEUWEN, 1997). No entanto, sua fala é ainda mais modalizada, pois o tipo de verbo auxiliar modal que ela utiliza indica inclinação e não obrigação e o processo presente na oração (16) é o relacional, em vez do material. Isso se faz relevante por conta de os processos relacionais apenas caracterizarem/ atribuírem/identificarem seres, ao passo que processos materiais estabelecem mudanças na representação do aspecto narrado (HALLIDAY, 1994). Assim, se o verbo principal deixasse de ser “ter” e passasse a ser “desenvolver”, a relação do ator social participante com a “ética” seria diferente: ela deixaria de ser Atributo e passaria a ser Meta, sofrendo a ação do processo material. Portanto, por ser um processo relacional junto de modalização, como explicado acima, posso inferir, com a fala da ACS Camila, que, para ela, a ética é algo que se tem e não que se constrói, ao contrário da fala anterior do ACS Gustavo.

Minha relação com pacientes

é uma relação… que eu procuro ter

ÉÉTICA, né, e procuro ser amiga

Portador Processo relacional atributivo (possessivo) Atributo (oração encaixada)

(15) Fala da ACS Camila, trecho A03

que eu procuro ter ÉÉTICA

Verbo auxiliar modal (inclinação) Verbo principal

Elem. Textual Portador Processo relacional possessivo Atributo

(16) Primeira parte da oração encaixada da fala da ACS Camila, trecho A03

(Eu) procuro ser amiga

Verbo auxiliar modal (inclinação) Verbo principal

Portador Processo relacional atributivo Atributo

(17) Segunda parte da oração encaixada da fala da ACS Camila, trecho A03

Na próxima subseção, discorro sobre o segundo aspecto que define o vínculo terapêutico, que é a frequência de atendimento.