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2   ARBITRAGEM SOB O ASPECTO INTERNACIONAL 83

2.1   Aspectos Gerais da Arbitragem Internacional 84

Conforme anteriormente destacado, a arbitragem integra os instrumentos sociais de harmonização da sociedade por meio de processo, atuando no âmbito local, bem como nas relações internacionais.

Segundo Alan Redfern e Martin Hunter72, a arbitragem internacional tem se

tornado o principal método de resolução de conflitos entre Estados, indivíduos e corporações em quase todos os aspectos de negócio, comércio e investimento internacionais. Os autores explicam que o caráter internacional da arbitragem deriva da diferença existente entre as arbitragens puramente nacionais ou domésticas daquelas que, de algum modo, transcendem as barreiras nacionais, sendo, portanto, internacionais.

Philip Jessup73, por seu lado, prefere utilizar o termo transacional à

internacional ao se referir às situações legais que envolvam sujeitos de mais de uma nacionalidade. O país onde a arbitragem será conduzida é escolhido pelas partes, ou pela instituição arbitral, levando em consideração justamente a falta de conexão deste com os países litigantes. Em teoria, a sede da arbitragem deverá ser verdadeiramente neutra.

A exemplo dos autores supracitados que trataram desse tema, Carolina

Iwancow Ferreira74, por sua vez, registra que não há grandes diferenças entre a

arbitragem interna e a arbitragem internacional, sendo ambas regidas pelos mesmos princípios de direito. Destaca que a diferença consiste, em síntese: na localização                                                                                                                          

72 REDFERN, Alan; HUNTER, J. Martin H. International Arbitration. Oxford University Press, 2009, p.

1-8.

73

JESSUP, Philip C. Transnational Law. Yale University Press, 1956.

74

FERREIRA, Carolina Iwancow. In: GUIMARÃES, Antônio Márcio da Cunha; GUIMARÃES, Arianna Stagni. Direito do Comércio Internacional. São Paulo: Lex Editora, 2013, p. 96.

das partes estipulantes em países distintos; na condução da arbitragem em país distinto dos estipulantes; e na apresentação do objeto da arbitragem com elo em mais de um país. Assinala que a expressão “arbitragem comercial internacional” foi consagrada pela Convenção Europeia de 1961 (Convenção de Genebra) e pela Lei Modelo (Soft Law) adotada pela Comissão das Nações Unidas sobre o Direito Comercial Internacional (Uncitral), em 1985, sendo aplicado nas arbitragens internacionais de natureza mercantil.

Nesse contexto, é importante registrar que a arbitragem no âmbito internacional pode, eventualmente, apresentar dificuldades no tocante à incidência de normas no que tange ao aspecto espacial. Isto decorre porque uma das grandes controvérsias na arbitragem internacional diz respeito à incidência da lei ao caso em concreto, considerando a imperatividade das leis locais e a faculdade de eleição de normas de distintos países.

Com efeito, eventuais antinomias de norma de procedimento arbitral e do próprio direito material aplicável ao caso apresentam-se sob o aspecto temporal e, no que concerne ao tema arbitragem internacional, também no aspecto espacial, tendo em vista a possibilidade dos contratantes situarem-se em países distintos, bem como optarem por normas alienígenas. Conforme assinala Luiz Olavo Baptista, remetendo à H. Battifol e P. Lagarde, “o conflito de leis na ordem interna pode ocorrer quanto ao efeito temporal das normas, enquanto que na órbita internacional

pode ser espaço-temporal”.75

Para Philippe Fouchard, Emmanuel Gaillard e Berthold Goldman76, uma das

consequências da natureza internacional da arbitragem, no Direito Internacional Privado, é o conflito de leis. Destarte, a inexistência de internacionalidade implicaria na ausência de conflito de leis na arbitragem. Explicam, ainda, que a principal consequência do caráter internacional da arbitragem é determinar se um conjunto específico de normas substanciais é aplicável ou não. Sustentam que a distinção                                                                                                                          

75

BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem Comercial e Internacional. São Paulo: Lex Editora, 2011, p. 39.

76

FOUCHARD, Philippe; GAILLARD, Emmanuel; GOLDMAN, Berthold. International Commercial Arbitration. Kluwer Law International. 1999, p. 45.

entre a arbitragem nacional e internacional serve para determinar a ordem jurídica à qual a arbitragem está conectada. Consequentemente, deve-se examinar a situação e a relação entre as partes de modo a estabelecer uma conexão com um ou mais sistemas legais.

Ao referir-se a tal assunto, Berthold Goldman77 ressalta que a percepção de

qualquer elemento estrangeiro providenciará possíveis conexões com outros países e, de acordo com a sua importância, determinar-se-á se a situação será regulada por um sistema legal estrangeiro ou nacional. Nesse sentido, a arbitragem que envolver elementos estrangeiros em face de um determinado país poderá ser considerada internacional.

Fouchard, Gaillard e Goldman78 elencam os possíveis elementos de conexão

da seguinte forma: (i) nacionalidade e domicílio do árbitro(s); (ii) nacionalidade das partes; (iii) domicílio, residência ou sede das partes; (iv) outros fatores ligados ao conteúdo substancial do litígio (ex: local de assinatura ou execução do contrato, local do dano, local de propriedade envolvida etc.); (v) nacionalidade ou sede da instituição arbitral; (vi) sede da arbitragem; (vii) local onde a sentença arbitral será executada; (viii) lei escolhida para regular os procedimentos arbitrais; e (ix) lei escolhida para regular o mérito da disputa. Quando todos os elementos levarem a um mesmo país, a arbitragem será nacional. Por outro lado, variam de importância e devem ser analisados em cada caso de acordo com suas peculiaridades a fim de determinar se uma arbitragem será internacional ou não.

A Lei Modelo da UNCITRAL determina, em seu artigo 1º, parágrafo 3º: (3) Uma arbitragem é internacional se:

a) As partes em uma convenção de arbitragem tiverem, no momento da sua conclusão, as suas sedes comerciais em diferentes Estados; ou

                                                                                                                          77

GOLDMAN, Berthold. Arbitrage (droit international privé). Encyclopédie Dalloz – Droit International. 1968.

78

b) Um dos locais a seguir referidos estiver situado fora do Estado no qual as partes têm a sua sede;

(i) O local da arbitragem, se determinado na, ou de acordo com, convenção de arbitragem;

(ii) Qualquer local onde deva ser cumprida uma parte substancial das obrigações resultantes da relação comercial ou o local com o qual o objeto da disputa tenha vínculos mais estreitos; ou

c) As partes tiverem convencionado expressamente que o objeto da convenção de arbitragem envolve mais de um país.

A arbitragem, como instrumento de solução de conflitos, pode ser utilizada por pessoas de direito privado, bem como por Estados e organizações internacionais. É importante registrar que o reconhecimento da soberania dos Estados - independentemente de sua extensão territorial, população ou economia - é acompanhada de inúmeros conflitos no âmbito internacional, envolvendo desde questões comerciais hodiernas até litígios históricos acerca de delimitações de fronteira. Em último grau, a ausência de êxito na solução diplomática pode ocasionar um conflito bélico, o que destaca, sem dúvida, a importância do desenvolvimento de meios de solução pacífica de controvérsias no âmbito internacional.

Destaca-se que a Carta das Nações Unidas, que integra o Estatuto da Corte Internacional de Justiça, assinada em São Francisco, em 26 de junho de 1945, por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional, acolhida pelo Estado brasileiro pelo Decreto nº 19.841, de 22 de outubro de 1945, dispõe, em seu artigo 2º, §§ 3º e 4º:

Artigo 2. A Organização e seus Membros, para a realização dos propósitos mencionados no Artigo 1, agirão de acordo com os seguintes Princípios: (...)

3. Todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais.

4. Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas.

Assim, inferem-se os princípios que regulam a espécie, impondo-se aos Estados o dever de solucionar eventuais controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacional (art. 2º, item 3).

A Carta das Nações Unidas também impõe o dever de evitar a ameaça, ou o uso da força, tanto contra a integridade territorial quanto contra a dependência política de qualquer Estado (art. 2º, item 4). Ademais, em um capítulo próprio (Capítulo VI), denominado “Solução Pacífica de Controvérsias”, impõe o dever de buscar uma solução para eventuais controvérsias por meio de negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou utilizando qualquer outro meio pacífico à sua escolha. In verbis:

Capítulo VI - Solução Pacífica de Controvérsias

Artigo 33. 1. As partes em uma controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífico à sua escolha.

Verifica-se, desse modo, que a arbitragem, como modo de solução de conflitos entre Estados, é indicada expressamente no mencionado artigo 33.1. da Carta das Nações Unidas, acolhida pelo Brasil no Decreto nº 19.841, de 22 de outubro de 1945.

Sem dúvida, na guerra não há vencedores, sendo incontestável a importância dos meios pacíficos de solução de conflitos, sendo, de tal prisma, insofismável a relevância do papel da arbitragem internacional.

Em tal contexto, é importante enfatizar as conclusões de Karin Hlavnicka

Skitnevsky79, no sentido da escassa aplicação da doutrina do second look, em

razão, inclusive, da decisão do caso Mitsubishi, que levou os Tribunais norte-                                                                                                                          

79

SKITNEVSKY, Karin Hlavnicka. In: FINKELSTEIN, Cláudio; VITA, Jonathan B.; CASADO FILHO, Napoleão (Coord.). Arbitragem Internacional: Unidroit, Cisg e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 109.

americanos, após referida decisão, a deixaram de utilizar a mencionada doutrina. Segundo a autora, a second look doctrine, também conhecida como doutrina da “segunda opinião” ou “segundo olhar”, tem como escopo:

(...) estabelecer um procedimento de revisão de qualquer determinação do tribunal arbitral durante o procedimento ou das sentenças arbitrais internacionais, o que deve ser realizado pelo judiciário do país em que irá ser reconhecida e executada visando garantir a efetividade da legislação local.80

Nesse contexto, conforme salienta Cláudio Finkelstein81, a arbitragem

apresenta-se como meio apropriado para a solução de conflitos entre operadores do comércio internacional, possibilitando a adoção de regras próprias e consequente interação com os ordenamentos jurídicos locais.

Concluindo, é indubitável a importância da arbitragem, que enfrenta inúmeras barreiras geográficas, culturais e econômicas, como meio efetivo de solução de controvérsias internacionais. Ela atua na relação entre os Estados, bem como entre os entes de direito privado, na busca da pacificação de uma sociedade cada vez mais globalizada.