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Direito Aplicável na Arbitragem Internacional 100

2   ARBITRAGEM SOB O ASPECTO INTERNACIONAL 83

2.6   Direito Aplicável na Arbitragem Internacional 100

Uma das grandes controvérsias da arbitragem internacional refere-se à definição da lei aplicável ao litígio, sendo tratada por diversos autores, especialmente por Fouchard e Gaillard, e também por Berger, entre outros,

conforme acentua Jonathan Barros Vita.103

Vita104 registra que as espécies normativas podem pertencer a grupos

distintos, a saber: normas do país do contratante “A”; normas do país do contratante                                                                                                                          

101 Idem, ibidem, p. 219. 102

FERREIRA, Carolina Iwancow. In: GUIMARÃES, Antônio Márcio da Cunha; GUIMARÃES, Arianna Stagni. Direito do Comércio Internacional. São Paulo: Lex Editora, 2013, p. 94.

103

VITA, Jonathan Barros. In: FINKELSTEIN, Cláudio; VITA, Jonathan Barros; CASADO FILHO, Napoleão (Coord.). Arbitragem Internacional: Unidroit, Cisg e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 51.

104

“B”; e normas de direito internacional, sejam jurídicos, como tratados, sejam não jurídicos, como a Lex Mercatoria e princípios UNIDROIT.

Destarte, cumpre registrar que as obrigações, inclusive as decorrentes de contrato, são reguladas pela lei vigente no local em que forem constituídas, nos termos da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, que, em seu artigo 9º, caput, dispõe: “Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.”

Assim, o legislador pátrio mitigou o princípio da autonomia da vontade ao impor às partes a lei aplicável às obrigações avençadas. Em contrapartida, como já abordado, a Lei nº 9.307/96 dispôs, dentre os instrumentos para solucionar litígios, a equidade (art. 2º, “caput”). Logo, nada impede que as partes, ao convencionarem uma cláusula arbitral, estabeleçam que eventuais litígios sejam dirimidos por equidade.

Nos termos acima detalhados, as partes interessadas podem escolher livremente as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública (Lei nº 9.307/96, art. 2º, §1º). Outrossim, a legislação pátria também facultou a convenção da arbitragem com base nos princípios gerais do direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio (Lei nº 9.307/96, art. 2º, §2º).

Não obstante o debate na academia acerca da aparente antinomia, o entendimento da incidência da lei específica sobre a geral prevalece. Cláudio

Finkelstein105 sustenta que o árbitro, ao contrário do juiz togado, não está sujeito ao

disposto no artigo 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

                                                                                                                          105

FINKELSTEIN, Cláudio; VITA, Jonathan Barros; CASADO FILHO, Napoleão (Coord.). Arbitragem Internacional: Unidroit, Cisg e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 48.

Por seu turno, ao tratar do direito aplicável na arbitragem internacional, especial atenção merece a Lex Mercatoria, conjunto normativo que rege as operações no comércio internacional.

Rogério Dourado Furtado registra que, não obstante a diversidade conceitual, praticamente todos os doutrinadores partem das premissas de Berthold Goldman, segundo as quais a Lex Mercatoria consiste “no conjunto de princípios, instituições e regras provenientes de diversas fontes, que nutre constantemente as estruturas legais e a atividade específica da coletividade dos operadores do comércio

internacional”.106

Como destacado por Luiz Olavo Baptista107, é a designação que se costuma

atribuir ao conjunto de princípios, instituições e regras concernentes às operações do comércio internacional que formam um sistema normativo que regem o comércio internacional. Sua importância decorre da necessidade de regras de alcance global, com escopo de representar interesses do comércio internacional, em constante evolução, impulsionados pelo progresso social e econômico.

Carolina Iwancow Ferreira registra que, desde a Idade Média, os comerciantes encontram meios de facilitação de procedimentos e de resolução de conflitos sem a interferência direta do Estado. Consigna que

A Lex Mercatoria recorre a princípios gerais do Direito em matéria obrigacional, similares aos existentes na maior parte dos países, assim como engloba usos e costumes, e modelos jurídicos diversos, em especial contratos típicos do comércio internacional. Ela é completada pela interpretação dada, tanto aos contratos, quanto aos princípios de direito, por decisões arbitrais, que vão contribuindo a conformar os princípios e os contratos a uma maneira específica e adaptada à problemática empresarial e internacional.108

                                                                                                                          106

FURTADO, Rogério Dourado. In: GUIMARÃES, Antônio Márcio da Cunha; GUIMARÃES, Arianna Stagni. Direito do Comércio Internacional. São Paulo: Lex Editora, 2013, p. 330.

107

BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem Comercial e Internacional. São Paulo: Lex Editora. 2011, p. 72.

108

FERREIRA, Carolina Iwancow. In: GUIMARÃES, Antônio Márcio da Cunha; GUIMARÃES, Arianna Stagni. Direito do Comércio Internacional. São Paulo: Lex Editora, 2013, p. 99.

Os modelos jurídicos formam-se na criação de contratos, interpretados a partir de princípios gerais do direito, como a boa-fé, o pacta sunt servanda, a força

maior, dentre outros. Luiz Olavo Baptista109 cita, como exemplo, a criação dos

“INCOTERMS 1953” a partir da consolidação dos pontos comuns aos usos e costumes dos portos mais movimentados.

Assim, pode-se concluir que a Lex Mercatoria alicerça-se no direito de diversos países, sustentando-se em princípios e normas extraídos desses ordenamentos jurídicos, todavia reduzindo-se a uma fórmula global, resultante da práxis do comércio internacional, como a citada INCOTERMS.

Luiz Olavo Baptista salienta que a busca da nacionalidade faz a Lex

Mercatoria aproximar-se, por um lado, da noção de equidade, e, por outro, da

utilização dos princípios gerais do direito internacional. Outra característica da Lex

Mercatoria enfatizada pelo autor é:

(...) ao lado dos modelos jurídicos, servir como fonte de caráter pretoriano nas arbitragens internacionais; embora nelas os precedentes tenham valor relativo, são predominantes para sua aceitação, o peso da autoridade intelectual e moral dos árbitros e a correspondência da decisão com a ideia que a comunidade mercante internacional fez do direito. Isso é o que dá valor à Lex mercatoria.110

Assim, em tal contexto, pode-se concluir, na trilha dos ensinamentos de

Cláudio Finkelstein e Napoleão Casado Filho111, que a Lex Mercatoria, consistindo

na compilação dos usos e costumes aplicados a uma determinada atividade comercial internacional, contrapõem-se à estática das normas positivadas.

Nesse panorama, a mesma atenção deve ser dada aos princípios preconizados pela UNIDROIT, Instituto Internacional pela Unificação do Direito Privado, criado em 1926, conforme destacado por Flávia Bittar Neves e Gisely

                                                                                                                          109

BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem Comercial e Internacional. São Paulo: Lex Editora. 2011, p. 76.

110

Idem, ibidem, p. 77.

111

FINKELSTEIN, Cláudio; CASADO FILHO, Napoleão. In: GUIMARÃES, Antônio Márcio da Cunha; GUIMARÃES, Arianna Stagni. Direito do Comércio Internacional. São Paulo: Lex Editora, 2013, p. 99.

Moura Radael112, com o escopo de promover o estudo das necessidades e métodos para modernizar, harmonizar e coordenar o direito das relações comerciais internacionais. Assim, seu principal objetivo é diminuir as barreiras decorrentes da diversidade dos ordenamentos jurídicos, originadas das relações internacionais privadas.

O instituto UNIDROIT produz e publica os denominados “Princípios Unidroit

sobre Contratos Comerciais” que constituem, conforme salientado pelas autoras113,

verdadeiro Código Civil comentado no plano de Soft Law, isto é, não apresentam caráter cogente, mas, por outro lado, podem vincular as partes de um contrato se houver a respectiva opção como norma substantiva aplicável a eventual litígio, ou mesmo como fonte subsidiária de direito. In verbis:

Os Princípios Unidroit tratam da interpretação dos contratos no capítulo 4, nos seguintes termos:

ARTIGO 4.1

(Intenção das partes)

(1) O contrato deve ser interpretado segundo a intenção comum das partes.

                                                                                                                          112

NEVES, Flávia Bittar; RADAEL Gisely Moura. In: FINKELSTEIN, Cláudio; VITA, Jonathan B.; CASADO FILHO, Napoleão (Coord.). Arbitragem Internacional: Unidroit, Cisg e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 227-228.

113

Segundo Neves e Radael, “O termo Soft Law é utilizado no Direito Internacional para designar a lei que não possuiu caráter vinculante, ou cuja força vinculante é muito pequena, em virtude da natureza do instrumento jurídico de que se trata. No caso, os Princípios Unidroit têm forte natureza informativa, sendo que não precisam ser adotados por determinado país para que sejam aplicados a uma relação comercial internacional em que figura como parte um nacional daquele país. Dessa forma, por um lado, facilita-se a aplicação dos Princípios, visto que independem de ratificação; por outro, a aplicação dos Princípios se sujeita à vontade das partes contratantes ou, caso as partes não tenham escolhido lei aplicável, podem ser utilizados subsidiariamente pelos juízes e, com maior liberdade e ênfase, pelos árbitros do caso concreto.” (NEVES, Flávia Bittar; RADAEL Gisely Moura. In: FINKELSTEIN, Cláudio; VITA, Jonathan B.; CASADO FILHO, Napoleão (Coord.). Arbitragem Internacional: Unidroit, Cisg e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 228).

(2) Caso esta intenção não possa ser estabelecida, o contrato deve ser interpretado conforme o significado que pessoas razoáveis do mesmo tipo das partes teriam atribuído ao contrato nas mesmas circunstâncias.

ARTIGO 4.2

(Interpretação de declarações ou de outras condutas)

(1) As declarações e outras condutas de uma parte devem ser interpretadas de acordo com sua intenção, se a outra parte o sabia ou não poderia desconhecer tal intenção.

(2) Caso o inciso precedente não seja aplicável, as declarações e outras condutas devem ser interpretadas conforme o significado que pessoas razoáveis do mesmo tipo das partes lhes teriam atribuído, nas mesmas circunstâncias.

ARTIGO 4.3

(Circunstâncias relevantes)

Na aplicação dos Artigos 4.1 e 4.2, devem ser consideradas todas as circunstâncias, incluindo:

(a) as negociações preliminares entre as partes; (b) as práticas estabelecidas entre as partes;

(c) a conduta das partes subsequente à formação do contrato; (d) a natureza e o escopo do contrato;

(e) o significado comumente atribuído a termos e expressões peculiares no meio comercial envolvido;

(f) os usos e os costumes. ARTIGO 4.4

(Coerência do contrato)

Termos e expressões devem ser interpretados à luz de todo o contrato ou de toda a declaração em que aparecem.

ARTIGO 4.5 (Interpretação útil)

Os termos de um contrato devem ser interpretados de modo a que se dê efeito a todos eles, ao invés de privar quaisquer deles de efeito.

ARTIGO 4.6

(Regra contra proferentem)

Termos contratuais obscuros serão interpretados preferencialmente em desfavor da parte que os tenha proposto.

ARTIGO 4.7

(Discrepâncias linguísticas)

Quando um contrato esteja elaborado em duas ou mais versões linguísticas, que sejam igualmente obrigatórias, prefere-se, em caso de discrepâncias entre elas, a interpretação que esteja de acordo com a versão em que o contrato foi originalmente elaborado.

ARTIGO 4.8 (Termos omissos)

(1) Quando as partes de um contrato não tiverem acordado sobre um termo importante para a determinação de seus direitos e obrigações, uma cláusula apropriada, segundo as circunstâncias, deverá ser suprida.

(2) Ao determinar o que é uma cláusula apropriada, dever-se-á considerar, dentre outros fatores:

(a) a intenção das partes;

(b) a natureza e o escopo do contrato; (c) a boa-fé e a lealdade negocial; (d) a razoabilidade.114

Concluindo, não obstante o disposto na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/42), prevalece a especificidade da Lei nº 9.307/96, podendo as partes estipular as normas incidentes no procedimento arbitral e no próprio litígio, inclusive merecendo especial destaque a Lex Mercatoria,                                                                                                                          

114

NEVES, Flávia Bittar; RADAEL Gisely Moura. In: FINKELSTEIN, Cláudio; VITA, Jonathan B.; CASADO FILHO, Napoleão (Coord.). Arbitragem Internacional: Unidroit, Cisg e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 230-232.

concebida como o conjunto normativo que rege as operações comerciais internacionais.

3 A SEGURANÇA DA ARBITRAGEM COMERCIAL INTERNACIONAL PARA O