• Nenhum resultado encontrado

Natureza Jurídica da Arbitragem – Jurisdição – Polêmica 39

1   FORMAS NÃO JURISDICIONAIS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS 18

1.2   Natureza Jurídica da Arbitragem – Jurisdição – Polêmica 39

A questão relativa à natureza jurídica da arbitragem possui intensa polêmica. Um dos posicionamentos sustenta que a arbitragem possui natureza jurídica contratual, uma vez que os árbitros apenas dispõem sobre a questão de fundo da controvérsia, ou seja, o direito material que está em conflito entre os contratantes, subsumindo-se, portanto, à esfera privada da relação jurídica em litígio, cabendo ao Estado-juiz promover sua executoriedade.

Outro posicionamento considera que a arbitragem seja a fonte de poder dos árbitros, além de defender a semelhança do laudo arbitral à sentença proferida pelo órgão jurisdicional.

Um terceiro posicionamento defende, por um lado, que a decisão proferida pelo árbitro não é sentença, pois necessita de impulso do Estado-juiz para sua executoriedade, bem como torna-se obrigatória, mas, por outro lado, sustenta que tanto o árbitro quanto o Estado-juiz concorrem para a formação da decisão sobre o conflito dirimido pela arbitragem. Em outras palavras, a sentença arbitral, para os defensores dessa corrente, é formada tanto pelo laudo arbitral quanto pela decisão ulteriormente proferida pelo Poder Judiciário.

Esses três posicionamentos quanto à natureza jurídica da arbitragem, conforme mencionado, geram polêmica. A maior controvérsia, entretanto, reside na discussão sobre a questão de a arbitragem ser ou não ser jurisdição.

Nélson Nery Júnior33 defende a ideia de que a arbitragem é jurisdição, pois o

árbitro aplica o direito ao caso concreto e coloca fim à lide que existia entre as partes. Para o ilustre professor, a arbitragem é instrumento de pacificação social, e sua decisão é exteriorizada por meio de uma sentença, que possui qualidade de título executivo judicial, inexistindo a necessidade de sua homologação pelo Poder Judiciário.

Isto vem ao encontro do argumento defendido por Carlos Alberto Carmona34,

quando afirma que, nos termos do artigo 31 da Lei de Arbitragem, a decisão final dos árbitros produzirá os mesmos efeitos da sentença estatal, constituindo a sentença condenatória título executivo que, apesar de não proferida pelo Poder Judiciário, assume a feição de judicial, pois a lei teria adotado a tese da jurisdicionalidade da arbitragem, encerrando a atividade homologatória do juiz estatal que dificultava a eficácia prática da arbitragem.

                                                                                                                          33

Idem, ibidem, p. 1531.

34

CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: Um Comentário à Lei nº 9.307/96. 3ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 26-27.

O autor35 tece certas críticas no sentido de que ainda existirão processualistas que não atribuirão atividade processual ao procedimento arbitral, tampouco jurisdicional. Todavia, tal ideia não mais conduziria a uma imagem do Estado onipotente e centralizador, o que, atualmente, é um mito que não deve ser cultivado. Assim sendo, a lei dispôs que a sentença arbitral não possui mais a necessidade de se submeter ao crivo e controle prévio do juiz-Estado, mas nada impede, entretanto, que não seja possível questionar em juízo a validade e a eficácia da sentença arbitral, consoante ao que a própria lei estabeleceu em seu artigo.

O autor36 salienta que o conceito de jurisdição encontra-se em “crise”, sendo

necessário adequar a técnica à realidade. Assevera, também, que a arbitragem, apesar de sua origem derivada de uma relação contratual, deve observar a garantia do devido processo e terminar por um ato do juízo arbitral - uma decisão que assuma a feição de sentença judicial.

Se por um lado, o autor supracitado apresenta tal argumento, por outro há autores que defendem que a arbitragem não é jurisdição. Dentre eles, mencionamos: Luiz Guilherme Marinoni e Ada Pellegrini Grinover.

Athos Gusmão Carneiro37 nota que Ada Pellegrini Grinover argumenta a favor

de que o árbitro não é “o” juiz de fato e de direito, pois o árbitro é juiz no sentido de                                                                                                                           35 Idem, ibidem, p. 26-27. 36 Idem, ibidem, p. 26-27. 37

“Ada Pellegrini Grinover, em parecer solicitado pela OAB/SP, frisou que a Lei n. 9.307/96 não utiliza a expressão juiz arbitral, mesmo porque o árbitro não é juiz: "o árbitro decide, mediante sentença arbitral, mas não é juiz. A expressão do art. 18 da Lei não afirma ser o árbitro um juiz. O árbitro e juiz de fato e de direito, proclama o dispositivo, indicando apenas que o árbitro decide sobre o fato e o direito. Pode parecer uma filigrana, mas não é: a lei não diz que o árbitro é ‘o' juiz de fato e de direito, mas que é 'juiz de fato e de direito': juiz, no sentido de apreciar e decidir, mas não ‘o juiz’ que exerce função jurisdicional. Tanto assim é, que a decisão arbitral não tem força coercitiva, pois a coerção é própria do Estado: a sentença arbitral só pode ser executada pelo Poder Judiciário". Conclui a mestra no sentido de que os árbitros não se podem autodenominar de "juízes", porque não o são.” (CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência. 18ª edição. São Paulo: Editora Saraiva. 2012, p. 78 - Nota de rodapé no. 1).

decidir e apreciar, mas não exerce função jurisdicional, considerando que a sentença arbitral não possui poder coercitivo, pois coerção é atividade típica do Estado, cabendo ao Estado-juiz a execução da sentença arbitral.

O Ministro Athos Gusmão Carneiro38 aborda, com precisão, toda a

divergência existente acerca da natureza jurisdicional da arbitragem, a saber: “Joel Dias Figueiredo Jr. sustenta que não existe impedimento algum a que o Estado atribua a juízos privados o poder de dirimir conflitos em caráter definitivo, salvo nos casos previstos em lei.” Em outro momento, menciona que Eduardo Arruda Alvim, ao se reportar a Joel Dias Figueira Jr., “defende o caráter jurisdicional da arbitragem, afirmando que não se trata propriamente de um "substitutivo da jurisdição" (neste passo reformulando entendimento anterior), mas sim do exercício de jurisdição privada”. Discorre, também, que “Alexandre Câmara nega ao arbitramento caráter jurisdicional, entendendo que o árbitro, embora exerça função pública, não exerce atividade jurisdicional”. Em seguida, reconhece que a arbitragem é um processo, mas explica, ao mesmo tempo, que ela não é um processo jurisdicional porque “a jurisdição é monopólio do Estado, não podendo ser exercida pelo árbitro, o qual é um ente privado (Arbitragem. Lúmen Júris, 1997, p. II)”. O referido Ministro observa, ainda, que a arbitragem, para Cândido Rangel Dinamarco, é “como um ‘meio alternativo’ para a solução de conflitos, processando-se ‘fora do âmbito do exercício do poder estatal pelo juiz’ (Instituições de direito processual civil. Malheiros Ed., 2001, v. 111, n. 844)”. Aprofundando seu estudo, cita que “Teori Zavascki nega peremptoriamente à arbitragem o caráter jurisdicional”, enquanto que, ao se referir a Marinoni, salienta que, para ele, “não há qualquer motivo para equiparar a jurisdição com a atividade do árbitro”, uma vez que “tal equiparação somente é forçada para permitir a conclusão de que a Lei de Arbitragem é constitucional (Luiz Guilherme Marinoni, estudo na rev. Jurídica, 373:24-5)”. Por fim, destaca que Carlos Alberto Carmona, Nelson Nery Júnior e Humberto Theodoro Júnior sustentam o caráter jurisdicional da arbitragem.

                                                                                                                          38

CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência. 17ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 78-81.

Eduardo Arruda Alvim39, que se filia à natureza jurisdicional da arbitragem, também enfatiza a existência da controvérsia quando esclarece que “Joel Dias Figueira Jr., em posição que acompanhamos, defende o caráter jurisdicional da arbitragem”. Assevera que Figueira Jr. não vislumbra qualquer problema para que o Estado delegue aos juízes privados parcela do poder que detém para dirimir

conflitos, desde que observadas as limitações fixadas pela legislação. Alvim40

esclarece que “Paulo Furtado e Uadi Lammêgo Bulos entendem que a atividade do árbitro constitui verdadeira atividade jurisdicional, tomada a jurisdição como um conceito abstrato”. Por fim, enfatiza que entende como corretas as posições que afirmam que a arbitragem tem natureza jurisdicional, pois, segundo seu entendimento, não há, na realidade, uma substituição da jurisdição pela arbitragem, mas verdadeira jurisdição privada.

No Informativo de Jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça41,

Informativo nº 0522, Período: 1º de agosto de 2013, Segunda Seção, noticia-se que é possível a existência de conflito de competência entre juízo estatal e câmara arbitral, uma vez que a atividade desenvolvida no âmbito da arbitragem tem natureza jurisdicional.

No que diz respeito à discussão relativa à natureza jurisdicional da

arbitragem, Cândido Rangel Dinamarco42 apregoa que a arbitragem é, ao menos,

uma atividade parajurisdicional exercida pelo árbitro, registrando que o crescimento dos meios alternativos de solução de conflitos reforça a ideia da equivalência entre eles e a atividade jurisdicional. Ressalta, entretanto, que, do ponto de vista prático, existem diferenças notáveis, o que eliminaria a afirmada equivalência com a jurisdição, pois apenas esta última tem como objetivo a atribuição de efetividade ao ordenamento jurídico substancial, situação essa que extravasa a cognição dos                                                                                                                          

39

ALVIM, Eduardo Arruda. Direito Processual Civil. 3ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 61.

40

Idem, ibidem, p. 61.

41

STJ - CC 111.230-DF. Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08/05/2013.

42

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Volume I, 6ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 121-128.

chamados meios alternativos. Por outro lado, como relevante no exercício da jurisdição em razão do aspecto social do proveito útil aos membros da sociedade, enfatiza que também se encontra presente nos meios alternativos, uma vez que representa a busca da pacificação social e da eliminação de conflitos de indivíduos e grupos. Portanto, ao final do sistema processual, sugere a equivalência funcional entre a pacificação estatal imperativa e outras atividades alternativas na busca dos mesmos objetivos e da utilidade social. Conclui que “é legítimo considerar ao menos parajurisdicionais as atividades exercidas pelo árbitro (infra, n. 365)”.