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Aspectos quantitativos e qualitativos da avaliação enquanto atividade de pesquisa

Toda atividade humana envolve dois aspectos da realidade humana. De um lado, os aspectos objetivos dessa realidade e que dizem respeito à ação humana em si com a natureza ou com a sociedade. Esses aspectos objetivos normalmen- te são expressos em quantidades. De um lado, o fato de que os seres humanos agem intencionalmente, ou seja, de uma forma, ou de outra, relacionada com a sua subjetividade e com aspectos subjetivos da comunidade humana na qual eles estão inseridos. Esses aspectos subjetivos ou intencionais da realidade são expressos qualitativamente.

Discutiremos apenas os aspectos qualitativos, não por considerar a quanti- dade uma dimensão inferior ou menos nobre da realidade, mas apenas por reco- nhecer que existem muito mais instrumentos e justificativas para esse aspecto da realidade, e a nossa contribuição, acerca do que é em si a qualidade e o seu papel na tomada de decisão, é muito mais significativa que a anterior.

Pedro Demo (1995, p. 9) propõe dois aspectos da dimensão qualitativa que merecem a nossa atenção. Ele sugere a existência de uma “qualidade formal” e de uma “qualidade política”. A qualidade formal é uma dimensão de qualquer prática humana que está intrinsecamente vinculada à capacidade de realização de meios de satisfação de necessidades, como a tecnologia, por exemplo, que é a capacidade de montagem de instrumentos capazes de realizar tarefas humanas. Na tecnologia há uma dimensão qualitativa. Suas realizações podem ser medidas em termos quantitativos, mas a tecnologia, enquanto estágio de de- senvolvimento das forças produtivas é uma expressão qualitativa da sociedade humana. A produção de energia pode ser um exemplo claro disso. Há uma di- ferença qualitativa evidente se imaginamos produzir energia queimando lenha ou através da fissão atômica. Em ambos os processos, podemos medir quanti- tativamente a energia produzida em determinado tempo, entretanto, há algo de qualitativamente diferente nos dois processos. Observem que somente em determinado momento da história humana foi possível produzir e armazenar energia atômica.

A essa diferença entre os estágios de produção de energia podemos chamar de qualidade formal. A qualidade formal que está presente em todas as ati- vidades humanas manifesta-se de acordo com o nível de desenvolvimento da sociedade onde a mesma se manifesta.

A outra dimensão da qualidade, a política, trata da decisão acerca da utiliza- ção de determinada atividade. A qualidade política relaciona-se com a vontade de agir dos seres humanos. A qualidade política também está relacionada com o nível de desenvolvimento das forças produtivas da sociedade, entretanto, não pode ser considerada como um produto direto da ação dessas forças. São vários os fatores que atuam na construção de uma decisão política: culturais, míticos, simbólicos etc.

A qualidade política é uma expressão da criação humana na sua história e em sua cultura. A arte de ser, de se desdobrar, de desenvolver, de criar. (DEMO, 1995, p. 15) Entretanto, isto é uma imagem positiva dessa qualidade. Sua cono- tação ideológica já indica que pode também ser perversa, porque a humanidade não é um todo pronto e acabado e sim um projeto em constante construção. Assim sendo, a qualidade política pode se traduzir em uma ação que expressa a vontade da maioria de uma população e atuar para seu bem-estar ou traduzir-se na vontade de grupos de poder e se realizar em proveito apenas de uns poucos. Assim tem sido na história. (THIOLLENT, 2004)

A qualidade de uma ação humana pode ser avaliada, por conseguinte, se- gundo os dois aspectos apresentados:

Pela sua dimensão formal: que implicará em critérios que con- •

siderem a adequação do que está sendo avaliado ao momento histórico da comunidade ou organização que implementa aque- la ação;

Uma ação humana é sempre uma ação contextual. Qualquer processo ava- liativo deve levar em consideração dois aspectos: a sua atualidade e a sua ade- quação ao nível de desenvolvimento da comunidade e/ou organização onde a mesma ocorre. Em cada momento histórico a ciência tem uma estrutura pró- pria que não lhe permite integrar quaisquer objetivos sociais de qualquer forma.

Essa estrutura é medida da autonomia relativa da ciência, nos termos da qual a ciência regula o seu desenvolvimento, ainda que não possa determiná-lo. (SAN- TOS, 1989)

Pela sua dimensão política: que implicará em considerar o nível •

de participação (envolvimento) dos atores direta ou indireta- mente relacionados com aquela ação, desde o momento do pla- nejamento, da implementação, avaliação e, por conseguinte, da tomada de decisão.

A participação não é somente um instrumento para a solução dos proble- mas, mas também uma necessidade do homem de se autoafirmar, de interagir em sociedade, criar, realizar, contribuir, sentir-se útil. É um instrumento muito eficaz para aumentar a motivação e o entusiasmo das pessoas, contribuindo para a expressão do pleno potencial de uma organização ou da felicidade de uma comunidade. Um processo participativo visa não somente a elaboração de propostas mais ajustadas à realidade. Pretende mudar comportamentos e atitu- des, onde indivíduos passam a ser sujeitos ativos no processo e não objetos do trabalho de outros. (CORDIOLI, 2001, p. 27)

O que está em jogo na avaliação qualitativa é principalmente a qualida- de política, ou seja, a arte da organização ou da comunidade se autogerir, a criatividade cultural que demonstra em sua história a espera para o futuro, a capacidade de inventar seu espaço próprio, forjando sua autodefinição, sua au- todeterminação, sua autoprodução, dentro de condicionamentos objetivos.

A articulação entre a avaliação dos aspectos formais da qualidade com os aspectos políticos poderá ser expressa nos seguintes indicadores: representativi- dade da liderança nas tomadas de decisão; legitimidade dos processos decisórios em relação aos aspectos estatutários e legais da organização; nível de participa- ção de todos os sujeitos do processo; capacidade da organização e/ou comuni- dade planejar de forma participativa a implementação das ações sugeridas pelo processo avaliativo.

Tais indicadores não são estáticos e devem ser negociados de forma demo- crática, antes, durante e permanentemente na organização ou comunidade.

AVALIAÇÃO COMO GESTÃO E COMO TECNOLOGIA SOCIAL