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Está se configurando como consenso entre pesquisadores que redes, ou arranjos cooperativos entre organizações, incluindo alianças estratégicas e joint

ventures, são influenciados tanto por fatores sociais como por econômicos (GULATI, 1998; POWELL, 1987, 1990, GRABHER, 1993; RING e VAN DE VEN, 1994; LARSON, 1992). No entanto, algumas perspectivas teóricas são mais enfáticas sobre a forma como essas dimensões sociais exercem papéis específicos em processos de colaboração.

Na teoria institucional e na perspectiva da imersão social, por exemplo, autores argumentam que aspectos sociais e culturais do ambiente moldam a estrutura e a ação das organizações e são decisivos também ao moldar como elas cooperam. Em contrapartida, no passado, analistas da Economia de Custos de Transação (ECT) tendiam a assumir que os aspectos sociais e culturais em torno dos relacionamentos

econômicos eram irrelevantes ou eram apenas friccionais para a eficiência organizacional. No entanto, de maneira crescente, o papel complementar das relações sociais, capaz de influenciar a ação econômica, passou a ser reconhecido por estes teóricos.

Grabher (1993, p.2) foi um dos teóricos que reconheceu esta complementaridade, explicando que a influência das relações sociais não deveria mais ser concebida, exclusivamente, como friccional para os mercados competitivos. Para ele, “influências sociais são vistas como processos nos quais atores adquirem costumes, hábitos ou normas que eles seguem de maneira quase mecânica.” Larson (1992), por outro lado, salienta que as dimensões sociais das transações são elementos centrais para explicar o controle e a coordenação nas estruturas de troca. Dimensões sociais, tais como confiança, reputação e laços anteriores, podem reduzir a incerteza na formação de alianças estratégicas. Isso ocorre porque, havendo confiança e reputação, se pode fazer investimentos com uma certa previsibilidade dos resultados ou, pelo menos, do comportamento do parceiro, sem investir muito em mecanismos contratuais para evitar perdas. Esses tipos de mecanismos – confiança, reputação e laços anteriores – podem alcançar melhores resultado com um menor custo do que artifícios econômicos e contratuais.

Os argumentos usados em várias abordagens, dentre as que buscam mostrar como aspectos sociais influenciam na formação de arranjos cooperativos, variam em termos dos níveis de análise (GULATI, 1998) e das diferentes ênfases sobre o grau da ação individual que é determinada pelo contexto social. Enquanto Granovetter (1985) assumiu que laços sociais entre atores individuais são determinantes na escolha que os parceiros fazem, teóricos institucionalistas enfatizaram as relações entre organização em nível do campo organizacional para explicar os processos de difusão de formas inovadoras. A natureza dos laços entre organizações pode ser conceituada, extensamente, sobre um contínuo de laços puramente pessoais em direção a laços culturais mais impessoais. Por exemplo, Gulati (1998) afirma que são as conexões sociais das firmas que guiarão seus interesses para formar novas alianças com parceiros. Essas conexões provêem as organizações com oportunidades para realizar seus interesses. Ele sugeriu que “muitas oportunidades novas para formar alianças, são apresentadas às firmas através de conjuntos de parceiros de alianças já existentes” (GULATI, 1998, p. 294). Esse autor propõe ainda

que a maneira, bem como a extensão em que firmas estão imersas, explicam fortemente várias dimensões-chave tais como: a freqüência com a qual as mesmas entram em alianças, as suas escolhas de parceiros, os tipos de contratos usados e como a aliança se desenvolve ao longo do tempo. O arcabouço teórico de Gulati (1998) oferece uma rica concepção do contexto social para explicar a formação de alianças interorganizacionais. O contexto institucional foi definido em termos do conjunto de alianças anteriores existentes entre firmas, formando uma rede social criada por laços diretos e indiretos. Estes laços podem tornar-se uma importante fonte de informação para a organização no que concerne à confiabilidade e à capacidade dos parceiros potenciais e correntes.

Abordagens que desafiam as proposições da Economia de Custos de Transação (ECT) e da perspectiva estratégica, tendem a considerar padrões laterais e horizontais de troca, fluxo interdependente de recursos e linhas recíprocas de comunicação como atitudes antagônicas às relações hierárquicas entre firmas (POWELL, 1990). A teoria institucional e a perspectiva da imersão social concebem mercados como construções sociais, na qual instituições são construções anteriores à emergência de mercados específicos – mercados não são concepções imaculadas e não deveriam ser tratados como tais. Mais ainda, instituições, em cada sociedade, moldam mercados e são moldadas por eles.

Partindo de abordagens da economia sociológica, Powell (1994) enfatizou como a natureza das firmas e dos mercados se relaciona ao desenvolvimento econômico. Primeiro, práticas econômicas nas organizações estão relacionadas à infra-estrutura de uma região ou de uma sociedade. Como ilustrado por Grandori e Soda (1995), a infra-estrutura institucional de uma região ou de uma sociedade exerce importante papel ao motivar e organizar atores a agir de forma cooperativa. Certos tipos de redes são mais dependentes do que outros de apoio regional, uma vez que necessitam de grandes investimentos em infra-estrutura e em geração de conhecimento. Segundo, desenvolvimento industrial não é necessariamente dependente de integração vertical ou produção em massa, mas pode assentar-se, ao contrário, em redes horizontais de produção. Se integração vertical e produção em massa ou se redes horizontais de produção são predominantes em uma determinada região, é uma questão melhor explicada pelas circunstâncias históricas que definem o trade-off entre um foco na quantidade (em termos de eficiência –

produzir mais unidades com menor preço) e qualidade (produzir produtos diferenciados para mercados com necessidades diferenciadas). A estrutura e a forma das relações de rede irão diferir, marcadamente, entre os dois tipos de regimes de produção. Ainda hoje, certas economias são mais orientadas para eficiência do que para considerações de qualidade, fazendo com que integração vertical e padronização exerçam um papel central. A força de uma rede – por exemplo, a flexibilidade com que vários componentes podem ser combinados para explorar novas oportunidades – pode, sob certas condições, superar as vantagens da hierarquia em termos de eficiência. Powell (1994) defende que firma verticalmente integrada apareceu em ambiente de estabilidade de mercado e em ritmo mais lento de mudanças de nível tecnológico. Piore e Sabel (apud POWELL, 1994) argumentam que, nesses contextos, no qual o ambiente é mais orientado para diferenças qualitativas, impõe-se uma lógica de produção diferente, baseada em uma nova forma de coordenação horizontal através de redes interorganizacionais.

Larson (1992) salienta que redes oferecem vantagens específicas para firmas empreendedoras. Entre elas está a oportunidade de obter recursos e vantagens competitivas sem incorrer em investimentos de capital de integração vertical. Dessa forma, evita-se a ineficiência característica das organizações burocráticas clássicas, normalmente associadas a problemas com hierarquia. Assim, redes representam uma alternativa flexível para alcançar integração para atender ao mercado. Finalmente, em redes, reciprocidade mútua e reputação podem complementar e/ou substituir o mecanismo de preço ou de autoridade hierárquica. Larson (1992) enfatiza dois tipos de reputação: reputação pessoal e reputação da firma. O primeiro tipo é um fator importante para explicar a formação de laços. O segundo tipo, em conjunto com o primeiro, conforme sugerem os dados de Larson (1992), é especialmente importante para firmas empreendedoras. Essas firmas normalmente não têm o primeiro tipo de reputação bem estabelecida, sendo julgadas nas relações de troca, muitas vezes, pela reputação pessoal de seus dirigentes. Por sua vez, firmas empreendedoras buscarão empresas bem estabelecidas para formar alianças e irão assentar-se, para isso, sobre a reputação pessoal dos dirigentes. Uma justificativa para firmas buscarem parcerias com firmas que tenham forte reputação na indústria seria o fato de que através disso podem conseguir benefícios da qualidade institucionalizada dos produtos do parceiro. Essa qualidade,

conseqüentemente, refletirá positivamente no seu desempenho e no fortalecimento da sua posição no campo.

Powell (1987) observa que vários fatores ajudam a explicar a proliferação de formas organizacionais híbridas e a sua importância no campo econômico. Para esse autor, os efeitos das rápidas mudanças estruturais na economia mundial – novas indústrias e novas tecnologias – são uma parte crucial da história. Essas formas híbridas representam uma melhor alternativa em novos mercados e em situações de rápida mudança tecnológica. No entanto, ainda que o ambiente exerça um papel importante para explicar a origem da forma organizacional, não é usual descobrir uma conexão forte entre uma forma organizacional e condições ambientais específicas. “Arranjos organizacionais são mais adequados para certas situações do que outros; mas uma variação nos fatores sociais, políticos e históricos pode atenuar os vínculos entre forma e ambiente” (POWELL, 1987, p.84).

Entre os fatores mais relevantes para explicar a proliferação de formas híbridas, Powell (1990) inclui: a) melhor adaptabilidade para mercados em mudança; b) limites da organização de grande escala e incentivos associados com firmas menores; c) fontes de conhecimento estão localizadas mais difusamente e necessidade de acelerar o acesso a este conhecimento; e d) papel poderoso exercido pela reputação e pela reciprocidade produzidas em arranjos híbridos.

Powell (1990) rejeita o contínuo mercado-hierarquia em defesa de uma explicação mais contextualizada de redes. Ele considera que evidências históricas e antropológicas negam que o mercado é um ponto de partida inicial e a forma elementar de troca. Defende, também, que hierarquia não representa o ponto final de um desenvolvimento econômico evolucionário. A visão de contínuo falha em capturar a realidade complexa das trocas e interpreta de forma equivocada os padrões de desenvolvimento econômico, além de esconder o papel exercido pala reciprocidade e colaboração como mecanismos de governança alternativos.

Entre os vários argumentos desafiando a abordagem econômica tradicional para explicar alianças, Powell (1990) destaca:

economias estão imersas em forças sociais e culturais. Por isso, mercados são vistos como sendo “estruturados por um complexo de fatores locais,

éticos, culturas de comércio e por regimes variados de regulação do estado” (Powell, 1990, p.299);

como historiadores e sociólogos têm apontado, mercado não é uma instituição natural autoperpetuante, mas uma construção social e cultural. Sobre este ponto é ilustrativo o trabalho de Clegg (1990) sobre o pão francês, à moda italiana e os empreendimentos asiáticos. O autor mostra como características institucionais e culturais nessas regiões moldaram o mercado e produziram modos de racionalidade diferentes daqueles dominantes em países como EUA e Canadá;

mercados não podem ser isolados da estrutura social, uma vez que acesso social diferenciado resulta em assimetrias em informações, bem como estrangulamentos, provendo assim para algumas partes consideráveis benefícios e deixando outras em desvantagem.

Para Powell (1990), redes, como arranjos de troca não burocráticos e não hierárquicos, representam uma forma especial de ação coletiva, na qual:

cooperação pode ser mantida por um longo período como um arranjo efetivo;

redes criam incentivos para aprender e para a disseminar informação, permitindo assim que idéias sejam traduzidas rapidamente em ações;

qualidades de uma rede são mais úteis quando recursos são variáveis e o ambiente incerto;

redes oferecem meios altamente viáveis de utilizar e alcançar ativos intangíveis, como conhecimento tácito e inovação tecnológica.

Grabher (1993) emprega um argumento similar ao de Powell (1987, 1990) ao conceber redes como influenciadas por fatores sociais. Ele destaca três características de redes: reciprocidade, interdependência, frouxo acoplamento e poder.

Ring e Van de Vem (1994) desenvolveram um conjunto de proposições sobre como e porque relacionamentos cooperativos interorganizacionais emergem,

desenvolvem-se e são dissolvidos. Eles centraram atenção sobre os processos formais, legais e psicossociológicos, pelos quais partes da organização, conjuntamente, negociam, comprometem-se e executam seus relacionamentos de forma a alcançar resultados eficientes e eqüitativos e soluções internas para conflitos, quando surgem.

Enquanto a maioria dos pesquisadores enfatizava condições antecedentes e propriedades estruturais dos relacionamentos interorganizacionais, em comparação com outras formas, Ring e Van de Ven (1994) salientaram os processos de formação de relacionamentos interorganizacionais. Esses processos envolvem uma seqüência de eventos e interações, entre unidades organizacionais, que moldam e modificam a emergência de relacionamentos interorganizacionais ao longo do tempo. Eles têm implicações temporais importantes para o desempenho e influenciarão a motivação organizacional para continuar ou terminar o relacionamento ao longo do tempo.

Ring e Van de Vem (1994) defendem que relacionamentos cooperativos interorganizacionais, um fenômeno de nível macro, somente emerge, desenvolve-se, cresce e dissolve-se ao longo do tempo como conseqüências de atividades individuais. No entanto, eles também argumentam que esses arranjos cooperativos podem emergir independente de condições de partida, tais como laços de amizade pré-existentes, mandatos institucionais ou dependência de recursos e busca, por uma organização, de uma outra parte com necessidade de recursos. Esse argumento, no entanto, não nega a importância dos fatores sociais, os quais podem exercer um importante papel ao facilitar a institucionalização do arranjo cooperativo. Deixam implícito, os autores, no entanto, que fatores sociais podem exercer influência em momentos distintos da formação de uma arranjo cooperativo.

Ring e Van de Ven (1994) explicam que:

relacionamentos cooperativos interorganizacionais entre partes que já tenham tido relacionamentos econômicos ou laços sociais, tendem a se desenvolver mais rapidamente e eficientemente do que se fossem, inicialmente, estranhos. [...] Na prática, a maioria dos relacionamentos cooperativos entre estranhos emerge incrementalmente e começam pequenos e informais, o que requer inicialmente pouca confiança por envolver pouco risco. Quando essas transações são repetidas ao longo do tempo e alcançam normas básicas de capital e eficiência, as partes podem sentir-se incrementalmente seguras em comprometer mais dos seus

recursos e expectativas em ciclos subseqüentes de um relacionamento cooperativo interorganizacional. (RING; VAN DE VEN, 1994, p.11).

Larson (1992), por sua vez, desenvolveu um arcabouço no qual reputação, confiança, reciprocidade e interdependência mútua foram enfatizadas como aspectos fundamentais para explicar a duração e estabilidade das estruturas de troca. No modelo dessa autora, redes entre pares desenvolvem-se em três etapas, cada uma delas com aspectos sociais particulares e importantes, conforme pode ser observado na Figura 1, a seguir:

FASE I: Pré-condições para trocas

História

laços pessoais - relações anteriores - reputação da firma -Incerteza reduzida

-Expectativas e obrigações -cooperação inicial aumentada

FASE II: Condições para construir

troca econômica mútua - período de teste - uma firma é a iniciadora Engajamento

-Regras e procedimentos -Expectativas claras -Reciprocidade -Confiança

FASE III: Integração e controle

-Integração operacional -Integração estratégica -Controle social

REDE DUPLA

Figura 1: Modelo de processo da formação de empreendimentos em pares

Fonte: LARSON, 1992, p.83.

A fase I envolve as pré-condições para mudança, tais como relacionamentos pessoais e reputação, as quais reduzem a incerteza e estabelecem expectativas que

provêem antecipação da cooperação entre as organizações. Larson (1992, p.84) acrescenta que “obrigações implícitas de fé e honestidade dão estrutura e controle sutil para esta troca econômica no seu princípio”. A fase II refere-se àquelas condições necessárias para estabelecer o relacionamento. Sobre este ponto, Larson (1992) verificou em seu estudo empírico que,

enquanto vantagens econômicas mútuas exerceram um papel importante, o controle em uma estrutura de troca nascente foi o resultado do crescimento incremental de confiança e da evolução das normas de reciprocidade durante um período de teste, no qual uma das firmas parceiras assumiu o papel de iniciador quando regras e procedimentos e expectativas foram estabelecidas. (LARSON, 1992, p.84).

A fase III está relacionada ao momento em que as organizações se tornam operacionalmente e estrategicamente mais integradas. Nesta fase, oportunismo é evitado através da presença reguladora de obrigações morais, confiança e preocupação em preservar reputação.

O modelo apresentado por Larson foi confirmado por observações de campo em quatro firmas empreendedoras e sete pares de relacionamentos ligando às firmas, aos fornecedores-chave e/ou aos clientes. Esses pares de relacionamentos foram governados significativamente por controles sociais, oriundos de normas de confiança e reciprocidade. É necessário entender que sua governança estava pautada sobre controles sociais sutis de interdependência e de jogadores auto- regulados engajados e comprometidos com ganhos mútuos. Seu estudo mostrou que os informantes das empresas na pesquisa não discutiram contratos formais como um mecanismo fundamental para prover controle. Nas suas entrevistas, a efetividade das alianças não era referida como sendo uma conseqüência dos contratos, controles administrativos, incentivos econômicos ou dados de mercado. Larson (1992) escreveu que a não importância relativa dos aspectos contratuais formais de troca e, em contrapartida, a significância das normas de confiança e reciprocidade, parecem refletir a realidade das trocas econômicas: ela ocorre dentro de uma realidade social e é moldada pelos controles sociais.

A partir das considerações anteriores, pode-se concluir que aspectos sociais não só influenciam a formação de alianças, como também tendem a moldar o processo. Verificou-se que a influência dos aspectos sociais pode se dar tanto em nível de

organização como em nível de campo. Assim, aspectos como reputação pessoal dos dirigentes e reputação organizacional se entrelaçam em um jogo combinado de influência dentro do sistema social.

Entre os aspectos sociais centrais que podem ser analisados empiricamente, no estudo da formação de alianças, pode-se destacar: a) o papel exercido pelas características culturais e institucionais da região que hospeda a aliança, bem como dos países de origem das empresas-mãe; b) as relações pessoais e econômicas anteriores; e c) durante a formação da aliança, a reciprocidade, a confiança e a reputação. Todos esses elementos influenciam na eficiência das relações econômicas e, quando desconsiderados, podem enviesar a leitura da realidade organizacional. Tais elementos serão analisados especificamente no caso de joint

ventures internacionais, foco desta tese. Como já salientado na introdução, fatores

sociais podem exercer níveis de intensidade diferenciada em cada uma das fases de formação de alianças, conforme elaborado por Gulati (1998).