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2.3 Joint ventures internacionais: motivos e contingências

2.3.4 Relações de poder: pressões externas e controle em joint ventures

2.3.4.1 Considerações gerais sobre o poder nas organizações

Lukes (1983, p. 825) comenta que a noção de provocação de conseqüências está presente em praticamente todas as concepções de poder. Este autor afirma ainda que é necessário incorporar critérios de significação respondendo à pergunta: o que torna significativa, as conseqüências provocadas por A de uma maneira a considerá-las como poder? Destaca também que “(...) o essencial ao poder é a realização de uma vontade ou desejo”. Essa vontade ou desejo pode recair sobre o indivíduo (concepção intencional) ou agentes coletivos (real).

A partir da análise das diferentes concepções de poder, Lukes (1983) dividiu-o em duas categorias amplas, freqüentemente citadas: categoria assimétrica e categoria simétrica. As concepções assimétricas pressupõem a existência de conflito e resistência reais e potenciais, considerando as relações sociais e políticas como competitivas e inerentemente carregadas de conflito. Por sua vez, a categoria simétrica, afirma o autor, parte do princípio de que todos podem ganhar: o poder é uma capacidade ou realização coletiva. Tais concepções parecem residir na opinião de que as relações sociais ou políticas são pelo menos potencialmente harmônicas e comuns. Pode-se dizer que estas categorias apresentam, respectivamente, uma visão negativa e outra positiva do poder, e que, sem dúvida, a assimetria é mais representativa das relações de poder nas organizações, o que pode ser comprovado pelo desenho das estruturas organizacionais.

Perrow (1998) reconhece a existência de muitas definições de poder, mas destaca uma de A. Tannenbaun. É uma visão de soma não zero em que o montante

de poder gerado dentro de uma organização pode variar significativamente. Mas, por outro lado, o autor adverte que o poder como soma não zero representa uma subcategoria que passa a exercer um papel somente após ser aplicado uma definição de poder de soma zero.

Perrow (1998) ao considerar um sistema como gerando resultados valorizados (bens, serviços, lucros, salários, trabalhos interessantes, status social etc.), baseado nos seus recursos (capital, equipamentos, empregados, mercados, legitimidade e outros), define poder como

[...] a habilidade das pessoas ou grupos para extrair para eles resultados estimados de um sistema, no qual outras pessoas ou grupos buscam esses mesmos resultados ou prefeririam expender seus esforços em direção a outros resultados. Poder é exercido para alterar a distribuição dos resultados, para estabelecer uma distribuição desigual ou mudar os resultados. Nesse sentido, poder é concebido como de soma zero, relacional (sobre alguém), exercido fora e dentro da organização e refere-se a um resultado da atividade organizacional que é avaliada e um resultado que é protegido somente com algum custo. (PERROW, 1998, p.259) .

Embora as condições presentes para o exercício do poder apresentem uma tendência para um jogo de soma zero, ou seja, para que um possa ganhar o outro necessariamente deve perder, situações de soma não zero são possíveis e preferíveis. Considerando relações de longo prazo, o exercício do poder de um determinado ator no campo organizacional pode resultar em benefício para todos os membros, mesmo que esses não o reconheçam imediatamente. Pode dar-se o exemplo da exigência do cumprimento de normas de proteção ambiental, Aparentemente, as empresas que o fazem perdem por desembolsarem recursos para tal. No entanto, ao implementarem tais medidas, ganha a agência reguladora por ter realizado sua meta, ganha a sociedade por ter alcançado melhor qualidade de vida e ganha a empresa por alcançar maior legitimidade social.

As análises do poder nas organizações têm se concentrado mais nas relações entre grupos e indivíduos, restringindo-se ao nível individual e grupal de análise. No entanto, conforme destaca Perrow (1998), a natureza do poder muda quando se passa a analisar níveis superiores de análise que captam interações mais amplas.

Considerando a importância do ambiente, nas suas dimensões técnicas e institucionais, na determinação da ação e da estrutura organizacional, torna-se

fundamental analisar as relações de poder em níveis mais amplos de análise, que considerem as relações interorganizacionais e os aspectos culturais e simbólicos envolvidos nelas. Nesse sentido, esse mesmo autor sugere uma classificação de níveis de análise que permite uma visão mais completa da dinâmica do poder.

Em um primeiro nível, a interação das organizações pode ser concebida como: a) uma rede de trocas diretas atuais pelas organizações e grupos de interesses; b) um campo organizacional, o qual inclui interações indiretas com outras organizações – isto é, aquelas que ocorrem através de organizações intermediárias; c) uma indústria, no caso de organizações econômicas, que envolve consumidores, associações de negócio e agências reguladoras, na qual os contratos podem ser diretos, indiretos ou simbólicos ou através de equivalência estrutural; d) finalmente, um setor, que inclui todos os níveis anteriores, mas também inclui fenômenos políticos, cultura, símbolos e mitos. O segundo nível é mais geral que o anterior, considerando nas interações o Estado como condicionando as formas de alterações de todas as outras organizações. O terceiro nível considera as relações sociais, é comum para todos os setores e é amplamente condicionado pela racionalidade limitada, a qual, por sua vez, origina o sistema cultural de símbolos, valores e crenças.

Observa-se que os fenômenos organizacionais, quando tratados como objetos de análise teórica, tornam-se mais ou menos complexos, dependendo do nível de análise e do grau de interdisciplinaridade do arcabouço teórico utilizado para interpretá-lo. Ao se observar um fenômeno como a formação de uma aliança estratégica internacional, a partir de apenas um nível de análise, pode-se produzir reducionismos que comprometem a sua interpretação. Nesse sentido, não apenas níveis distintos de análise devem ser empregados, como também uma concepção de poder que supere as contradições dessa realidade, que não tenha um pressuposto puramente causal, ou que o assuma indiscriminadamente como maléfico.

Analisando as vertentes do estudo de poder, Clegg (1990) destaca o trabalho de Hobbes e Maquiavel. O primeiro deixou como herança uma noção de poder como um locus da vontade, como uma agência suprema, como proibitório; uma concepção clássica de poder como de soma zero, poder como negação do poder dos outros. A concepção de poder de Maquiavel, diferentemente, é pautada na imprecisão, é

contingente, estratégica e organizacional. Para Clegg (1990), a diferença entre Hobbes e Maquiavel reside no fato de o primeiro ter legislado sobre o que é o poder, o segundo, interpretado a dinâmica do poder de fato.

Clegg (1990) associa-se à visão de Maquiavel e, por conseqüência, à visão de Foucault. Ele afirma que aqueles projetos mais alinhados ao de Maquiavel são favoráveis a uma interpretação local e mais contingente, aproximando-o do mundo de Foucault, o qual, por sua vez, via o poder como uma coisa positiva, como “facilitativo”. Clegg (1990) redimensiona o peso da agência e da estrutura na interpretação do poder, combatendo uma visão enviesada que assuma o determinismo completo das estruturas ou o voluntarismo absoluto da agência.

Ao propor a idéia de circuitos de poder, Clegg (1990) afirma que qualquer teoria aplicável de poder deve também ser uma teoria da organização, destacando que muito da teoria do poder em organizações tem sido orientada em direção a busca da compreensão de como obediência organizacional é produzida. Deve-se lembrar que a visão de poder dominante nos estudos organizacionais tinha como pressuposto que a resistência à autoridade instituída era ilegítima. O autor vai além da idéia de poder concebido em duas faces, ou como sendo reproduzido em três dimensões, considerando como um processo que pode passar através de circuitos distintos de poder e resistência. Este modelo geral de circuitos de poder, de acordo com o autor, associa os desenvolvimentos mais recentes na sociologia organizacional com as perspectivas institucional e da ecologia populacional.

A visão ampliada de poder proposta por Clegg (1990), superando os equívocos produzidos pelas visões unidimensional, pluralista e radical, vem ao encontro da proposta deste trabalho de utilizar o poder como um mecanismo orientador das explicações do processo de formação e estruturação de alianças.

Neste estudo, reconhece-se a contribuição de várias abordagens, como os pressupostos comportamentais da teoria dos custos de transação, a infusão de valores na organização apresentada pelo velho institucionalismo de Selznick e o caráter contingente do poder. No entanto, a partir das contribuições apresentadas pelo novo institucionalismo (POWELL; DIMAGGIO, 1991; MEYER; ROWAN, 1991) são estabelecidas restrições a essas teorias. A tentativa de construção de discursos de

aplicação universal, desconsiderando o cotidiano, o local e o acaso, colocam em risco a credibilidade de determinadas construções teóricas. Isso pode ser observado, por exemplo, nos pressupostos que assumem o comportamento dos indivíduos na organização, pautados puramente no oportunismo; na tentativa de explicar resultados inesperados pelos problemas de racionalidade limitada; no assumir, sem uma visão crítica, a metáfora orgânica e, assim, ver a adaptação organizacional como um fenômeno natural; e; por fim, em aceitar todo o poder como maléfico ou ilegítimo.

No cotidiano das organizações, indivíduos produzem diferentes tipos de ação social, que podem ser racionais ou não. Tem sido prática nos estudos organizacionais reduzir a ação social nas organizações como ações racionais voltadas a fins, ou irracionais, caso não se encaixe naquela categoria. A visão puramente instrumental sobre os processos organizacionais, pode estar associada a dois fatores: à manutenção do status quo pela afinidade ideológica dos teóricos aos grupos dominantes, ou por incompetência analítica dos teóricos organizacionais. No entanto, é fundamental que, independente dos motivos, esta prática seja superada.